(É espantosa a capacidade das lideranças
europeias iludirem as verdadeiras questões)
Tudo indica que a humilhação e prepotência com que o ziguezagueante Tsipras
foi brindado, e com ele todo o povo grego (o que pia mais fino conforme um cada
vez mais resoluto José Pacheco Pereira mostrou aos seus colegas de painel),
deixaram os seus autores não propriamente em maus lençóis, mas pelo menos com
uma opinião pública predominantemente adversa. Habermas expressava ontem a sua
incredulidade perante a pavorosa destruição numa única noite de um longo
caminho que a Alemanha tinha prosseguido para se fazer respeitar (vejam aqui a contundente entrevista de Habermas ao Guardian). Vários
jornais alemães de ascendência liberal expressaram o seu desencanto pela
canhestra maneira como Merkel geriu a influência dos seus falcões. E, de
repente, até Draghi junta a sua voz à de instituições como o FMI e a um rol
imenso de economistas ouvidos por todo o mundo de que a reestruturação e anulação
da dívida grega seguem dentro de momentos. O agora convencimento de que a Grécia
não pode abandonar o euro está cada vez mais sujeito a um confronto inevitável,
que é o da diferente sorte com que países dentro e fora da zona euro têm gerido
as turbulências a que vão sendo submetidos.
A comparação, por exemplo, Grécia versus Islândia, com confronto reportado
a 2010 e suas sequelas vai pairar na perceção dos cidadãos, mostrando como a
liberdade de margem de manobra, mesmo considerando que os Islandeses não são os
Gregos (ver gráfico que abre este post com autoria de Bradford DeLong).
Mas ainda que as instituições europeias corrijam pontos de mira e se
mostrem mais flexíveis e compreensíveis, as grandes questões macroeconómicas
permanecem praticamente intactas, mostrando que a recuperação global pós
2007-2008 está longe de estar confirmada. O crescimento anual da zona euro
reportado entre os últimos trimestres de cada ano foi em 2013 de 0,5% e em 2004
aponta para 0,4% e depois da taxa de inflação dezembro a dezembro ter sido em
2013 de 0,9% esse valor em 2014 aponta para 0%. O ambiente de “zero lower bound” persiste e nada e
ninguém nos garante que a eventual subida das taxas de juro nos EUA ainda em
2015 não venha a provocar uma nova retração da atividade económica americana,
tamanha é a fragilidade da recuperação. Quer isto significar que apesar dos
esforços de Draghi a gestão macroeconómica da zona euro e da economia-mundo
continua ao deus dará, apesar da exasperação com que do lado de lá do Atlântico
se começa a encarar a inépcia europeia. E na base de tudo isto persiste a
errada convicção de que, qualquer que seja o contexto macroeconómico global, a
política monetária (leia-se injeção monetária) pode sempre compensar a política
fiscal, tornando-a desnecessária. Simon Wren-Lewis continua militante e
consistentemente a remar contra esta convicção tornada possível pela ilusão
histórica de que a política monetária tinha por fim domesticado o ciclo económico.
Recentemente alguns economistas (Mark Sadowski) tentaram mostrar que não existe
qualquer correlação entre a austeridade fiscal e o comportamento nominal do PIB
em economias com política monetária independente, ao que Wren-Lewis replica que
a questão não é essa mas antes a da correlação negativa entre austeridade fiscal
e crescimento real do produto. Os números de Sadowski incluem países que não
podem ser considerados em contexto de “zero
lower bound”, já que navegam em taxas de juro em torno dos 2%, o que é um
verdadeiro luxo (casos de países como a Austrália, Noruega, Nova Zelândia e
Coreia do Sul). E mesmo para esses países a correlação entre austeridade fiscal
e crescimento real do PIB é negativa.
Ou seja, após se ter enraizado facilmente a ideia de que o ciclo económico estava
dominado e que a política monetária (exercida não pelos governos, mas pelos
bancos centrais pressupostamente independentes) contornaria para sempre o
eleitoralismo dos políticos, anulando e substituindo em qualquer contexto a política
fiscal, chegamos ao seu inverso não simétrico. Em contexto de “armadilha da
liquidez” (liquidity trap) a política
monetária não tem esse efeito e o fantasma arrogante de Keynes regressa. Mas se
a ideia se enraizou facilmente, a sua rejeição está rodeada de inércia por
todos os lados. Por culpa da academia? Sim, em parte, porque domina a produção
e difusão do pensamento. Mas também por culpa de uma ortodoxia política (à
direita e à esquerda social-democrata) que conseguiu, entre outros feitos,
fazer passar o Pacto Orçamental na União Europeia. Ora quando são os próprios
políticos a assinarem de cruz a anulação de um instrumento de política económica
que depende da sua vontade e opções a única palavra que me vem à mente é
espanhola: gilipollas. E como diriam
alguns amigos castelhanos: No esperes que
un gilipollas diga algo inteligente.
A propósito, recordemos a Marieta de Javier Krahe, desaparecido há dias, a história deliciosa de um gilipollas que tenta namorar a bela protagonista.
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