terça-feira, 13 de maio de 2014

O QUE PODE O BCE FAZER?

(Financial Times)


Estou com pouca pachorra para dedicar alguma atenção ao faz de conta de que se discute a questão europeia. Chapéu para Marisa Matias (uma bem intencionada força da natureza) quando deixou a mensagem que a diferença entre PS e a Aliança Portugal consistia apenas em preferir Murganheira (Rangel e Melo) ou Raposeira (Assis e companheiros), não interessando se beberam pela garrafa ou por uma taça. O mistério destas visitas é para mim enorme: que critérios levarão os candidatos a optar por uma ou por outra? Neste caso, diria que a marca Murganheira é mais apelativa, já que a Raposeira tem um lastro de tradição, mas quem sou eu para me imiscuir nos roteiros eleitorais!
Entretanto, estragando a festa aos que teimam em branquear a situação europeia, gente que pensa, como Martin Wolf, por exemplo,no Financial Times, lançam para o debate as nuvens da deflação e a fragilidade da atual recuperação europeia. Aqui, chapéu para Assis que foi o único a alertar convincentemente para os riscos da deflação europeia, associando-os aos erros de política macroeconómica seguidos pela Comissão Europeia e Conselho Europeu.
Com a deflação à porta, a recuperação frágil e o euro excessivamente forte para a atual posição competitiva de economias em dificuldades como a França, o BCE confronta-se com desafios para os quais o seu modelo estatutário ou não tem resposta, ou pode aspirar a uma limitada eficácia. Este é o melhor exemplo dos riscos das instituições se deixarem aprisionar pela ortodoxia das teorias económicas. A limitação da intervenção do BCE à estabilização dos preços é o melhor exemplo dessa mais completa captura de uma instituição pela ortodoxia agora posta em causa. Senão vejamos. A estabilidade dos preços estava pensada para a estabilização em alta, não o contrariar de riscos deflacionários. A fragilidade da recuperação está fora do raio de intervenção do BCE, pois a política monetária, está hoje demonstrado, não chega para ultrapassar as hesitações da recuperação. Por sua vez, a excessiva apreciação do euro não está propriamente fora do âmbito de atuação do BCE, mas apanha por tabela pelo facto da apreciação do euro tender a reforçar as tendências deflacionárias e o ADN da ortodoxia implantada na instituição sempre esteve focado na estabilização em alta de preços não de deflação.
Por isso, um bom tema de eleições europeias é a discussão do que é que o BCE pode fazer para emendar esta captura da instituição pela ortodoxia monetária. Está no centro dos desafios europeus e por isso não pode ser apenas tema de reflexão académica como os promotores da Conferência do BCE em Sintra querem fazer crer. A questão está em discutir como é que o BCE pode libertar-se dessa ortodoxia que limita a sua capacidade de resposta. Ora isto não será tema de eleições europeias?
Wolf discute criticamente as saídas apertadas que o BCE tem explorado. Parece ter falhado a sua tentativa de “forward guidance” procurando convencer atores económicos e mercados de que o banco seria intransigente em defender um ritmo de variação de preços próximo dos 2%. A senda do “quantitative easing” através de compras de títulos soberanos no mercado soberano criando condições aos bancos para o fazer susteve o pânico na altura certa mas do ponto de vista de tornar a recuperação menos frágil tem encontrado bloqueios sérios na aceleração do crédito. Pode ter alguma margem de manobra nos contornos de aplicação, por exemplo alargando as compras a títulos privados, mas neste contexto de taxas de juro fazer de conta que a política fiscal (não obviamente para o BCE) não existe é demais. Resta a “novidade” (não tanto para alguns países que já o praticam) das taxas negativas ou nulas de parqueamento de dinheiro no BCE, mas mesmo essas não são arma potente para responder aos três desafios – deflação, recuperação frágil e euro apreciado em relação ao dólar (repito face à capacidade atual de algumas economias).
Resta aparentemente a dependência da arte de Draghi em esgrimir com as palavras para convencer mercados mais nervosos de que fará tudo o que for necessário. E se a história do Pedro e do Lobo andar por aqui? Fazer tudo o que for necessário, mas com que instrumentos e que legitimidade?
Estranhamente, e confesso não ter tempo para amadurecer e estudar nos próximos tempos essa possibilidade, ninguém tem pegado na ideia já aqui aflorada do “quantitative easing” poder adquirir títulos da dívida pública americana e não de países integrados no BCE, que se deve ao economista americano Jeffrey Frankel. A ideia seria visar a desvalorização do euro. Ninguém pegou na ideia porque se crê insuficiente para influenciar a relação euro-dólar? Aparentemente não haverá limitações estatutárias, ou haverá? Esta dúvida terá de ficar para tempos mais calmos em termos profissionais para poder mergulhar na economia monetária em mercados abertos.

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