(Arrogante e não fleumático, simplesmente deplorável)
Não conheço o túnel da Mancha, nunca o atravessei, mas sou capaz de
antecipar o ambiente de inferno e desespero que leva os clandestinos retidos em
Calais a tentar o suicídio de uma travessia para Inglaterra através de um fluxo
de tráfego pesado que se prolonga hoje por uma fila interminável.
Pois perante uma tragédia desta natureza, o primeiro-ministro conservador
Cameron só conseguiu falar de uma praga que vem do Mediterrâneo e consolar os
seus súbditos, alguns dos quais com férias tolhidas pelas filas intermináveis,
com a promessa de construção de um muro ainda maior e de mais cães que demovam
por dissuasão qualquer tentativa de passagem clandestina.
Para um membro da União Europeia a deplorável arrogância de Cameron mostra
bem o estado da União e sobretudo constitui evidência clara de que os
promotores da globalização não são capazes de gerir os efeitos da mesma sobre
as expectativas de quem vive (um eufemismo) na pobreza extrema, na guerra
militar e étnica, na mais profunda privação humana. Como tenho sublinhado, a
globalização dos movimentos de pessoas está substancialmente mais atrasada do
que a globalização dos movimentos de mercadorias e de capitais, pelo que uma de
duas: ou se contraria o movimento na origem, melhorando as condições de vida
dessas populações ou, a manter a perspetiva dos muros, estaremos perante a
forma mais avançada e moderna da barbárie.
Estou pessoalmente convencido que só quando os Europeus começarem a ver o
seu horizonte quotidiano tolhido pelo impacto as migrações (por exemplo as suas
férias) ficarão sensibilizados para contribuírem para uma solução global
minimizadora da barbárie que se anuncia. Porque a vontade britânica de
valorizar na União Europeia a sua capital financeira e a ideia de mercado único
é simplesmente uma face da moeda. Terão que ser parte da solução que a União
Europeia deve promover, até porque se compararmos a incidência desse problema
numa Grécia ou numa Itália com a massa de migrantes que perturbou a circulação
do túnel da Mancha compreendemos melhor a arrogância nojenta do líder
conservador. Mais um sinal da dissolução europeia.
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