(Prolongando um post anterior …)
A Dra. Teodora Cardoso está entre aqueles economistas aparentemente intocáveis,
uma espécie de senadores da economia que é sempre bom ouvir, embora nos últimos
tempos me pareça que a Senhora gostaria de viver num mundo mais impoluto,
sobretudo liberto da imperfeição dos políticos, indisciplinados, demasiado
propensos a não resistir à tentação de manejar a despesa pública para benefício
eleitoral próprio. Não é posição e estatuto que me entusiasme, sobretudo porque
deixar de fora os economistas dessa poluição ou ruído despesista ou outro
qualquer corresponde a um julgamento de perfeição em causa própria que tem que
se lhe diga.
Tudo isto a propósito da caixa associada à sua entrevista ao Económico
centrada no título “É impossível pensar na despesa pública como motor do
crescimento económico”. É provável que como o costume a caixa seja uma pura
invenção de jornalista ávido de atenção para uma peça sua, sabe-se lá com que
objetivo profissional. De qualquer modo, não é possível passar em claro que o
tema não corresponde a caixa nenhuma. Do ponto de vista do crescimento a longo
prazo, não vale a pena perder pestanas com essa discussão. De facto, a longo
prazo não é a despesa pública que traça as trajetórias do crescimento e do
desenvolvimento, não é o seu elemento motor, o que não significa que as políticas
públicas não sejam relevantes, antes pelo contrário (ver hoje a apresentação
pela Fundação Calouste Gulbenkian e pelo Instituto Thomas Jefferson – Correia da
Serra dos dois volumes da grande conferência do passado outubro em que tive o
prazer participar e em cujos volumes estou representado com um paper com a
amiga Elisa Babo).
Mas o problema não é esse. É que o crescimento económico de longo prazo é
uma abstração se não o interligarmos com a sucessão dos crescimentos de curto
prazo, isto é, com as chamadas transições. As trajetórias de longo prazo não se
constroem em ambientes impolutos, sem ruídos, imunes à indisciplina dos políticos
e dos cães de fila. Constroem-se nesses ambientes e aqui há um debate para o
qual a Europa se deixou afastar. No contexto de transição e de recuperações
pouco robustas que o ambiente de zero
lower bound e de quase deflação que se instalou, é precipitado e errado
afastar a despesa pública, não necessariamente, claro está, com a mesma
intensidade, em função dos estados de endividamento. Mas quando famílias e setor
empresarial estão em desalavancagem de crises determinadas essencialmente pela
prodigalidade do crédito, desprezar a despesa pública é erro grave. Como a Dra.
Teodora deveria saber, nesses ambientes e por muito que talvez lhe custe a política
monetária é bem limitada nos seus efeitos. Por isso o grande problema é esse e
não o da caixa, mesmo dando de barato que ela foi obra de jornalista ávido de
notoriedade. E sem resolver esse problema dissertar sobre a irrelevância da
despesa pública para as trajetórias de longo prazo é pura perda de tempo.
Com todo o respeito!
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