“A Europa sem coluna vertebral”, assim se refere um artigo do “Le Monde” de ontem fazendo o balanço dos mandatos de Durão à frente de uma Comissão Europeia que deixou enfraquecer em proveito de uma afirmação do poder dos governos dos grandes países que foi servindo como pôde e ao sabor das circunstâncias.
Pois tivemos há dias, através do primeiro artigo da série “How the Euro was saved” assinada por Peter Spiegel no “Financial Times” e abordando os bastidores do momento em que o Euro esteve prestes a explodir, uma ilustração muito concreta do modo de estar na política da dita criatura.
Trata-se, com efeito, de um detalhe que nunca ficara devidamente esclarecido e cujo principal lesado – o então primeiro-ministro grego, George Papandreou (GP) – sempre deixou transparecer como intrigante quando instado a explicar a trapaça de que foi alvo e que o afastou da liderança do país e do PASOK. A cena passa-se em novembro de 2011, num momento em que se ia desenrolar em Cannes uma reunião do G20 e imediatamente após Papandreou ter anunciado que iria convocar um referendo sobre um segundo resgate à Grécia.
Chamado a uma reunião de emergência com os principais líderes europeus presentes em Cannes (Sarkozy e Merkel à cabeça), Papandreou apresentou-se com o seu ministro das Finanças (e futuro sucessor) Venizelos e enfrentou as críticas ferozes daqueles. Os pormenores da história constam do artigo, pelo que me limito ao ponto que diretamente diz respeito a Durão e que o autor descreve exemplarmente do modo abaixo.
“Foi uma mudança na linguagem corporal que chamou a atenção de Barroso, que se tinha sentado sossegadamente fora do alcance dos focos. O presidente da Comissão Europeia diria mais tarde a colaboradores que a cena que se desenrolava à sua frente o estava crescentemente a alarmar. A somar às conversas soltas sobre uma saída da Grécia do Euro, que os funcionários da Comissão acreditavam que iria provocar um pânico incontrolável nos mercados em todo o sul da Europa, a perspectiva de uma campanha de um mês em torno de um referendo semearia semanas de incerteza – exatamente o que se tentava evitar à medida que os yields das obrigações italianas iam subindo para níveis perigosos.
Sem o conhecimento de Sarkozy ou Merkel, Barroso tinha chamado Samaras, o líder da oposição grega, do seu hotel antes da reunião. Ele sabia que Samaras estava desesperado para evitar o referendo.
Samaras disse a Barroso que estava agora disposto a acordar um governo de unidade nacional entre o seu partido da Nova Democracia e o PASOK - algo que ele tinha sucessivamente negado durante meses, na esperança de assim poder garantir a liderança governativa para si próprio.
Barroso convocou o seu gabinete e outros funcionários da Comissão para a sua suite do hotel art-déco Majestic Barrière para traçar uma estratégia. Decidiu que não daria conta a Sarkozy ou Merkel da conversa mas, de acordo com pessoas na sala, começaram a discutir-se nomes de possíveis tecnocratas para assumir o lugar de Papandreou num governo de unidade nacional. A primeira pessoa a vir à boca de Barroso foi Lucas Papademos, o economista grego que tinha deixado o cargo de vice-presidente do BCE um ano antes. Dentro de uma semana, Papademos estaria no cargo.
Assistindo à afirmação de Venizelos horas mais tarde no interior do Palácio, Barroso viu a sua oportunidade. Sarkozy deu por finda a reunião, relendo o seu plano de seis pontos e dizendo a Papandreou para voltar para Atenas para ‘tomar uma decisão’, e Barroso puxou Venizelos para o lado.
‘Temos que matar este referendo’, disse Barroso. O ministro das Finanças concordou quase imediatamente. Matar a ideia do referendo seria também o fim de Papandreou.
Depois de breves declarações à imprensa, em que disse que o referendo seria ‘uma questão de saber se queremos permanecer na Zona Euro’, Papandreou voltou para o aeroporto de Nice. No carro, virou-se para Venizelos e disse que as coisas não tinham corrido tão mal quanto ele tinha temido. Venizelos estava incrédulo. Como Papandreou dormiu no voo de regresso, Venizelos, encorajado pela advertência de Barroso, pediu a um assessor para escrever uma declaração a ser divulgada quando desembarcassem, às 4h45 de Quinta-feira. ‘A posição da Grécia na Zona Euro é uma conquista histórica do país que não pode ser posta em dúvida’, dizia o comunicado. ‘Este acervo do povo grego não pode depender de um referendo’.
O referendo de Papandreou estava morto. Como estava o seu governo.”
E assim, para além da preciosa e ativa colaboração dos dois políticos (Samaras e o seu camarada de partido Venizelos) que agora lideram o governo de coligação, poderá ter ficado Papandreou a saber mais concretamente quanto as reminiscências maoístas e os ginasticados princípios de Durão estiveram na base (concecional e operacional) da sua incompreendida e injusta condenação. E esta, hein?
Sem comentários:
Enviar um comentário