domingo, 27 de abril de 2014

LIBERDADE E IGUALDADE



Entre a crónica de Vasco Pulido Valente hoje no Público e a sua nojenta entrevista no jornal i no 25 de abril há certamente um laço que as une e esse é a tentativa gorada do historiador e ensaísta de justificar o seu mais profundo elitismo, o seu desprezo pelos outros, no fundo o seu isolamento da Avenida de Paris. VPV quer-nos convencer, apoiado na sua visão da história, de que liberdade e igualdade são incompatíveis e que, quando em liberdade a retórica da igualdade é frontalmente assumida, é a liberdade que tende a ser suprimida, dando origem a projetos totalitários e autoritários.
A tese de VPV levar-nos ia muito longe no âmbito do debate possível na ciência política, de que aliás o ensaísta se afasta deliberadamente para se concentrar exclusivamente nos ensinamentos da história. VPV afasta-se assim da utopia realista de Rawls segundo a qual uma sociedade liberal pode aspirar a graus avançados de igualdade, acaso promova as condições de modelo económico potencialmente mais distributivo e de participação ativa dos grupos sociais mais desfavorecidos na defesa de um maior equilíbrio social. Os tempos do debate atual em torno da crescente desigualdade na distribuição do rendimento e da riqueza (veja-se o êxito sem precedentes nos Estados Unidos de uma obra originalmente escrita em francês como o Capital no Século XXI de Thomas Piketty) parecem dar razão a VPV, quando sobretudo coloca em evidência de que os anos dourados do pós 2ª guerra mundial (anos 50 e 60) poderão ter constituído a exceção e não a regra. Mas a literatura das “variedades do capitalismo”, que VPV parece totalmente ignorar (aliás o seu desprezo pela ciência económica chega a ser patético), coloca em evidência que as sociedades de mercado são profundamente heterogéneas do ponto de vista da acomodação dos princípios distributivos e da equidade e que os diferentes tempos da intervenção social (proativos ou de deceção e abandono, segundo o modelo conhecido de VOICE and EXIT de um dos patronos deste blogue, Albert O. Hirschman) podem potenciar situações de maior proximidade ou de maior afastamento entre a liberdade e a igualdade. Que as sociedades toleram muito diferenciadamente a desigualdade isso já o sabemos há muito.
Que o cidadão VPV queira abandonar-se ao isolamento da sua renovada habitação na Avenida de Paris, em Lisboa, fiel ao seu ego elitista, sem paciência para conviver com a retórica igualitária de alguns dos seus amigos mais fervorosos, está no seu direito e em democracia a liberdade de o fazer é um bem precioso. Mas que queira racionalizar essa opção, mostrando que os outros é que estão errados, com argumentos da sua interpretação da história, não é lá muito convincente. Preferir a liberdade à igualdade é moralmente aceitável, mas negar a possibilidade de utopias realistas que procuram um equilíbrio democrático entre tais dimensões e que se movem pela procura de mínimos social e politicamente toleráveis de desigualdade equivale a negar a reinvenção da história.

Sem comentários:

Enviar um comentário