quinta-feira, 9 de julho de 2015

RÉPLICAS, AINDA RÉPLICAS




(Nada é linear nos tempos que correm)

É certo que um temerário e imprevisível Alexis Tsipras abanou o letárgico estado das coisas em que a questão grega colocou as instituições europeias ganhando tempo embora não resolvendo para já o penoso sofrimento a que as populações gregas mais desfavorecidas têm sido sujeitas. Para muitos líderes europeus, destacaria neste caso o primeiro-ministro espanhol Rajoy, Tsipras é o diabo feito gente, não por força do possível contágio que a crise grega pode provocar em recuperações económicas frágeis, mas sobretudo pelo efeito político de ricochete ou de alavancagem que o efeito SYRIZA pode provocar numa subida desproporcionada dos partidos anti-sistema.

Os conservadores estão receosos. Há dias, em conversa com um amigo espanhol, um espanhol de cepa, com Castela na mente e violentamente crítico de todos os regionalismos da Espanha das nações, dizia-me ele convicto que a Espanha tinha chegado a algo que para ele era impensável e difícil de deglutir. Na sua expressão violenta, a “canalha” estava no poder nas principais cidades espanholas e isso para ele dizia tudo da situação a que a Espanha tinha chegado. Um jantar de família, pouco propício para essas conversas, não me deu tempo para lhe retorquir que, sob outras interpretações, a “canalha” era outra, mais propriamente a onda de corrupção que abalou de baixo para cima o PP salpicou algumas franjas do PSOE e que essa outra “canalha” precipitou a crise anti-sistema.

Pelo relato ao vivo do meu colega de blogue, Tsipras aguentou bem o embate com o Parlamento Europeu, tão carenciado de gente que pense “out of the box” e que destrua de uma vez por todas a ideia de um arco da governação. A estrela da sessão terá sido Guy Verhofstadt, líder dos liberais e antigo primeiro-ministro belga, pelo qual tenho grande simpatia e que teria constituído certamente um melhor presidente da CE do que o próprio Juncker. Gostei do seu discurso duro e sem peias perante Tsipras, mas gostaria que o tema do clientelismo grego tivesse sido também invocado perante uma Nova Democracia de Samaras ou com o PASOK, hoje moribundo, bem mais identificados com o tema do que o recém-chegado Tsipras. O que a maioria dos líderes europeus não quer assumir é que, o mundo já não é o que era, o SYRIZA é hoje de longe a força política melhor colocada para romper com os clientelismos estruturais da economia e sociedade gregas. Alguém imagina uma NOVA DEMOCRACIA capaz de o fazer? É de facto uma questão dura de roer e mostra o estado de vazio a que as instituições europeias foram conduzidas. A dureza e clareza das palavras de Guy Verhofstadt terá marcado uma sessão histórica, mas o paradoxo dos paradoxos é que Tsipras oferece hoje melhores condições à destruição do clientelismo grego do que qualquer outra força política e isto mostra o desvario em que a questão europeia mergulhou.

Discutia o meu amigo Luís Delfim a impossibilidade de comparação do eventual perdão de dívida alemã em 1953 e uma possível reestruturação da dívida, a qual pelo menos com coerência face a estudos da própria instituição o FMI considera agora possível e necessária. Certamente que são duas situações de muito diferente natureza. Mas o que a história das reestruturações e perdões de dívida (tão bem documentados na vasta investigação de Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart) demonstra é que não é o teor intrínseco das razões que determinaram a acumulação de dívida que justifica a existência de anulações, perdões ou reestruturações. É antes e sempre o contexto dos equilíbrios mundiais ou sub-mundiais que o determina. E aqui a questão em jogo é a avaliação que fazemos das vantagens ou inconvenientes da manutenção do euro com incorporação de novas condições de sustentabilidade e sobretudo do mistério das transformações que uma situação de GREXIT determinaria. E ainda ninguém me convenceu que a Grécia faria melhor com uma transição para uma outra moeda.

Pode soar a estranho, mas devemos paradoxalmente ao SYRIZA e ao intrépido Tsipras a mudança da perceção das margens de transformação possível da zona euro. Digestão difícil para muita gente.

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