quarta-feira, 22 de julho de 2015

COMPARANDO A GRÉCIA COM …





(Há gráficos e gráficos …)

Nos últimos tempos, a blogosfera económica tem sido rica em gráficos comparativos da situação da Grécia com outros países e já disso dei conta em posts anteriores, designadamente quando a oposição entre a Grécia (pertencente ao euro) com a Islândia (fora do mesmo) foi aqui comparada.

A utilização de gráficos em economia tem de ser cautelosa. Eles não substituem uma explicação rigorosa dos factos por eles descritos. Muitas vezes sugerem explicações, centrando a evidência sobre a qual devem ser construídas explicações consistentes. Mas é inequívoco que são apelativos para despertar a atenção do leitor. E se forem bem construídos não são menos rigorosos do que outros artefactos. Afinal por detrás de um gráfico existe sempre um suporte matemático.

Vem isto a propósito de quatro gráficos que Simon Wren-Lewis publicou recentemente no Mainly Macro, o bom exemplo do que um macroeconomista pode fazer no sentido do esclarecimento público empenhado. A curiosidade advém do confronto a que a economia grega é sujeita na reflexão de Wren-Lewis ser realizado com uma economia da zona euro, mais propriamente a Irlanda.

O confronto começa com a comparação da performance de crescimento económico das duas economias (ver gráfico que abre este post), na qual Lewis fala de tragédia para a Irlanda e de desastre para a Grécia. Os defensores da visão redentora da austeridade dirão que isso sucede com algumas terapias que produzem efeitos diversos em pacientes. Mas o segundo gráfico ajuda a pôr em sentido essa interpretação porque nos mostra através de um conceito já aqui repetidas vezes utilizado, o de underlying primary balance que no fundo é uma medida do esforço fiscal a que as economias são submetidas em relação ao seu produto potencial. Ora este segundo gráfico já nos orienta na discussão pois diz-nos, sem apelo nem agravo, que a dose não foi a mesma. A Grécia foi submetida a uma dose de austeridade sem confronto possível com o da Irlanda (Portugal e Espanha incluído). Só isto ajudaria a perceber quão hipócrita foi a posição das restantes economias resgatadas face à Grécia, colocando os pontos nos iii e clamando que também elas foram sujeitas a penosidades. Sim, foram. Mas sem comparação na dose para que se saiba.


Resistirão os patronos da austeridade, dizendo que sim aceitam que a penosidade foi maior, mas que a Grécia não terá orientado essa austeridade para os custos de trabalho, ignorando essa frente da competitividade. O terceiro gráfico desarma essa posição mostrando que a descida de salários, impulsionada pelo desemprego massivo, foi bem mais intensa do que a observada na Irlanda. A Grécia não escapou assim à tão desejada pelos defensores da austeridade desvalorização interna que seria o substituto mais próximo da desvalorização cambial que o euro não permite para a Grécia isoladamente.


E chegamos ao quarto gráfico aquele que tem explicação mais complexa e que mostra que a análise gráfica muitas vezes sugere a necessidade de uma explicação mais do que a fornecer. Se a Grécia experimentou uma dose mais intensa de desvalorização interna então seria de esperar que a sua repercussão nas suas exportações fosse mais intensa do que a observada na Irlanda. Aparentemente, a performance exportadora grega ficou aquém do que a cantilena da desvalorização interna esperaria. 


Ora aqui está uma matéria em que a mesma terapia de desvalorização interna forçada não provoca necessariamente a recuperação do surto exportador que os magnos da austeridade esperam acontecer para compensar o efeito recessivo da me sma. Claro está que comparar o potencial exportador mobilizável por uma terapia de desvalorização interna na Irlanda e na Grécia é puro exercício académico. A forte presença de Investimento Direto Estrangeiro na Irlanda com uma orientação marcada de exportação proporciona à Irlanda uma bateria de recuperação mobilizável a todo o momento e sem lags apreciáveis. Ele existe para aproveitar essas oportunidades. Pelo contrário, todos os estudos disponíveis mostram que, apesar da sua localização geoestratégica potenciadora de exportações, designadamente a sua localização em função das grandes correntes de transporte marítimo, a Grécia enfrenta condições institucionais internas fortemente penalizadoras como, por exemplo, os custos de energia. E como a Troika “sabe destas coisas”, o ajustamento lá contemplou a subida do IVA turístico perturbando o efeito positivo da descida de salários na competitividade turística.

Tudo isto por detrás de quatro gráficos. É obra, não?

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