domingo, 5 de julho de 2015

O QUE FAZER COM ESTE PAÍS


Sala do espaço cultural do sétimo andar do “El Corte Inglès” a transbordar de gente de variadas idades e geometrias – incluindo figuras públicas como Eduardo Ferro Rodrigues e João Cravinho, Pedro Nuno Santos e Rui Gonçalves, António Bagão Félix e Francisco Louçã, Mariana Mortágua e Ana Drago, José Castro Caldas e Manuel Carvalho da Silva, Manuel Brandão Alves e Vítor Corado Simões –, todos mostrando assim muita vontade de assistir ao debate em torno do livro de Ricardo Paes Mamede a que já aqui vagamente me referi em post do passado dia 30. Afinal, e apesar de todas as misérias, ainda vão havendo momentos de manifestação de interesse pela política.

Ana Sá Lopes (ASL) abriu as hostilidades, afirmando logo à cabeça que vivemos num regime de partido único, qualquer coisa como o PPE/PSE ou o SPD do PPE. E “passou a bola” aos comentadores de serviço, começando por Pedro Adão e Silva (PAS). Este usou o subtítulo do livro – “do pessimismo da razão ao optimismo da vontade” – para uma joke entre pergunta leninista e resposta gramsciana. Depois, entre diversos e merecidos elogios, distanciou-se-lhe quanto à sua ausência fundamental de uma resposta à questão subjacente ao respetivo título (“O que fazer com este país”) – não haverá mesmo nada a fazer? Prosseguiu sublinhando que, a seu ver, mais do que “o que fazer” importará o “como fazer”. Referiu-se, de seguida, ao dilemático “triângulo de impossibilidades” com que estamos confrontados, ao enorme peso das disfuncionalidades da Zona Euro e ao desaparecido trade-off entre perdas de soberania e contrapartidas de solidariedade. Já na parte final da sua intervenção, PAS explicou que a situação que atualmente se vive na Europa resulta de uma “combinação explosiva de incompetência e irresponsabilidade” e insistiu em atribuir tais qualificativos aos dois lados da barricada. Defendeu que, por vezes e em certos momentos, o “lume brando [o que quer que isso seja!] também tem algum potencial político”, voltou a criticar aquilo que designou por “abandonai toda a esperança” e, perante o desafio de ASL quanto ao que faria se votasse no referendo grego, fugiu à questão dizendo que a pergunta já não faz sentido e que equivale hoje a um sim ou não ao governo, acabando assim por não se posicionar – como “bom social-democrata”, ironizou.

ASL deu então a palavra a um José Pacheco Pereira (JPP) que logo se atirou “às canelas” do assunto – “votava Não”. Irrompe uma entusiástica salva de palmas. E explica: “porque sou patriota e o que estão a fazer aos gregos podem-nos fazer a nós”. Mais palmas. E acrescenta que, independentemente de tudo o mais, o objetivo de toda esta encenação foi sempre o da substituição do governo Syriza. Nova profusão de palmas. E termina este introito sustentando que vivemos uma época em que “é necessária mais intransigência” (a não confundir, todavia, com radicalismo ou incivilidade, quis clarificar).



Quanto à obra em apresentação, JPP foi muito positivo na apreciação geral (“fornece um argumentário mais consistente a posições tidas por de resistência” e “ajuda a identificar e a colocar problemas”, aqui por contraponto a tantos jornalistas que andam para aí a explicar como salvariam o país, parolice, ignorância e ilegalidades à parte) mas crítico quanto à sua insuficiência fundamental quanto ao “que fazer”. Porque, concretizou, o principal problema não é económico mas político e, como aliás faz o governo no seu “marxismo pobre”, “a política deve vir antes” – pelo que, além de o “que fazer” ter por pré-condição uma imprescindível mudança de governo, “o livro é, em certo sentido social-democrata”.

JPP estava em dia sim e falador. Referiu que o Syriza pode falhar, e provavelmente falhará, mas que “já não se volta ao mesmo sítio”. Referiu que “as esperanças do PS são ainda mais abstratas do que o discurso único [mas consistente] do PPE”. Referiu que os programas reformistas, hoje, são revolucionários. E referiu Shakespeare e os tantos strange bed fellows que via espalhados pela sala.

Depois foi à Europa. Salientou que “o problema grego é o da democracia na Europa” e que é “gravíssimo”, que “o nosso voto encolheu”, que protestamos pouco contra a retirada das nossas liberdades políticas e democráticas e que tudo resulta do “falhanço histórico da democracia-cristã e da social-democracia” em benefício de uma direita que tão univocamente exerce o poder.


E, para terminar, voltou ao “que fazer”. Elogiando a enorme utilidade do livro pela “importância que dá à racionalidade” no combate fundamental às desigualdades. Só o raciocínio convencerá e “precisamos de convencer”, de “não aceitar a generalização da ignorância”. E usou uma imagem forte: que o senhor que tem duas cadeiras em casa não se volte contra o vizinho por ter três na sua, passando assim ao lado de quem distribui as cadeiras.

A tarde já ia longa, mas ainda faltava ouvir o autor. Que respondeu a quem o acusou de não ter convidado “nenhum dos nossos” (“dos nossos estou lá eu”), parodiou com a sua possível vertente social-democrata (ao que parece, em casa também há quem o ligue a uma “esquerdinha adocicada”) e ligou uma sugestão de JPP ao lançamento do blogue “Ladrões de Bicicletas” em que colabora há dez anos.

Sobre a substância do assunto em equação, lá foi dizendo que PAS não terá lido o escrito até ao fim já que desenvolveu nas suas conclusões três aspetos sobre o tal “que fazer”. São eles: (i) “disputar o campo das ideias” através de um esforço no sentido de alargar exponencialmente a consciência das pessoas sobre a situação real do País, “disparando a matar contra a fantasia”, pugnando pela “clareza e honestidade no debate político”, combatendo ideias falsas como as de vivermos acima das possibilidades, evitando seguir o PS na sua desistência quanto a um debate ideológico que não rende votos; (ii) fazer tudo o que estiver ao nosso alcance e o melhor possível com os instrumentos e as regras disponíveis, o que confessou corresponder à sua “veia social-democrata e reformista” e a uma visão assente no Estado como um ator fundamental de que a esquerda não pode desistir (“lutar por um Estado melhor”); (iii) utilizar os espaços de democracia existentes na Europa, que são essencialmente nacionais, para dizer não às regras europeias que ponham em causa valores fundamentais e que inevitavelmente conduzirão a uma degradação definitiva do projeto europeu, o que equivale a dizer que é improcedente e enganoso o europeísmo cego e acrítico em nome de um projeto que já pouco mais é, aliás, do que um resquício, “uma mostra pró-liberal e antidemocrática”. E com um apelo à reflexão e à consciência crítica – ainda não às armas, ironizou – encerrou uma sessão muito rica em food for thought...

(Dimitris Georgopalis, http://www.cartoonists.gr)

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