Entre a crónica de Vasco
Pulido Valente hoje no Público e a sua nojenta entrevista no jornal i no 25 de
abril há certamente um laço que as une e esse é a tentativa gorada do
historiador e ensaísta de justificar o seu mais profundo elitismo, o seu
desprezo pelos outros, no fundo o seu isolamento da Avenida de Paris. VPV
quer-nos convencer, apoiado na sua visão da história, de que liberdade e
igualdade são incompatíveis e que, quando em liberdade a retórica da igualdade é
frontalmente assumida, é a liberdade que tende a ser suprimida, dando origem a
projetos totalitários e autoritários.
A tese de VPV levar-nos ia
muito longe no âmbito do debate possível na ciência política, de que aliás o
ensaísta se afasta deliberadamente para se concentrar exclusivamente nos
ensinamentos da história. VPV afasta-se assim da utopia realista de Rawls
segundo a qual uma sociedade liberal pode aspirar a graus avançados de
igualdade, acaso promova as condições de modelo económico potencialmente mais
distributivo e de participação ativa dos grupos sociais mais desfavorecidos na
defesa de um maior equilíbrio social. Os tempos do debate atual em torno da
crescente desigualdade na distribuição do rendimento e da riqueza (veja-se o êxito
sem precedentes nos Estados Unidos de uma obra originalmente escrita em francês
como o Capital no Século XXI de Thomas Piketty) parecem dar razão a VPV, quando
sobretudo coloca em evidência de que os anos dourados do pós 2ª guerra mundial
(anos 50 e 60) poderão ter constituído a exceção e não a regra. Mas a literatura
das “variedades do capitalismo”, que VPV parece totalmente ignorar (aliás o seu
desprezo pela ciência económica chega a ser patético), coloca em evidência que
as sociedades de mercado são profundamente heterogéneas do ponto de vista da
acomodação dos princípios distributivos e da equidade e que os diferentes
tempos da intervenção social (proativos ou de deceção e abandono, segundo o
modelo conhecido de VOICE and EXIT de um dos
patronos deste blogue, Albert O. Hirschman) podem potenciar situações de maior
proximidade ou de maior afastamento entre a liberdade e a igualdade. Que as
sociedades toleram muito diferenciadamente a desigualdade isso já o sabemos há
muito.
Que o cidadão VPV queira
abandonar-se ao isolamento da sua renovada habitação na Avenida de Paris, em
Lisboa, fiel ao seu ego elitista, sem paciência para conviver com a retórica
igualitária de alguns dos seus amigos mais fervorosos, está no seu direito e em
democracia a liberdade de o fazer é um bem precioso. Mas que queira
racionalizar essa opção, mostrando que os outros é que estão errados, com
argumentos da sua interpretação da história, não é lá muito convincente. Preferir
a liberdade à igualdade é moralmente aceitável, mas negar a possibilidade de
utopias realistas que procuram um equilíbrio democrático entre tais dimensões e
que se movem pela procura de mínimos social e politicamente toleráveis de
desigualdade equivale a negar a reinvenção da história.
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