quarta-feira, 14 de maio de 2014

O QUE IRÁ O BCE FAZER?

(A folga do mercado de trabalho no Reino Unido)


Regresso ao tema do último post, centrado nos desafios que se colocam ao BCE, e aqui o que é relevante assinalar é que as pressões que se fazem sentir para Dragahi se chegar à frente das frações mais à esquerda de comentadores, analistas ou forças políticas. O nessa perspetiva insuspeito Financial Times on line dedicava-lhe com data de 9 de maio um editorial (não é coisa pouca) sobre a necessidade do BCE combater a ameaça deflacionária.
Se o referido editorial apontava para a necessidade da já aqui comentada descida de taxas de referência, via que começa a esgotar a sua margem de manobra no claríssimo e não transitório ambiente de “zero lower bound”, a jornalista Claire Jones, instalada em Frankfurt, refere hoje ter recolhido evidências de que a instituição estará a trabalhar em medidas focadas no reforço do crédito às PME. Com as limitações do seu mandato estatutário e com o Bundesbank sempre à perna, subavaliando permanentemente a ameaça deflacionária e sempre crítico da monetarização da dívida dos periféricos, a margem de manobra do BCE não andará muito longe do que já conhecido no passado: leilão de crédito barato aos bancos estimulando-os a abrir contas de depósito como PME como beneficiárias ou então aceitação como reservas colaterais de empréstimos a PME como securities reconhecidas pela instituição.
Mas os mecanismos de transmissão destas operações em crédito efetivo às PME não são automáticos. Por um lado, dependerá da estratégica dos bancos que se candidatem a tais fundos e, por outro, é necessário que as condições globais de recuperação de mercados possam traduzir-se em procura de crédito por parte das mesmas PME. Os bancos caseiros têm insistido na tecla da reduzida procura de crédito por parte dessas empresas, não sendo porém muito explícitos se estão a referir-se a PME exportadoras operando em mercados externos ou se, pelo contrário, estão a referir-se a PME essencialmente focadas no mercado interno. Se for este último caso não é necessário ser especialista para compreender que esse tecido de PME está parcialmente destruído e por isso a procura de crédito ter-se-á afundado. Se se tratar de exportadoras já é difícil de engolir o argumento da banca nacional.
Tudo isto mostra a fragilidade da política monetária europeia como instrumento de reforço da frágil recuperação económica em curso. E a programação 2014-2020 não é também um instrumento de política muito ágil nessa perspetiva.
Hoje, foi também dia de apresentação do relatório trimestral de inflação pelo Banco Central de Inglaterra, agora sob a direção do canadiano Mark Carney. Duas ideias merecem destaque. A primeira é a perspetiva do Banco segundo a qual o mercado de trabalho no Reino Unido apresenta ainda uma folga não inflacionária estimada em pelo menos um ponto percentual do PIB (ver gráfico acima). A segunda é que apesar da fragilidade da recuperação, o mercado de habitação na Albion apresenta uma preocupante tendência altista de preços que, na minha perspetiva, não é propriamente um indicador macroeconómico, mas antes o resultado de uma política habitacional pública do governo Cameron-Osborne que é uma tragédia. A saída do Estado da promoção habitacional não foi secundada pela oferta privada. Poderá também resultar de alguma pressão especulativa induzida pela concentração do rendimento alimentada pela desigualdade britânica crescente, que se vira para o imobiliário como reserva de valor. Onde é que eu já vi isto?

Sem comentários:

Enviar um comentário