Este blogue tem assumido como um dos focos da sua
atenção a tarefa ciclópica que Mario Draghi tem pela frente conduzindo os
destinos do BCE. O tema interessa-nos pois, como temos vindo a assinalar, a
vida difícil de Draghi é o resultado de um mandato estatutário e constitutivo,
inspirado pela ortodoxia monetária da época, mas claramente desajustada face ao
tipo de problemas que tem de enfrentar, designadamente as ameaças de deflação e
o contexto de “zero lower bound” em
que a generalidade das economias ocidentais está mergulhada.
Ora, na imprensa especializada e entre os especialistas
da economia monetária volta a falar-se da utilização da grande bazuca (empréstimos
de grande envergadura à banca assumindo como colaterais de tais empréstimos modalidades
pouco convencionais de ativos), tentando desesperadamente que a operação chegue
por fim sob a forma de crédito às PME. Mas há cada vez observadores a falar de
uma bazuca de pólvora seca, tendo em conta as enormes limitações que se colocam
à génese da decisão por parte do BCE.
Mas se a vida de Draghi já não estava fácil, nas últimas
semanas ela complicou-se, simplesmente porque o universo de atuação do BCE não
está imune ao que se vai passando nos Estados Unidos. Como sabemos, e a isso
temos dedicado uma atenção extrema (pouco comum na blogosfera nacional e na
imprensa especializada), a recuperação americana está longe de aproveitar a
capacidade disponível da economia americana, particularmente em matéria de
recursos humanos. Com base nesse diagnóstico, maioritariamente considerado como
sensato, a presidente do FED Janet Yellen conseguiu fazer passar para o mercado
a ideia de que as taxas permanecerão baixas ainda durante muito tempo. Ora, na última
semana, os yields da dívida pública
americana a 10 anos surpreenderam toda a gente com uma descida para valores de
há 10 meses, o que fez de per si descer a cotação do dólar (descendo a procura
de dólares), apreciando consequentemente o euro e acentuando por essa via as pressões
deflacionárias da economia europeia.
Como já temos assinalado, a economia europeia
precisa de tudo menos de um euro forte, não só porque as condições de robustez da
economia europeia não o permitem (agravando as já difíceis condições do sul
periférico), como reforça a tendência deflacionária.
Temos aqui um exemplo vivo de quanto custa à
Europa neste momento a ortodoxia monetária que capturou o projeto do BCE. Temos
assim uma espécie de guerra dos mundos, o do FED e do BCE, mas em que as duas
instituições se guiam por referenciais diferentes, o FED com inflação e
desemprego como objetivos a gerir e o BCE apenas a estabilidade de preços,
atribuindo a responsabilidade da política fiscal e do combate ao desemprego aos
governos.
Não assistiremos, por certo, a uma guerra de
mega-bancos centrais.
Ralph Atkins, jornalista do Financial Times, dedica ao tema uma excelente peça, deixando ficar no ar uma ponta de veneno,
quando refere que Janet Yellen cancelou a sua presença no controverso encontro
académico do BCE em Sintra depois das urnas fecharem no dia 25.
Não vale a pena dourar a pílula e passar por cima
do essencial. O BCE e a Europa pagam o preço de se terem dobrado e deixado
capturar pela ortodoxia monetária. Esse preço será tanto mais elevado quanto
mais a Alemanha continuar a pressionar para que o BCE não use todas as armas
possíveis.
E o que é simultaneamente espantoso e frustrante é
a incapacidade de fazer passar para o cidadão comum o embuste.
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