(Eduardo Estrada para o El País)
(A propósito de um artigo de José Ignacio
Torreblanca no El País)
O professor de Ciência Política na UNED e diretor da delegação em Madrid do
European Council of Foreign Relations, José Ignacio Torreblanca, assina hoje no El País um artigo sobre o fracasso político e negocial de Tsipras, procurando
as raízes da trajetória de confronto que haveria de conduzir o
primeiro-ministro grego a transformar-se em cordeiro a sacrificar pelo topete
que teve de afrontar o pensamento único europeu.
O artigo vale a pena ser lido, embora me pareça que na argumentação de
Torreblanca está uma representação das instituições europeias que hoje já não
cola com as evidências. Mas vejamos o sentido da argumentação do politólogo.
A argumentação de Torreblanca vai direitinha à decisão, então incompreensível
para muitos, onde me incluo, de ter constituído coligação com a direita
nacionalista e eurocética da ANEL, à qual concedeu inclusivamente o ministério
da Defesa. Incompreensível sobretudo porque equivaleu na prática a rejeitar uma
aliança possível com os europeístas dos socialistas do PASOK e reformistas do
To Potami e, segundo Torreblanca, a defraudar os ventos de feição que se
formavam então na Europa com a nova liderança de Juncker e com as pretensões de
Hollande e Renzi de furarem a intransigência alemã.
A argumentação aduzida por Torreblanca vai no sentido de considerar que a
opção de Tsipras foi soberanista e não europeísta e que o conduziu a um
afrontamento óbvio e inevitável da Alemanha. Podemos interrogar-nos sobre as
razões do equívoco de Tsipras, sobretudo quando ele acontece num contexto de
elevada autoridade moral transportada pelo SYRIZA, já que não tinha nada que
ver com o que à esquerda (PASOK?) e à direita (Nova Democracia) se tinha
passado no país.
É uma boa questão que merece ser discutida, sobretudo se isso não
contribuir para branquear a mais despudorada ingerência política que o “ultimatum” da madrugada da passada
segunda-feira representou. Mas pode ser discutível falar de equívoco.
Interrogo-me se Torreblanca e todos nós temos o conhecimento pertinente da
relação de forças em que Tsipras se movimentou. Em primeiro lugar, o PASOK era
então uma força coligável e mobilizável para essa onda europeísta? Tenho as
mais sérias dúvidas se à altura estavam criados laços de comunicação política
fluida entre o SYRIZA e o PASOK que possibilitassem a alternativa ao
pronunciamento soberanista. O que não significa que em meu entender seja estruturalmente
estranho a aliança com os nacionalistas e eurocéticos. Tudo indica que o SYRIZA
terá usado essa aliança como um instrumento de pressão sobre Bruxelas e aí sim
parece uma trajetória equivocada. Depois, há escassa evidência de que essa
eventual trajetória europeísta encontrasse em Bruxelas condições de apoio e
desenvolvimento.
O que parece hoje evidente é que as margens de transformação no seio do
Eurogrupo (curiosamente esta semana a União Europeia esteve morta, como que
antecipando o Brexit do Reino Unido) são escassas senão puramente inexistentes.
Poder-se-á sempre dizer que uma trajetória diferente de Tsipras teria reforçado
a ténue oposição ao dictat alemão.
E o que parece emergir de tudo isto é que mais do que um político seguidor
de caminhos equivocados, Tsipras emergiu no contexto errado à hora errada e nos
próximos tempos teremos de pensar no efeito de alavanca que o sacrifício do
SYRIZA irá representar para as afirmações nacionalistas de Marine Le Pen
(França), Farage (Reino Unido) e Orban (Hungria). Mas se pensarmos bem os
fantasmas da não democracia já estão presentes nas próprias instituições
europeias. Face à falta de escrúpulos democráticos que emergiu no Eurogrupo,
parece-me que aquelas personagens são meninos de coro e esse sim é o verdadeiro
problema para lá de todas as interpretações do sacrifício de Tsipras.
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