(Há gráficos e gráficos …)
Nos últimos tempos, a blogosfera económica tem sido rica em gráficos
comparativos da situação da Grécia com outros países e já disso dei conta em
posts anteriores, designadamente quando a oposição entre a Grécia (pertencente
ao euro) com a Islândia (fora do mesmo) foi aqui comparada.
A utilização de gráficos em economia tem de ser cautelosa. Eles não
substituem uma explicação rigorosa dos factos por eles descritos. Muitas vezes
sugerem explicações, centrando a evidência sobre a qual devem ser construídas
explicações consistentes. Mas é inequívoco que são apelativos para despertar a
atenção do leitor. E se forem bem construídos não são menos rigorosos do que
outros artefactos. Afinal por detrás de um gráfico existe sempre um suporte
matemático.
Vem isto a propósito de quatro gráficos que Simon Wren-Lewis publicou
recentemente no Mainly Macro, o bom exemplo do que um macroeconomista pode
fazer no sentido do esclarecimento público empenhado. A curiosidade advém do
confronto a que a economia grega é sujeita na reflexão de Wren-Lewis ser realizado
com uma economia da zona euro, mais propriamente a Irlanda.
O confronto começa com a comparação da performance de crescimento económico
das duas economias (ver gráfico que abre este post), na qual Lewis fala de tragédia
para a Irlanda e de desastre para a Grécia. Os defensores da visão redentora da
austeridade dirão que isso sucede com algumas terapias que produzem efeitos
diversos em pacientes. Mas o segundo gráfico ajuda a pôr em sentido essa
interpretação porque nos mostra através de um conceito já aqui repetidas vezes
utilizado, o de underlying primary balance
que no fundo é uma medida do esforço fiscal a que as economias são submetidas
em relação ao seu produto potencial. Ora este segundo gráfico já nos orienta na
discussão pois diz-nos, sem apelo nem agravo, que a dose não foi a mesma. A Grécia
foi submetida a uma dose de austeridade sem confronto possível com o da Irlanda
(Portugal e Espanha incluído). Só isto ajudaria a perceber quão hipócrita foi a
posição das restantes economias resgatadas face à Grécia, colocando os pontos
nos iii e clamando que também elas foram sujeitas a penosidades. Sim, foram.
Mas sem comparação na dose para que se saiba.
Resistirão os patronos da austeridade, dizendo que sim aceitam que a
penosidade foi maior, mas que a Grécia não terá orientado essa austeridade para
os custos de trabalho, ignorando essa frente da competitividade. O terceiro gráfico
desarma essa posição mostrando que a descida de salários, impulsionada pelo
desemprego massivo, foi bem mais intensa do que a observada na Irlanda. A Grécia
não escapou assim à tão desejada pelos defensores da austeridade desvalorização
interna que seria o substituto mais próximo da desvalorização cambial que o
euro não permite para a Grécia isoladamente.
E chegamos ao quarto gráfico aquele que tem explicação mais complexa e que
mostra que a análise gráfica muitas vezes sugere a necessidade de uma explicação
mais do que a fornecer. Se a Grécia experimentou uma dose mais intensa de
desvalorização interna então seria de esperar que a sua repercussão nas suas exportações
fosse mais intensa do que a observada na Irlanda. Aparentemente, a performance
exportadora grega ficou aquém do que a cantilena da desvalorização interna esperaria.
Ora aqui está uma matéria em que a mesma terapia de desvalorização interna
forçada não provoca necessariamente a recuperação do surto exportador que os
magnos da austeridade esperam acontecer para compensar o efeito recessivo da me
sma. Claro está que comparar o potencial exportador mobilizável por uma terapia
de desvalorização interna na Irlanda e na Grécia é puro exercício académico. A
forte presença de Investimento Direto Estrangeiro na Irlanda com uma orientação
marcada de exportação proporciona à Irlanda uma bateria de recuperação mobilizável
a todo o momento e sem lags apreciáveis. Ele existe para aproveitar essas
oportunidades. Pelo contrário, todos os estudos disponíveis mostram que, apesar
da sua localização geoestratégica potenciadora de exportações, designadamente a
sua localização em função das grandes correntes de transporte marítimo, a Grécia
enfrenta condições institucionais internas fortemente penalizadoras como, por
exemplo, os custos de energia. E como a Troika “sabe destas coisas”, o ajustamento
lá contemplou a subida do IVA turístico perturbando o efeito positivo da
descida de salários na competitividade turística.
Tudo isto por detrás de quatro gráficos. É obra, não?
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