(Louvor a uma maneira nobre de estar na política…)
Uma curta intervenção cirúrgica, daquelas que se fazem para controlar possíveis
danos futuros, impediu-me de voluntariamente e com enorme prazer de estar ontem
em Lisboa para assistir à cerimónia de homenagem que a Fundação Calouste Gulbenkian
realizou ontem para assinalar o prestígio internacional da atribuição do prémio
Fundação Mandela a Jorge Sampaio em companhia da oftalmologista namibiana
Helena Ndume.
Face à irrepreensível modéstia de Jorge Sampaio, se não fora a decisão de
Artur Santos Silva de promover a referida cerimónia, o significado do prémio que
lhe foi atribuído teria passado praticamente despercebido na torrente de
imbecilidades e minudências que nos atormentam a atenção nos tempos que correm.
Até o Professor Marcelo se limitou a uma daquelas curtas referências que se
sente obrigado a realizar ao mesmo tempo de referências bem menos pesadas de
sentido.
A geração de Jorge Sampaio e sobretudo a sua experiência pessoal é para a
minha desencontrada geração uma espécie de farol no tempo, mostrando-nos no
passado e no presente que é possível fazer política de maneira diferente da que
faz a voragem dos tempos de antena e da que se inspira do mais serôdio
exibicionismo. Nesta já minha longa vida de contacto com personalidades do
mundo da política por via da reflexão e do conhecimento, apercebi-me que há
pelo menos três modelos de estar na vida política, deixando de fora os que nela
estão por puro cálculo económico: os que praticam o exibicionismo mais
despudorado que encontram na política o único espaço de evidência e de presença
pública e que o presente nos traz em catadupas crescentes de mobilidade
ascendente; os que estão na política pelo puro gozo da adrenalina da luta política,
do jogo de cintura, do contacto com as populações, do ritual coletivo dos comícios
e do controlo das massas; e os que nela estão pela reflexão, pela transmissão do
conhecimento, pelas grandes causas, pela defesa dos valores em que se acredita,
pela dignificação da intervenção pública e cívica. Como bem se percebe, ao
longo desta escala a qualidade do pensamento vai aumentando do primeiro tipo
para o terceiro e é na comparação das competências entre o segundo e o terceiro
tipos que se encontra o confronto mais sugestivo. O segundo e o terceiro tipos
são ambos necessários na política corrente e não temos todos de ter as mesmas
características.
Jorge Sampaio é um dos melhores exemplos do terceiro modelo, mostrando que é
possível, ao mesmo tempo e sem contradição, gostar da cultura e de todas as
suas manifestações (como eu o via prazenteiro nas primeiras edições, as
originais, da Festa da Música no CCB) e intervir ao mais alto nível na política
corrente e internacional. Daí ele ser um farol para a minha eterna inadaptação
aos meandros da política, como tive algumas raras oportunidades de com ele
conviver em ambiente informal e longe do olhar público, como foi ainda há pouco
tempo no almoço informal no restaurante do Palácio de Cristal no rescaldo de
uma sessão das Comemorações do Centenário da República, com o José Madureira Pinto
como interlocutor e referência comum.
O reconhecimento que a Fundação Mandela consagrou à obra diplomática de Jorge Sampaio
deveria orgulhar-nos como povo. Pelo menos da minha parte e creio que uma
grande parte da minha geração há esse orgulho e reconhecimento de como a reflexão
e o conhecimento são essenciais à generosidade política e a uma forma espantosa
de envelhecer sem perder a contenção e a firmeza das convicções.
Meu caro Presidente (intemporal), Bem-haja pela demonstração dessa maneira
de estar na política, que tanto nos retribui e que nos faz sentir como gente
normal e não como minorias em desaparecimento.
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