Já aqui referenciei algumas atribulações que o meu quotidiano sofreu durante a semana passada, as quais ajudarão a que se releve uma omissão de que me dei conta quando arrumava a papelada que ciclicamente acumulo. Refiro-me ao Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018 que o Governo tão alegremente divulgou há poucas semanas e que tão bem ilustra o seu ilusionismo eleitoralista (devidamente tolerado, e até estimulado, pela Troika).
Está tudo nos dois quadros essenciais, que reproduzo. O primeiro (acima) mostra o idílico 2015 que conseguiram construir, com um regresso aos bolsos dos pensionistas portugueses dos montantes cortados pela CES (embora não sem institucionalizarem em definitivo o corte nas pensões sociais, através de uma nova contribuição de sustentabilidade) e uma devolução de 20% dos salários cortados aos funcionários públicos (embora não sem cumprirem a promessa de não aumentarem mais a carga fiscal, subindo apenas uns pozinhos no IVA e na TSU dos trabalhadores).
O segundo (abaixo) permitirá uma melhor compreensão da enganosa questão da devolução salarial na função pública. Porque, repare-se: em 2009, os salários da função pública correspondiam a 12,7% do PIB, tendo depois ocorrido as famigeradas tesouradas que levaram esta percentagem para um valor inferior à média europeia e as decisões do Tribunal Constitucional que a vieram colocar grosso modo na média europeia (10,7%) em 2013; ora, o Governo vem agora dizer-nos que esta percentagem de despesa com funcionários públicos recuará até 8,2% em 2018, num autêntico passe de mágica que é sobretudo mais uma daquelas suas quadraturas do círculo para não levar a sério – então, e ao mesmo tempo que se dá a entender, sem o dizer explicitamente, que a reposição dos salários será feita integralmente e a 20% ao ano (“haverá uma reposição gradual dos cortes salariais a partir de 2015, devendo esta reposição representar 20% do que foi reduzido”), i.e., que acontecerá até 2019, vem-se adiantar uma redução impossível daquele peso salarial para 8,2% do PIB em 2018? Bom, e em abono da verdade, impossível em determinadas condições que se deixam implícitas mas talvez possível mediante outras condições que também ficam implícitas e que necessariamente terão de passar por novos despedimentos na função pública. Eis a Reforma do Estado, meus amigos...
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