quarta-feira, 21 de outubro de 2015

POR QUE RAZÃO (ÕES) O NORTE E O CENTRO NÃO CONVERGEM? Take 2




(Reflexões de suporte a uma apresentação junto da missão em Portugal da Direção-Geral da Política Regional e Urbana da Comissão Europeia designada de “Processo de Convergência/divergência das regiões portuguesas: o caso das regiões Norte e Centro, ADC Lisboa, 26 de outubro de 2015)

O take 2 respeita à questão do quadro institucional em que se constrói a distribuição territorial do investimento público e, numa perspetiva ainda mais alargada, em que a territorialização de políticas públicas pode ser experimentada.

Tema 2 - Esgotamento do quadro institucional racionalizador dos padrões de investimento público e da sua distribuição territorial

Durante largo tempo, o quadro institucional à luz do qual foram decididos os padrões de distribuição territorial do investimento público pode ser caracterizado por um modelo do tipo “Estado central fortemente centralizado com raízes históricas profundas – municípios proporcionalmente mais fortes do que o sugerido pelo peso de despesa pública por eles veiculado – regiões de planeamento com um débil poder de enforcement das suas decisões”. Escrevi longamente e em diversas ocasiões sobre este modelo. Sustento, entretanto, que este modelo está em situação de esgotamento. Esse esgotamento é sobretudo visível na sequência das opções de programação dos FEEI, segundo as quais o peso dos objetivos de competitividade na política regional ganha expressão face aos objetivos de melhoria das condições básicas de vida.

Com os objetivos de competitividade e de promoção do desenvolvimento económico a captarem a maior percentagem de recursos, seja promovendo a mudança do perfil de especialização nos territórios de maior clusterização de atividades industriais, seja alargando a base territorial de competitividade onde existe escassez de valor económico e de entrepreneurship, o território municipal deixa de ser o foco da barganha “municípios versus governo central”. A racionalização do investimento público passa a exigir uma maior escala territorial de incidência e influência. O modelo deixa de funcionar. Está instalada uma tensão suscitada pela procura de um modelo alternativo, já que a não existência de regiões administrativas e a sua difícil ascensão à agenda política determinam uma transição complexa, ela própria suscitando a referida tensão.

Neste quadro institucional, a única novidade relevante observada não resolve em meu entender o problema da tensão institucional atrás mencionado. A novidade consiste na tentativa de promoção do nível intermunicipal, coincidente com os territórios NUTS III, entretanto reconfigurados, como um nível adicional de racionalização dos padrões de localização do investimento público. As razões para que a tensão atrás identificada não desapareça são várias.

Em primeiro lugar, faz-se intervir o nível intermunicipal (NUTS III) no modelo triangular atrás referido sem que dois vértices sofram alteração: o poder centralizado continua forte e as regiões de planeamento não melhoraram enquanto tais o poder de enforcement das suas decisões.

Em segundo lugar, as comunidades intermunicipais constituem ainda essencialmente um somatório de poderes municipais, não lhes correspondendo ainda um racional próprio na definição de padrões de localização de investimento público. A massa crítica de investimentos efetivamente intermunicipais é ainda muito escassa. É provável que o modelo possa evoluir com alguma delegação ascendente de competências. Enquanto isso não for uma realidade a tensão institucional persiste. O modelo de cooperação aí instalado é ainda essencialmente um modelo de perda nula.

Em terceiro lugar e em nosso entender a razão mais importante, é discutível que o nível intermunicipal NUTS III, pese embora a sua mais recente reconfiguração territorial, constitua o território pertinente para a territorialização das políticas de competitividade e inovação. Existe desconformidade evidente entre o tecido dos agentes institucionais convocáveis para essas políticas de competitividade e o quadro institucional das CIM. Não existe também suporte para um processo de aprendizagem organizacional do tipo “learning by planning”. Poder-se-á dizer que a situação não é igualmente insuficiente comparando o universo de territórios em que a competitividade passa por mudanças do perfil de especialização, de qualificação de ativos e de entrepreneurship com o conjunto de territórios em que o problema consiste essencialmente em alargar a base territorial de competitividade, alargando a massa de recursos e ativos territoriais sobre os quais pode ser construído valor económico. Talvez neste último caso, o quadro institucional das CIM e das parcerias que ele possa estimular pode evoluir mais rapidamente. No outro universo, a situação atual é aliás de regressão. É possível identificar territórios NUTS III (o vale do Ave, por exemplo) em que a governação económica já esteve mais avançada do que hoje se verifica.

