(Poderemos nós confiar em programas eleitorais?…)
Ao cair de julho, como convém e como o Professor Marcelo do alto da sua charla
dominical recomendaria, a maioria no poder lá se decidiu apresentar o seu programa eleitoral, um texto de 148 páginas em que se combinam as coisas mais e
as menos importantes, num registo em que é praticamente impossível distinguir o
essencial do menos importante. Para além disso, a maioria junta agora em forma
de texto programático um conjunto muito amplo de prioridades de intervenção,
que por serem tantas torna complexa a sua avaliação como efetivamente prioritários
e dispondo dos recursos financeiros adequados. A base macroeconómica é compreensivelmente
a do Programa de Estabilidade e Crescimento, pelo que um eleitor comprometido
com a avaliação comparativa das propostas da maioria e do PS terá todo o mês de
setembro para se entreter, contrapondo PEC (maioria) e Cenários macroeconómicos
do PS e o documento hoje apresentado versus Agenda para a Década + Programa eleitoral
do PS. Ufa! Depois de tanta leitura correrá o sério risco de se confundir.
A maioria rapidamente preparou a papinha aos jornalistas fazendo passar a
mensagem de que as grandes apostas são o crescimento económico e o
desenvolvimento social. Surpresa? Nem por isso, simplesmente uma colagem
politicamente “correta” às principais marcas da alternativa de governação PS. Mas
a leitura do documento transporta-nos para um programa onde estão lá todos os
chavões possíveis de um programa que visa antes de mais fazer esquecer a mancha
da penosidade e de utilização do memorando para conseguir as transformações que
dificilmente noutro contexto teriam passado. É uma amálgama de temas em que
emergem o desafio demográfico; a valorização das pessoas e das qualificações em
que por exemplo de fala de educação de adultos como se a maioria não a tivesse
destruído com a sua sanha de vendetta
governativa; as questões da competitividade ressuscitando a reindustrialização
de Álvaro Santos Pereira, promovendo a economia verde tão cara a Jorge Moreira
da Silva e apostando no fetiche dos rankings mundiais; a questão da modernização
administrativa depois de nada fazer nesta matéria apagando o impulso do
SIMPLEX; a sustentabilidade ambiental com tudo que é jargão nas políticas
comunitárias e um cheirinho de territórios de baixa densidade; as questões da
defesa ignorando o estado de quase rotura em que o governo se colocou perante
as Forças Armadas; e a eterna ladainha da afirmação de Portugal no mundo,
quando na UE tudo temos feito para perder voz ativa.
E assim se constrói um programa que provavelmente será lido por poucos,
apenas elaborado para contrapor à caterva de documentos do PS, em que
praticamente tudo é mencionado, sem qualquer hierarquia de importância e através
da qual o cidadão comum fica sem qualquer perspetiva de confiança quanto à sua
efetiva exequibilidade.
Cada vez mais me convenço que os programas eleitorais assim entendidos são
um puro desperdício de tempo e um aglomerado de intenções através das quais um
desamparado cidadão médio será incapaz de comparar o que quer que seja. E a
orquestra da maioria está a ensaiar uma peça que não é a do programa, mas antes
a da sibilina trilogia: em 2011 a bancarrota estava aí, fomos desagradáveis com
a penosidade da austeridade mas voltámos ao mercado e a economia está a
recuperar, pelo que perante esta síntese valerá a pena arriscar uma alternativa
com que os foram afastados do poder em 2011? E é sobre esta sibilina trilogia +
síntese de alerta eleitoral que o PS deve preocupar-se, contrapondo tudo o que
seja necessário para colocar a nu a sua inconsistência. No Quadratura do Círculo
da passada quinta-feira, Porfírio Silva, pelos vistos o ideólogo-mor da caminhada
de António Costa, o que vai dar as ideias para Ascenso Simões transformar em campanha
eleitoral, ocupou o espaço de Jorge Coelho e compreendi muita coisa e comecei a
ficar preocupado. Apertado por José Pacheco Pereira que continua impiedoso para
os salamaleques do PS, o pensamento de Porfírio projeta um PS a medir ao milímetro
as propostas de mudança para não incomodar o conservadorismo e prevenir a
rejeição do aventureirismo a que segundo os estudos de opinião os eleitores serão
sensíveis. Começa a entender-se a cuidadosa trajetória de Costa e perante tal
projeção até Belém Roseira pode ter a revelação de que estará no coração desse
incrementalismo. Com tanto calculismo político, não estou a ver como é que a
sibilina trilogia da maioria será desconstruída. Por isso, há relatórios do FMI
que a combatem mais do que o calculismo do PS (ver post anterior do meu colega de
blogue). Oxalá que os deuses dos indecisos estejam acordados e não sejam tão
calculistas como Porfírio e suas hostes. Por que se o forem a minha caminhada
para os 70 vai ser provavelmente de indignação.
Sem comentários:
Enviar um comentário