quinta-feira, 8 de maio de 2014

DIREITO À INDIGNAÇÃO CLARIFICADORA

(Fotografia de Paulo Pimenta para o Público)


A apatia e a indiferença sociais são duas categorias que anunciam o pior dos mundos em matéria de sobressalto cívico das populações. Representam a interrupção de uma dinâmica de indignação de que todas as democracias necessitam, senão pelo menos para manter a classe política e os agentes da administração do Estado em vigilância e despertos para intervenções corretoras de situações menos dignas.
Todo este introito vem a propósito da indignação que me provocou o incidente da doente com cancro, precocemente com alta do Hospital Joaquim Urbano, sem acolhimento no exterior do hospital e que passou umas largas horas na escadaria de uma igreja, neste cado do Carvalhido.
Quero assinalar antes de despejar a minha indignação que tenho para mim que, apesar das suas fragilidades e do seu endividamento, o sistema público de saúde em Portugal tem uma qualidade mais que proporcional ao nível de desenvolvimento do País, seguindo uma lógica comparativa de correlacionar o nível de produto per capita com a qualidade e cobertura do sistema hospital.
Também não recorro à saída fácil de projetar culpas sumariamente no ministro Paulo Macedo, quando pressinto que nestas coisas há sempre um médico a querer fazer de gestor hospitalar, ou um gestor hospitalar a querer agradar à voz do dono, a projetar em alta orientações superiores de racionalização de custos e otimização de condições de internamento. Mas há limites éticos e de decência humana que não podem ser ultrapassados pelas compreensíveis medidas de racionalização de custos e de otimização de taxas de ocupação de infraestruturas hospitalares. E face a estes atropelos da ética e da decência humana só a indignação real pode contribuir para reduzir a zero a probabilidade de desumanidades desta natureza poderem ocorrer.
Posso ter andado distraído, e se for caso disso penitencio-me antecipadamente, mas não ouvi nenhuma voz de indignação entre os representantes da classe política, uns a glorificar 40 anos de partido e a simular vergonhosamente que a matriz social-democrata permanece intacta, outros em modo de “selfies” na baixa lisboeta com o amigo da onça Martin Schultz que nos vai sair melhor do que a encomenda e fiel à matriz da defesa dos interesses nacionais. Gostaria também de conhecer em profundidade que condições concretas de decisão determinaram que um hospital do Porto colocasse no exterior uma paciente com cancro sem objetivamente para onde ir. Tenho para mim que é sobre estas coisas simples, objetivas e humanas que se formam a opinião e a confiança sobre as instituições e as lideranças políticas. Há quem pense que essa confiança se ganha ou perde em torno de programas sofisticados ou textos de grande profundidade. Não. Não é, mesmo para os que poderiam ter maior recetividade e propensão a tomar contacto com esses pensamentos mais elaborados.

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