quinta-feira, 29 de maio de 2014

CAPITALISMO INCLUSIVO



Nos últimos tempos, sobretudo em torno da controversa obra de Thomas Piketty, O Capital no século XXI, o tema da desigualdade na distribuição do rendimento e da riqueza tem ganho uma progressiva notoriedade na literatura, no debate político e na animação reivindicativa de rua (veja-se a causa dos 99% nos EUA). Há quem veja precipitadamente na obra de Piketty (a analogia do título) uma espécie de reincarnação de Marx e do Capital, o que é pelo menos paradoxal atendendo a que Piketty trabalha com instrumentos de análise puramente apropriados pelo mainstream neoclássico da economia, longe das categorias do Capital que nos fizeram queimar pestanas nos bons velhos anos 70. Para o provar veja-se a formalização que Bradford DeLong construiu em torno das categorias dePiketty.
Mas o tema da desigualdade tem penetrado o pensamento das mais inesperadas personalidades, longe de poderem ser consideradas out of the system, envolvendo antes pelo contrário atores muito representativos desse sistema.
Vem isto a propósito da conferência On Inclusive Capitalism desta semana em Londres, pela qual passaram personalidades relevantes da economia e do sistema.
Hoje gostaria de destacar a surpreendente conferência de Mark Carney, o canadiano à frente do Banco de Inglaterra, também subordinada ao tema do Inclusive capitalism (ver vídeo)
Carney parte de uma definição de capitalismo inclusivo que integra a igualdade de rendimentos , a igualdade de oportunidades e a justiça intergeracional. E fá-lo baseado em três grandes aquisições da moderna literatura sobre o tema: que mais igualdade é benéfico ao crescimento; que a desigualdade é uma das causas mais relevantes da infelicidade relativa; por uma questão de justiça. Surpreendentemente Carney navega por ideias como a necessidade da legitimidade dos mercados não poder basear-se apenas na eficácia mas também na justiça, apelando assim, na linha do Adam Smith da Theory of Moral Sentiments, à importância dos valores e das crenças na vida económica.
O mundo parece ter mudado quando se ouve o governador do Banco de Inglaterra criticar o fundamentalismo de mercado, travestido sob a forma de desregulação e fraca supervisão prudencial do sistema bancário e financeiro.
E não é por acaso que Carney acaba por chegar ao contributo do sistema bancário para a erosão do capital social que mina a relação equilibrada entre mercados, valores e crenças. Três processos são analisados por Carney para mostrar como é necessário uma espécie de regresso aos basics para inverter a referida deterioração do capital de confiança no sistema: o aparato do “demasiado grande para falir”, a ganância de alguns agentes do sistema financeiro e a injustiça da fortalecida tecnologia bancária e financeira penalizar o investidor de retalho.
Sinal dos tempos ou simples reação de um sistema acossado, o discurso do Governador do Banco de Inglaterra marca uma tendência. Afinal a missão do Banco de Inglaterra é a de “promover o bem dos britânicos, assegurando a estabilidade monetária e financeira”.

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