Em primeiro lugar uma declaração de conflito de
interesses. Não tenho qualquer ligação profissional ou de conselho nem com
António José Seguro (AJS), nem com António Costa (AC). Sou há longos anos
simpatizante e votante PS como sou adepto do Benfica há bem mais longos anos.
Por interpostas pessoas com quem tenho uma relação de amizade e de respeito
cívico, se tive alguma relação de colaboração esporádica foi curiosamente com
AJS: participação em Castelo Branco (a convite de Luís Braga da Cruz) numa
sessão centrada nos territórios de baixa densidade (fôlego que se foi perdendo
na voracidade do taticismo político da atual direção do PS), participação em
Viana do Castelo numa sessão do Novo Rumo (a convite de José Maria Costa e José
Manuel Carpinteira) e participação em Lisboa em nova sessão Novo Rumo sobre
educação (a convite de António Nóvoa).
Estou por isso particularmente à vontade para
comentar o turbilhão atual do PS (que apreendi imediatamente com aquele arranque
da noite eleitoral e com o discurso programado de Francisco Assis). Nos tempos
do Dr. Fernando Gomes tive alguma (pouca) aproximação ao aparelho partidário do
PS no Porto e não gostei. Percebi depois na candidatura de Elisa Ferreira um pouco da alma disfuncional do aparelho. Não
esqueço as palavras do então Chefe de Gabinete de Fernando Gomes, o Engº Vasco
Valente (por que bandas andará?) que me dizia com aquele pragmatismo de quem
conhece os aparelhos por dentro: “ Meu caro se for dos que não pedem nada será
sempre olhado com desconfiança!). Lúcidas palavras.
Ponderado este contexto e sem dramatismos de
circunstância, penso sinceramente que o PS está perto do abismo de uma
desconstrução a prazo, incapaz de perceber o que se passa à sua esquerda e à
sua direita, em trajetória potencialmente similar à que o PS francês e o PSOE
estão a trilhar, não sendo possível imaginar o fim dessa involução.
Como é que a liderança de AJS se projeta nesta
trajetória muito pouco virtuosa?
Tenho para mim que AJS é um homem empenhado,
honesto, trabalhador, com vontade de fazer coisas. Mas o seu trajeto e
experiência política colocam-no numa posição de alguma fragilidade face aos
desafios que tem de cavalgar que são nacionais e não apenas de estabilização da
liderança partidária.
A sua chegada à liderança do PS sem assumir
frontalmente e sem qualquer problema de consciência os resultados do consulado
de Sócrates, discernindo bem o que esteve mal e os aspetos largamente positivos
dessa governação, ou melhor dos dois tempos dessa governação, criou um limbo de
fragilidade e de vulnerabilidade, do qual nunca a meu ver conseguiu
libertar-se. E o pior é que AJS se deixou embalar por um taticismo político de
muito curto prazo, marcando ao dia e à semana o respirar também ele anárquico e
mistificador de Passos Coelho e seus apaniguados. Como é óbvio, há alguns
eleitos da liderança e da ação que conseguem com respostas de muito curto prazo
forjar um padrão consistente de estratégia. Há quem consiga de facto construir
uma estratégia sem a formalizar ou declinar em proposições. Sinceramente acho
que AJS não tem essa capacidade. O seu taticismo político aparece em contra-mão
aos desejos profundos dos Portugueses de poder aspirar a um futuro que sublime
as penas e os sacrifícios de curto prazo. A evolução da conjuntura haveria de
ser madrasta para esse taticismo: eleições antecipadas, taxas de juro, evolução
da conjuntura económica, saída limpa, descida de impostos, colaborar ou não com
o governo. E a comunicação social é estruturalmente madrasta para as aspirações
de AJS. Podem dizer-me que é construção artificial, mas ninguém resiste a ser
considerado o melhor adversário possível de quem se pretende abater na curva
mais próxima.
É dramático e doloroso alguém nos dizer isto, ou
seja, quando podemos dizer a coisa mais importante do mundo e o peso dessa
afirmação se dilui quando comparativamente alguém do lado, mais sólido, a
enuncia. O peso das coisas e das palavras é terrível e todos já passamos por
situações dessas, para as quais é necessário uma resistência de aço para
mantermos o equilíbrio mental. Por muito que isso seja humanamente de uma
grande injustiça, é isso que se passa quando se ouve AJS e AC falar das mesmas
coisas. É simplesmente uma questão de peso e os Portugueses intuem como ninguém
estas coisas, sobretudo num contexto como o do hoje em que reagimos
visceralmente mal contra o taticismo político. Quando nos enfernizam a vida,
quando nos liquidam a esperança na ascensão e mobilidade social, quando vemos
os filhos a ter de emigrar para encontrar a estabilidade económica e poder
assumir uma família, quando a nossa confiança na palavra do Estado se
desvanece, alguém que nos vem falar de taticismo político tem de ser corrido à
vassourada.
Creio que António Costa percebeu isto. Creio que
percebeu o significado da fragmentação à esquerda e a trajetória para o
suicídio de alguns partidos socialistas europeus, não necessitando de ser do
tipo da queda estrutural do PASOK na Grécia. Creio que intuiu que a construção
de uma alternativa não é apenas partidária, é muito mais do que isso, envolve a
congregação de sensibilidades que vão para além das lideranças partidárias e
que podem obrigar estas à mudança. Augusto Santos Silva percebeu muito bem esta
dimensão.
A questão a dirimir no âmbito do PS não é
paradoxalmente partidária. É uma questão nacional, pois está em causa a
viabilidade de uma alternativa não taticista.
Podem então questionar-me se estou otimista
quanto ao desfecho do arrumar de casa do PS. Não, não estou. No aparelho do PS
e na sua corte há gente de mais que salivou o fascínio do poder e preparou
expectativas de mudança de vida. A questão AJS versus AC a dirimir vem no pior
momento possível para esse caldo de expectativas. Não é uma questão de
espingardas a contar. É uma questão de expectativas em trajetória de formação.
O PS pode estar à beira do abismo da menorização futura.
P.S. Isto não significa que José Luís Carneiro,
líder da Federação do Porto, não tenha razão em exigir uma avaliação mais
rigorosa dos resultados regionais das europeias e sobretudo das diferenças em
relação à maioria coligada. É um facto. Mas não é isso que preocupa os
Portugueses atormentados com o presente e sobretudo esmigalhados pelas
projeções do futuro.
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