(Fotografia de Paulo Pimenta para o Público)
A apatia e a indiferença sociais são duas
categorias que anunciam o pior dos mundos em matéria de sobressalto cívico das
populações. Representam a interrupção de uma dinâmica de indignação de que
todas as democracias necessitam, senão pelo menos para manter a classe política
e os agentes da administração do Estado em vigilância e despertos para
intervenções corretoras de situações menos dignas.
Todo este introito vem a propósito da indignação
que me provocou o incidente da doente com cancro, precocemente com alta do Hospital
Joaquim Urbano, sem acolhimento no exterior do hospital e que passou umas
largas horas na escadaria de uma igreja, neste cado do Carvalhido.
Quero assinalar antes de despejar a minha
indignação que tenho para mim que, apesar das suas fragilidades e do seu
endividamento, o sistema público de saúde em Portugal tem uma qualidade mais
que proporcional ao nível de desenvolvimento do País, seguindo uma lógica
comparativa de correlacionar o nível de produto per capita com a qualidade e cobertura do sistema hospital.
Também não recorro à saída fácil de projetar
culpas sumariamente no ministro Paulo Macedo, quando pressinto que nestas
coisas há sempre um médico a querer fazer de gestor hospitalar, ou um gestor
hospitalar a querer agradar à voz do dono, a projetar em alta orientações
superiores de racionalização de custos e otimização de condições de
internamento. Mas há limites éticos e de decência humana que não podem ser
ultrapassados pelas compreensíveis medidas de racionalização de custos e de
otimização de taxas de ocupação de infraestruturas hospitalares. E face a estes
atropelos da ética e da decência humana só a indignação real pode contribuir
para reduzir a zero a probabilidade de desumanidades desta natureza poderem
ocorrer.
Posso ter andado distraído, e se for caso disso penitencio-me
antecipadamente, mas não ouvi nenhuma voz de indignação entre os representantes
da classe política, uns a glorificar 40 anos de partido e a simular vergonhosamente
que a matriz social-democrata permanece intacta, outros em modo de “selfies” na baixa lisboeta com o amigo da onça Martin Schultz que
nos vai sair melhor do que a encomenda e fiel à matriz da defesa dos interesses
nacionais. Gostaria também de conhecer em profundidade que condições concretas
de decisão determinaram que um hospital do Porto colocasse no exterior uma
paciente com cancro sem objetivamente para onde ir. Tenho para mim que é sobre
estas coisas simples, objetivas e humanas que se formam a opinião e a confiança
sobre as instituições e as lideranças políticas. Há quem pense que essa confiança se ganha ou
perde em torno de programas sofisticados ou textos de grande profundidade. Não.
Não é, mesmo para os que poderiam ter maior recetividade e propensão a tomar contacto com esses
pensamentos mais elaborados.
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