quarta-feira, 29 de julho de 2015

O PROGRAMA ELEITORAL DA MAIORIA



(Poderemos nós confiar em programas eleitorais?…)

Ao cair de julho, como convém e como o Professor Marcelo do alto da sua charla dominical recomendaria, a maioria no poder lá se decidiu apresentar o seu programa eleitoral, um texto de 148 páginas em que se combinam as coisas mais e as menos importantes, num registo em que é praticamente impossível distinguir o essencial do menos importante. Para além disso, a maioria junta agora em forma de texto programático um conjunto muito amplo de prioridades de intervenção, que por serem tantas torna complexa a sua avaliação como efetivamente prioritários e dispondo dos recursos financeiros adequados. A base macroeconómica é compreensivelmente a do Programa de Estabilidade e Crescimento, pelo que um eleitor comprometido com a avaliação comparativa das propostas da maioria e do PS terá todo o mês de setembro para se entreter, contrapondo PEC (maioria) e Cenários macroeconómicos do PS e o documento hoje apresentado versus Agenda para a Década + Programa eleitoral do PS. Ufa! Depois de tanta leitura correrá o sério risco de se confundir.

A maioria rapidamente preparou a papinha aos jornalistas fazendo passar a mensagem de que as grandes apostas são o crescimento económico e o desenvolvimento social. Surpresa? Nem por isso, simplesmente uma colagem politicamente “correta” às principais marcas da alternativa de governação PS. Mas a leitura do documento transporta-nos para um programa onde estão lá todos os chavões possíveis de um programa que visa antes de mais fazer esquecer a mancha da penosidade e de utilização do memorando para conseguir as transformações que dificilmente noutro contexto teriam passado. É uma amálgama de temas em que emergem o desafio demográfico; a valorização das pessoas e das qualificações em que por exemplo de fala de educação de adultos como se a maioria não a tivesse destruído com a sua sanha de vendetta governativa; as questões da competitividade ressuscitando a reindustrialização de Álvaro Santos Pereira, promovendo a economia verde tão cara a Jorge Moreira da Silva e apostando no fetiche dos rankings mundiais; a questão da modernização administrativa depois de nada fazer nesta matéria apagando o impulso do SIMPLEX; a sustentabilidade ambiental com tudo que é jargão nas políticas comunitárias e um cheirinho de territórios de baixa densidade; as questões da defesa ignorando o estado de quase rotura em que o governo se colocou perante as Forças Armadas; e a eterna ladainha da afirmação de Portugal no mundo, quando na UE tudo temos feito para perder voz ativa.

E assim se constrói um programa que provavelmente será lido por poucos, apenas elaborado para contrapor à caterva de documentos do PS, em que praticamente tudo é mencionado, sem qualquer hierarquia de importância e através da qual o cidadão comum fica sem qualquer perspetiva de confiança quanto à sua efetiva exequibilidade.

Cada vez mais me convenço que os programas eleitorais assim entendidos são um puro desperdício de tempo e um aglomerado de intenções através das quais um desamparado cidadão médio será incapaz de comparar o que quer que seja. E a orquestra da maioria está a ensaiar uma peça que não é a do programa, mas antes a da sibilina trilogia: em 2011 a bancarrota estava aí, fomos desagradáveis com a penosidade da austeridade mas voltámos ao mercado e a economia está a recuperar, pelo que perante esta síntese valerá a pena arriscar uma alternativa com que os foram afastados do poder em 2011? E é sobre esta sibilina trilogia + síntese de alerta eleitoral que o PS deve preocupar-se, contrapondo tudo o que seja necessário para colocar a nu a sua inconsistência. No Quadratura do Círculo da passada quinta-feira, Porfírio Silva, pelos vistos o ideólogo-mor da caminhada de António Costa, o que vai dar as ideias para Ascenso Simões transformar em campanha eleitoral, ocupou o espaço de Jorge Coelho e compreendi muita coisa e comecei a ficar preocupado. Apertado por José Pacheco Pereira que continua impiedoso para os salamaleques do PS, o pensamento de Porfírio projeta um PS a medir ao milímetro as propostas de mudança para não incomodar o conservadorismo e prevenir a rejeição do aventureirismo a que segundo os estudos de opinião os eleitores serão sensíveis. Começa a entender-se a cuidadosa trajetória de Costa e perante tal projeção até Belém Roseira pode ter a revelação de que estará no coração desse incrementalismo. Com tanto calculismo político, não estou a ver como é que a sibilina trilogia da maioria será desconstruída. Por isso, há relatórios do FMI que a combatem mais do que o calculismo do PS (ver post anterior do meu colega de blogue). Oxalá que os deuses dos indecisos estejam acordados e não sejam tão calculistas como Porfírio e suas hostes. Por que se o forem a minha caminhada para os 70 vai ser provavelmente de indignação.

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