No tema 3 desta exposição desenvolverei a ideia central de que a inovação institucional mais promissora estará em trabalhar os sistemas de inovação em formação nos territórios objeto da nossa reflexão. Por agora, em relação ainda ao modelo 2, resta reafirmar que a intermunicipalização em curso por via do modelo das CIM não se libertou ainda da ideia de somatório de interesses municipais. O seu diálogo institucional com as regiões de planeamento (CCDR) está a ser realizado segundo um modelo de enquadramento e de referenciais demasiado rígidos e pouco incentivadores da aprendizagem e upgrading organizacional de tais entidades. Em meu entender, o mérito das experiências mais avançadas continua a não ser reconhecido. O modelo tanto pode evoluir por processos de delegação ascendente de competências, permitindo aos municípios especializar-se mais em serviços de maior proximidade às populações e respetivas comunidades, quer pela criatividade dos processos de contratualização por objetivos que as regiões de planeamento e a administração central estiverem realmente interessadas em fomentar. Não tenho vislumbrado vontade política ascendente ou descendente suficientemente expressiva e sincera para poder antecipar melhorias nesta matéria. O atual período de programação poderia ter constituído uma grande oportunidade para dar os primeiros passos, mas a minha avaliação é bastante cética em relação a essa possibilidade. Continua a haver um significativo gap de espectativas e um grande nível de deceção entre as fases de preparação do período de programação e de concretização desse processo em programas

Como referi anteriormente, as CIM com intervenção nos territórios com rarefação de pessoas, de investimento e de entrepreneurship, vulgo territórios interiores ou como se diz atualmente de baixa densidade, apresentam em meu entender um maior potencial de intervenção nos domínios do desenvolvimento económico e da competitividade.

Nestes territórios, não há propriamente sistemas de inovação em formação. Os problemas da competitividade consistem sobretudo em alargar a base territorial de recursos suscetível de gerar valor económico. Aqui o problema não é a de sobreposição de instituições com os riscos associados de destruição de recursos. Aqui o problema é antes de escassez de capacidade institucional, sendo necessário orientar a capacidade que existe para supletivamente compensar a escassez de entrepreneurship.

Poderíamos aqui discutir o exemplo do Douro como território de paradoxos em que é bem visível o défice de quadro institucional. Um território com grande notoriedade de entrepreneurship centrado na economia do vinho, desde players (firmas) globais até ao entrepreneur schumpeteriano individual mais criativo e rebelde, com dois produtos de excelência, o vinho do Porto e o Douro DOC, mas um território cuja performance global de desenvolvimento é notoriamente insuficiente.

Em meu entender, as CIM ou parcerias entre CIM poderiam ser o embrião de uma ocupação deste vazio institucional, funcionando como parcerias para a territorialização de políticas públicas em diálogo e cooperação institucional com a região de planeamento. Aliás, até poderemos conceber processos a três dimensões: central, regional e sub-regional. Parece ser este, por exemplo, o caso do Centro de Excelência da Vinha e do Vinho anunciado para o Régia Douro Park destinado a promover uma maior intensidade e excelência de investigação científica e de I&D para a economia do vinho e do Douro em particular.

Resumindo, o quadro institucional de suporte à territorialização do investimento público para a competitividade está esgotado, está neste momento em tensão e não são visíveis neste momento forças de mobilização imediata para esvaziar essa tensão.  Trata-se de um fator de governança que penaliza a eficácia das políticas territoriais de competitividade.

O tema 3 desta exposição procura ilustrar uma via possível para consertar esse quadro institucional e aliviar as tensões atrás referidas representadas por investimento e políticas públicas em busca de um território pertinente e de centros territoriais de racionalidade para uma eficaz territorialização dos apoios.

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