(Sobre as virtudes do Não em quem preza a
democracia)
Os Gregos continuam a dar-nos lições de democracia nas condições de
condicionamento externo menos imagináveis. Quem esperava que o SYRIZA se
afundasse na sua trajetória errática está hoje certamente perturbado, pois mais
do que nunca percebemos que os Gregos votam em função do contexto concreto de
ausência de saídas a que foram forçados. E mais uma vez votaram racionalmente
em função do conjunto de alternativas que lhes foram colocadas, assumindo-se
como povo soberano.
E estou firmemente convencido que não se trata de retórica barata da
liderança do SYRIZA. Estou de facto convencido que uma grande percentagem da
relevante massa de pessoas que votou Não fê-lo não querendo abandonar o Euro e
a União Europeia. E estou esperançado que o consigam, forçando a mudança de
alguns termos da negociação, transmitindo para Bruxelas e para as restantes
capitais europeias o significado de uma votação com esta expressão.
Ainda hoje no próprio dia da votação, o presidente do Parlamento Europeu
Martin Schultz assumia formalmente o estatuto do ingerente desbocado associando
o Não a uma vontade expressa de abandono do Euro. Mais uma triste imagem do socialismo
europeu. Estou convencido que os Gregos responderam-lhe rotundamente que não e
que expressaram a mensagem de que uma outra negociação é possível, não fazendo
tábua rasa dos erros do ajustamento e reconhecendo o que o último relatório do
FMI constata para todos termos em conta – a insustentabilidade da dívida atual.
Mas haverá lucidez e capacidade política de negociação para não precipitar
o caos de uma saída desordenada, certamente ainda mais penosa do que esta
semana? Estou em crer que os Gregos votaram a pensar que elas existem. Estou
também esperançado que sim e se isso acontecer mais uma vez se demonstra que em
democracia há sempre alternativas porque a própria decisão democrática
clarifica e altera os contextos de referência. E o resultado do referendo o que
mostra também é que neste momento não há alternativa política ao SYRIZA por
mais dúvidas e interrogações que a sua maioria suscite. Ao contrário de
leituras que se precipitaram na voragem das notícias e contra-notícias não
parece nada líquido que o SYRIZA tenha hipotecado e destruído o seu capital político.
É que o contexto real que precipitou a sua ascensão ao poder em nada se
alterou, antes pelo contrário.
Amanhã ouviremos de novo falar na força das opiniões públicas nacionais dos
países do Norte que não querem pagar a fatura para invocar do lado contrário a
democracia. Mas conviria perceber quem é que efetivamente deseja a estabilização
do euro como passo crucial para a sua continuidade. Seria irónico que fossem os
gregos a fazer passar essa mensagem.
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