(Uma primeira leitura de férias)
Por alguns dias com o Monte de Santa Tecla no meu horizonte visual de
tempos livres para recarregar baterias, trato de resolver algumas leituras acidentais
que se quedaram expectantes, aguardando um impulso de momento de quem lê
anarquicamente, sem um rumo preconcebido.
“Portugal – um país parado no meio do caminho 2000-2015” de Miguel Real é
uma leitura insubstituível para tentar compreender o modo como temos resistido
a toda esta trampa de ajustamentos.
Já aqui repetidas vezes sublinhei que gosto de mergulhar nas leituras
psicanalíticas do nosso comportamento que Unamuno classificava como algo de próximo
dos invertebrados, piscando o olho à psicologia social que tanto amofina os
meus colegas sociólogos, desejosos de categorias sociológicas menos propensas
ao devaneio e à generalização supra-grupos sociais. Miguel Real, na sequência
do Labirinto da Saudade de Eduardo Lourenço, é provavelmente o historiador-filósofo
mais consistente nesses devaneios e esta obra aplica esse olhar sobre a
sociedade portuguesa aos tempos difíceis do pós 2000, com foco especial no pós
resgate financeiro.
Gosto do modo como Miguel Real parte de uma notícia do Diário de Notícias
de agosto de 2014, na qual se afirmava que 759 pensões de reforma eram penhoras
por dia e que desde a assinatura do memorando com a Troika teriam sido penhoradas
509.000 pensões num montante total de 128 milhões de euros, processo em larga medida
induzido por cobertura de dívidas de filhos.
Partindo desta evidência a que muitos têm dedicado a atenção que ela
merece, Miguel Real constrói a tese do Portugal sonâmbulo, passivo, resignado,
como o efeito de dois choques que se sucederam praticamente em menos de 40
menos, sem tempo para grandes respirações. Primeiro, o choque da modernização e
ilusão europeia, com melhoria generalizada dos resultados sociais e das aspirações
de uma classe média em alargamento a que se opôs brutalmente o recuo das funções
sociais em pleno período austeritário. Segundo, a destruição da visão comum da
Europa, entendida como espaço comum continental de retaguarda financeira para
toda essas expectativas de progressão social, com uma perda radical nos
destinos da Europa a que a crise grega dos dias de hoje vem dar a estocada
final.
Vale a pena citar:
“Para
Maquiavel, a garantia mais segura da manutenção do Poder reside nos escombros,
na desagregação do tecido comunitário, estado social propício à emergência da
autoridade d’ O Príncipe. Neste século, temos vindo a assistir à plicação deste
procedimento político, destruindo-se as conquistas atingidas pela modernização
europeia de Portugal, criando na sociedade um espírito de arruinamento e
devastação do trabalho e das poupanças do cidadão e das empresas para que o Príncipe
(um homem, um partido salvador, um grupo social) sustentado no medo popular (o
sonambulismo), governe cegamente sobre os fragmentos de uma sociedade
destroçada.” (p. 24)
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