Com os resultados nacionais já publicados e a repartição
final dos deputados europeus ainda por concluir (o que não será indiferente
pois a eleição do inefável Manuel dos Santos não está ainda assegurada e a
minha consciência ainda poder ficar tranquila), a minha impressão é europeia e
terá de ser “Chapéu para Matteo Renzi” em Itália. Já se percebeu que não morro
de amores pelo estilo blairiano de Renzi, mas face às dificuldades
extremas da campanha em Itália, que acompanhei atentamente nos últimos dias
pela Reppublica, conter o populismo desenfreado do palhaço Grillo e
manter Berlusconi praticamente inoperante é obra. Os mais de 40% do Partido
Democrático de Renzi obrigam a um outro olhar sobre o potencial de Renzi, a
partir de agora não apenas associável a uma experiência autárquica bem
sucedida, mas vencedor de uma batalha travada em condições particularmente
difíceis.
Depois, ainda no plano europeu, a perceção clara dos
estragos provavelmente irreparáveis que o consulado de Barroso e seus
apaniguados provocaram, aparentemente ocultados pelo ainda predomínio do PPE,
fruto de uma construção europeia feita à socapa, burocrata, iluminada por uma
pretensa vanguarda da ortodoxia e dos bons costumes orçamentais. Estarão por
avaliar os efeitos perversos a nível nacional, sem o qual a construção europeia
é uma ilusão, que irão resultar dos resultados de ontem em países como a França
(reflexos no nacionalismo económico de um governo socialista agonizante e sem
asa para uma reviravolta), no Reino Unido e até em economias aparentemente
sensatas como a Dinamarca mas em que os demónios também andam à solta. Uma
autêntica borrada, não sendo para mim claro se os estragos são irreparáveis ou
se há alguma margem para os inverter.
E o que dizer sobre os resultados nacionais?
Quem semeia ventos colhe naturalmente os seus efeitos. A
dramatização operada por António José Seguro (AJS) em torno da projeção futura
dos resultados das europeias acaba por conceder um significado à curta vitória
do PS em contexto de flagrante derrota da maioria. Um autêntico paradoxo: cerca
de 73% dos poucos portugueses que foram às urnas opuseram-se à maioria
atualmente a governar, mas tem sentido invocar o comentário de António Lobo
Xavier segundo o qual o Governo tem inesperadas condições para uma ginástica do
tempo político até às legislativas de 2015, independentemente de elas serem ou
não antecipadas para a primavera. O contexto é favorável a que a vitória seja
questionada, sobretudo porque há resultados comparáveis (as Europeias de há dez
anos com a vitória de Ferro Rodrigues) ou recentes (as recentes autárquicas, aliás
referidas por António Costa) e a comunicação social vai ser impiedosa nesse
aproveitamento. Daí que a orquestrada encenação do aproveitamento do espaço
televisivo com a declaração inicialmente forte de Assis tenha saído pela
culatra, sobretudo porque ninguém esperava a derrota do PS, mas a sua projeção
para o futuro. Analisando expeditamente os resultados nacionais, observa-se que
nos territórios em que ganhou, o PS não alcança por exemplo vitórias da
dimensão da de Renzi em Itália.
AJS vai talvez injustamente confrontar-se com o espectro
da ingovernabilidade dos 73% à esquerda da maioria, e essa ameaça corre o risco
de se abater sobre a futura caminhada do PS até às legislativas, balizada pela
questão pragmática “como é que o balão pode encher nos meses futuros até
configurar uma alternativa credível de esperança ganhadora no espaço diferente
das legislativas?” António Costa falava, no Quadratura do Círculo de ontem, de
muito trabalho a fazer no sentido de construir a energia ganhadora necessária.
Pela minha parte penso que o PS estará de novo confrontado com a sua questão
história de saber como construir os espaços da governação possível: se ao
centro-direita que não existe do ponto de vista partidário atual, pois a atual
maioria é tudo menos esse posicionamento, mas num contexto em que esse “bloco
central alargado” continua a perder peso eleitoral; se à esquerda onde me
parece que a ingovernabilidade de solução cooperativa está definitivamente
instalada com os resultados agora atingidos. O PCP teria de passar por uma
espécie de revelação divina para abrir espaço a uma solução governativa, está
rejuvenescido nos rostos mas não nas ideias e instala-se definitivamente como
espaço de acolhimento do voto de protesto. O Bloco de Esquerda desmorona-se e a
intervenção final de Catarina Martins é patética, ainda sem sabermos que tinha
sido derrotado em Lisboa pelo Livre de Rui Tavares. Quanto a este, a única
força que evidenciou conscientemente vontade de organizar a cooperação à
esquerda, tem ainda um longo espaço à sua frente, embora possa aspirar a uma
representação parlamentar em futuras legislativas, se conseguir manter uma
presença neste interregno.
Resta o fenómeno Marinho Pinto. Não o menosprezaria e é
fortemente discutível se cola a tentativa de o classificar de fenómeno
populista. O estilo truculento e direto do personagem é bem português. A grande
interrogação é a de saber o que valerão em termos políticos futuros os 7% do
PMT. Por agora, vale sobretudo o estatuto de “out of the system”. A
tradição democrática, embora conservadora nos temas fraturantes, de Marinho
Pinto é uma almofada positiva para com os riscos portugueses de emergência de
Le Pens ou de Grillos. Mas isso não significa que os 7% agora obtidos
constituam um capital político decisivo em termos de rumo para as legislativas.
Talvez em toda a noite televisiva, a reação que melhor
representará o sentimento do Portugal económico e dos famigerados mercados seja
a de António Lobo Xavier ao expressar o seu desconforto pela não simetria entre
a derrota da maioria no Governo e a vitória do PS, e o que isso pode significar
de ingovernabilidade possível ou de tentação eleitoralista da atual maioria.
Será que AJS tem estofo e coragem para, sem abdicar da
liderança do PS, apresentar ao país uma solução de governação com António Costa
a primeiro-Ministro?
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