sexta-feira, 3 de julho de 2015

O PORTUGAL SONÂNBULO DE MIGUEL REAL




(Uma primeira leitura de férias)

Por alguns dias com o Monte de Santa Tecla no meu horizonte visual de tempos livres para recarregar baterias, trato de resolver algumas leituras acidentais que se quedaram expectantes, aguardando um impulso de momento de quem lê anarquicamente, sem um rumo preconcebido.

“Portugal – um país parado no meio do caminho 2000-2015” de Miguel Real é uma leitura insubstituível para tentar compreender o modo como temos resistido a toda esta trampa de ajustamentos.

Já aqui repetidas vezes sublinhei que gosto de mergulhar nas leituras psicanalíticas do nosso comportamento que Unamuno classificava como algo de próximo dos invertebrados, piscando o olho à psicologia social que tanto amofina os meus colegas sociólogos, desejosos de categorias sociológicas menos propensas ao devaneio e à generalização supra-grupos sociais. Miguel Real, na sequência do Labirinto da Saudade de Eduardo Lourenço, é provavelmente o historiador-filósofo mais consistente nesses devaneios e esta obra aplica esse olhar sobre a sociedade portuguesa aos tempos difíceis do pós 2000, com foco especial no pós resgate financeiro.

Gosto do modo como Miguel Real parte de uma notícia do Diário de Notícias de agosto de 2014, na qual se afirmava que 759 pensões de reforma eram penhoras por dia e que desde a assinatura do memorando com a Troika teriam sido penhoradas 509.000 pensões num montante total de 128 milhões de euros, processo em larga medida induzido por cobertura de dívidas de filhos.

Partindo desta evidência a que muitos têm dedicado a atenção que ela merece, Miguel Real constrói a tese do Portugal sonâmbulo, passivo, resignado, como o efeito de dois choques que se sucederam praticamente em menos de 40 menos, sem tempo para grandes respirações. Primeiro, o choque da modernização e ilusão europeia, com melhoria generalizada dos resultados sociais e das aspirações de uma classe média em alargamento a que se opôs brutalmente o recuo das funções sociais em pleno período austeritário. Segundo, a destruição da visão comum da Europa, entendida como espaço comum continental de retaguarda financeira para toda essas expectativas de progressão social, com uma perda radical nos destinos da Europa a que a crise grega dos dias de hoje vem dar a estocada final.

Vale a pena citar:

Para Maquiavel, a garantia mais segura da manutenção do Poder reside nos escombros, na desagregação do tecido comunitário, estado social propício à emergência da autoridade d’ O Príncipe. Neste século, temos vindo a assistir à plicação deste procedimento político, destruindo-se as conquistas atingidas pela modernização europeia de Portugal, criando na sociedade um espírito de arruinamento e devastação do trabalho e das poupanças do cidadão e das empresas para que o Príncipe (um homem, um partido salvador, um grupo social) sustentado no medo popular (o sonambulismo), governe cegamente sobre os fragmentos de uma sociedade destroçada.” (p. 24)

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