segunda-feira, 5 de maio de 2014

CRISE, PARADIGMAS E ENSINO DA ECONOMIA

(Simon Wren-Lewis)

(Lawrence Summers)
Desta vez com debate animado do lado de lá e de cá do Atlântico, destacando-se do lado de cá a academia do Reino Unido, a discussão sobre as implicações da crise financeira de 2007-2008 sobre o ensino da economia está ao rubro. A ideia de manutenção do status quo não parece convencer ninguém, a não ser os que procuram a todo o custo não abrir brechas no que lhes parece ser a fundamentação do que certamente ficará na história económica como um erro colossal de política macroeconómica. Pode então perguntar-se onde estará o debate, pelo menos de diferente do que sempre existiu entre correntes dominantes na economia e que se reproduzem através da relação mestre-discípulo?
Surpreendentemente para mim, o debate mais aceso está na divisão entre os que pedem a cabeça do paradigma atual, com forte representatividade nos curricula de matriz anglo-saxónica, e os que continuam a defender que seria possível com o mainstream ter gerado uma política macroeconómica muito mais eficaz no combate à crise financeira e à pronunciadamente lenta recuperação após o pânico financeiro ter sido dominado.
É nesse contexto que sem surpresas para mim, mas para surpresa de muitos, economistas fortemente críticos da política macroeconómica de consolidação fiscal em contexto de taxas de juro nulas ou praticamente nulas, como por exemplo Krugman (Princeton, embora de saída para outros voos) ou Simon Wren-Lewis (Oxford, que Vasco Pulido Valente tanto considera), tenham saído a terreiro para defender os seus próprios cursos de mainstream. O que não significa que sejam contundentes em desmontar designadamente a política macroeconómica britânica a qual tenta por todos os meios, intelectualmente desonestos, convencer-nos que foi a política de austeridade a justificar o crescimento económico do Reino Unido. Veja-se a crítica magistral de Summers à política macroeconómica britânica no Washington Post.
A substituição de um paradigma económico por outro e as suas consequências sobre os curricula da formação em economia constituem um processo muito lento, sobretudo como o atual que resulta de sínteses de correntes anteriores e não será seguramente uma simples crise, ainda que poderosa nos seus efeitos de longo prazo, que produzirá essa transformação. Os mecanismos de mediação entre a produção científica em economia e a sua transformação em modelos de política económica por ela influenciados não resultam apenas da valia intrínseca dos paradigmas e da produção científica. Há todo um vasto conjunto de fatores de apropriação por parte do poder político de tais resultados que transcendem a simples vontade dos economistas –investigadores.
E depois há a complexa questão de saber o que é que devemos tomar por representação do tal paradigma instalado. Sem vos querer maçar, desde os que pensam que são os modelos neo-keynesianos de equilíbrio dinâmico a representar esse paradigma instalado até aos que como Krugman (aqui e aqui pensam em modelos e teorias económicas de maximização de comportamentos de agentes económicos tipificados como agentes racionais passíveis de assumir esse comportamento a consumir, a trabalhar e a não trabalhar, a investir, a poupar ao longo do ciclo da vida, não há uma posição unânime sobre o que devemos considerar a representação do paradigma instalado.
Tendo a compreender os economistas que como Krugman, Bradford DeLong ou Lawrence Summers, mostram que podemos ser criticamente contundentes sem abdicar de ensinar o tal paradigma instalado. Há muitas maneiras de o ensinar, sobretudo do ponto de vista da capacidade de disseminação entre os alunos de espírito crítico e de capacidade de pensar, embora para isso seja necessário a recetividade dos alunos. Os jotinhas que nos passam pelas mãos têm uma conceção utilitarista da formação em economia e pensarão por certo que o professor é um perigoso esquerdista mais ou menos identificado com o Bloco. Mas estou claramente com Summers quando ele mostra que é necessário não falar apenas de comportamentos de maximização em condições de informação perfeita. Basta que no raciocínio e nos modelos económicos se fale de bolhas, de alavancagem, de ganância, de medo e que se rompa por exemplo com o princípio mais ou menos hedonista de que o lazer é bom e o trabalho é mau para termos resultados bem diferentes dos obtidos com os pressupostos da informação perfeita. Por exemplo, Stiglitz, apoiado também nesse mainstream, mostra que com informação imperfeita e assimétrica, é possível demonstrar que a inovação financeira quase sempre assegura o ganho privado (interesse privado) à custa dos ganhos para a sociedade como um todo (interesse público).
Por hoje, fica a minha ideia de que a composição global dos cursos, a ética da transmissão do saber, o ambiente de debate, discussão e crítica de uma Escola, a natureza combativa e não acomodada da massa estudantil e a vontade de se deixar de interpelar pelas evidências e pelo comportamento das economias é muito mais importante do que os manuais que possam ser utilizados. E sempre defendi que para criticar um modelo, uma teoria ou uma escola de pensamento é necessário ser capaz de os ensinar melhor do que o simples lacaio vulgarizador. Esta é que é a questão essencial e, por isso, 40 anos depois dos tempos de agitação das ideias nas Universidades portuguesas, elas estão incompreensivelmente calmas e focadas no carreirismo mais imediato. Sinais dos tempos.

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