(Nada é linear nos tempos que correm)
É certo que um temerário e imprevisível Alexis Tsipras abanou o letárgico estado
das coisas em que a questão grega colocou as instituições europeias ganhando
tempo embora não resolvendo para já o penoso sofrimento a que as populações
gregas mais desfavorecidas têm sido sujeitas. Para muitos líderes europeus,
destacaria neste caso o primeiro-ministro espanhol Rajoy, Tsipras é o diabo
feito gente, não por força do possível contágio que a crise grega pode provocar
em recuperações económicas frágeis, mas sobretudo pelo efeito político de
ricochete ou de alavancagem que o efeito SYRIZA pode provocar numa subida desproporcionada
dos partidos anti-sistema.
Os conservadores estão receosos. Há dias, em conversa com um amigo
espanhol, um espanhol de cepa, com Castela na mente e violentamente crítico de
todos os regionalismos da Espanha das nações, dizia-me ele convicto que a
Espanha tinha chegado a algo que para ele era impensável e difícil de deglutir.
Na sua expressão violenta, a “canalha” estava no poder nas principais cidades
espanholas e isso para ele dizia tudo da situação a que a Espanha tinha chegado. Um
jantar de família, pouco propício para essas conversas, não me deu tempo para
lhe retorquir que, sob outras interpretações, a “canalha” era outra, mais
propriamente a onda de corrupção que abalou de baixo para cima o PP salpicou
algumas franjas do PSOE e que essa outra “canalha” precipitou a crise
anti-sistema.
Pelo relato ao vivo do meu colega de blogue, Tsipras aguentou bem o embate
com o Parlamento Europeu, tão carenciado de gente que pense “out of the box” e que destrua de uma vez
por todas a ideia de um arco da governação. A estrela da sessão terá sido Guy
Verhofstadt, líder dos liberais e antigo primeiro-ministro belga, pelo qual
tenho grande simpatia e que teria constituído certamente um melhor presidente
da CE do que o próprio Juncker. Gostei do seu discurso duro e sem peias perante
Tsipras, mas gostaria que o tema do clientelismo grego tivesse sido também
invocado perante uma Nova Democracia de Samaras ou com o PASOK, hoje moribundo,
bem mais identificados com o tema do que o recém-chegado Tsipras. O que a
maioria dos líderes europeus não quer assumir é que, o mundo já não é o que
era, o SYRIZA é hoje de longe a força política melhor colocada para romper com
os clientelismos estruturais da economia e sociedade gregas. Alguém imagina uma
NOVA DEMOCRACIA capaz de o fazer? É de facto uma questão dura de roer e mostra
o estado de vazio a que as instituições europeias foram conduzidas. A dureza e
clareza das palavras de Guy Verhofstadt terá marcado uma sessão histórica, mas
o paradoxo dos paradoxos é que Tsipras oferece hoje melhores condições à
destruição do clientelismo grego do que qualquer outra força política e isto
mostra o desvario em que a questão europeia mergulhou.
Discutia o meu amigo Luís Delfim a impossibilidade de comparação do
eventual perdão de dívida alemã em 1953 e uma possível reestruturação da dívida,
a qual pelo menos com coerência face a estudos da própria instituição o FMI
considera agora possível e necessária. Certamente que são duas situações de
muito diferente natureza. Mas o que a história das reestruturações e perdões de
dívida (tão bem documentados na vasta investigação de Kenneth Rogoff e Carmen
Reinhart) demonstra é que não é o teor intrínseco das razões que determinaram a
acumulação de dívida que justifica a existência de anulações, perdões ou
reestruturações. É antes e sempre o contexto dos equilíbrios mundiais ou
sub-mundiais que o determina. E aqui a questão em jogo é a avaliação que
fazemos das vantagens ou inconvenientes da manutenção do euro com incorporação
de novas condições de sustentabilidade e sobretudo do mistério das transformações
que uma situação de GREXIT determinaria. E ainda ninguém me convenceu que a Grécia
faria melhor com uma transição para uma outra moeda.
Pode soar a estranho, mas devemos paradoxalmente ao SYRIZA e ao intrépido
Tsipras a mudança da perceção das margens de transformação possível da zona euro.
Digestão difícil para muita gente.
Sem comentários:
Enviar um comentário