(Reflexões
de suporte a uma apresentação junto da missão em Portugal da Direção-Geral da
Política Regional e Urbana da Comissão Europeia designada de “Processo de
Convergência/divergência das regiões portuguesas: o caso das regiões Norte e
Centro, ADC Lisboa, 26 de outubro de 2015)
O take 2 respeita à questão do quadro institucional em que se constrói a
distribuição territorial do investimento público e, numa perspetiva ainda mais
alargada, em que a territorialização de políticas públicas pode ser
experimentada.
Tema 2 - Esgotamento do quadro institucional
racionalizador dos padrões de investimento público e da sua distribuição
territorial
Durante largo tempo, o
quadro institucional à luz do qual foram decididos os padrões de distribuição
territorial do investimento público pode ser caracterizado por um modelo do
tipo “Estado central fortemente centralizado com
raízes históricas profundas – municípios proporcionalmente mais fortes do que o
sugerido pelo peso de despesa pública por eles veiculado – regiões de
planeamento com um débil poder de enforcement das suas decisões”.
Escrevi longamente e em diversas ocasiões sobre este modelo. Sustento,
entretanto, que este modelo está em situação de esgotamento. Esse esgotamento é
sobretudo visível na sequência das opções de programação dos FEEI, segundo as
quais o peso dos objetivos de competitividade na política regional ganha
expressão face aos objetivos de melhoria das condições básicas de vida.
Com os objetivos de
competitividade e de promoção do desenvolvimento económico a captarem a maior
percentagem de recursos, seja promovendo a mudança do perfil de especialização
nos territórios de maior clusterização de atividades industriais, seja
alargando a base territorial de competitividade onde existe escassez de valor
económico e de entrepreneurship, o
território municipal deixa de ser o foco da barganha “municípios versus governo
central”. A racionalização do investimento público passa a exigir uma maior
escala territorial de incidência e influência. O modelo deixa de funcionar.
Está instalada uma tensão suscitada pela procura de um modelo alternativo, já
que a não existência de regiões administrativas e a sua difícil ascensão à
agenda política determinam uma transição complexa, ela própria suscitando a
referida tensão.
Neste quadro
institucional, a única novidade relevante observada não resolve em meu entender
o problema da tensão institucional atrás mencionado. A novidade consiste na
tentativa de promoção do nível intermunicipal, coincidente com os territórios
NUTS III, entretanto reconfigurados, como um nível adicional de racionalização
dos padrões de localização do investimento público. As razões para que a tensão
atrás identificada não desapareça são várias.
Em primeiro lugar,
faz-se intervir o nível intermunicipal (NUTS III) no modelo triangular atrás
referido sem que dois vértices sofram alteração: o poder centralizado continua
forte e as regiões de planeamento não melhoraram enquanto tais o poder de enforcement das suas decisões.
Em segundo lugar, as
comunidades intermunicipais constituem ainda essencialmente um somatório de
poderes municipais, não lhes correspondendo ainda um racional próprio na
definição de padrões de localização de investimento público. A massa crítica de
investimentos efetivamente intermunicipais é ainda muito escassa. É provável
que o modelo possa evoluir com alguma delegação ascendente de competências.
Enquanto isso não for uma realidade a tensão institucional persiste. O modelo
de cooperação aí instalado é ainda essencialmente um modelo de perda nula.
Em terceiro lugar e em
nosso entender a razão mais importante, é discutível que o nível intermunicipal
NUTS III, pese embora a sua mais recente reconfiguração territorial, constitua
o território pertinente para a territorialização das políticas de
competitividade e inovação. Existe desconformidade evidente entre o tecido dos
agentes institucionais convocáveis para essas políticas de competitividade e o
quadro institucional das CIM. Não existe também suporte para um processo de
aprendizagem organizacional do tipo “learning
by planning”. Poder-se-á dizer que a situação não é igualmente insuficiente
comparando o universo de territórios em que a competitividade passa por
mudanças do perfil de especialização, de qualificação de ativos e de entrepreneurship com o conjunto de
territórios em que o problema consiste essencialmente em alargar a base
territorial de competitividade, alargando a massa de recursos e ativos
territoriais sobre os quais pode ser construído valor económico. Talvez neste
último caso, o quadro institucional das CIM e das parcerias que ele possa
estimular pode evoluir mais rapidamente. No outro universo, a situação atual é
aliás de regressão. É possível identificar territórios NUTS III (o vale do Ave,
por exemplo) em que a governação económica já esteve mais avançada do que hoje
se verifica.
No tema 3 desta
exposição desenvolverei a ideia central de que a inovação institucional mais
promissora estará em trabalhar os sistemas de inovação em formação nos
territórios objeto da nossa reflexão. Por agora, em relação ainda ao modelo 2,
resta reafirmar que a intermunicipalização em curso por via do modelo das CIM
não se libertou ainda da ideia de somatório de interesses municipais. O seu
diálogo institucional com as regiões de planeamento (CCDR) está a ser realizado
segundo um modelo de enquadramento e de referenciais demasiado rígidos e pouco
incentivadores da aprendizagem e upgrading
organizacional de tais entidades. Em meu entender, o mérito das experiências
mais avançadas continua a não ser reconhecido. O modelo tanto pode evoluir por
processos de delegação ascendente de competências, permitindo aos municípios
especializar-se mais em serviços de maior proximidade às populações e
respetivas comunidades, quer pela criatividade dos processos de
contratualização por objetivos que as regiões de planeamento e a administração
central estiverem realmente interessadas em fomentar. Não tenho vislumbrado
vontade política ascendente ou descendente suficientemente expressiva e sincera
para poder antecipar melhorias nesta matéria. O atual período de programação
poderia ter constituído uma grande oportunidade para dar os primeiros passos,
mas a minha avaliação é bastante cética em relação a essa possibilidade.
Continua a haver um significativo gap
de espectativas e um grande nível de deceção entre as fases de preparação do
período de programação e de concretização desse processo em programas
Como referi
anteriormente, as CIM com intervenção nos territórios com rarefação de pessoas,
de investimento e de entrepreneurship,
vulgo territórios interiores ou como se diz atualmente de baixa densidade,
apresentam em meu entender um maior potencial de intervenção nos domínios do
desenvolvimento económico e da competitividade.
Nestes territórios, não
há propriamente sistemas de inovação em formação. Os problemas da
competitividade consistem sobretudo em alargar a base territorial de recursos
suscetível de gerar valor económico. Aqui o problema não é a de sobreposição de
instituições com os riscos associados de destruição de recursos. Aqui o
problema é antes de escassez de capacidade institucional, sendo necessário
orientar a capacidade que existe para supletivamente compensar a escassez de entrepreneurship.
Poderíamos aqui discutir
o exemplo do Douro como território de paradoxos em que é bem visível o défice
de quadro institucional. Um território com grande notoriedade de entrepreneurship centrado na economia do
vinho, desde players (firmas) globais
até ao entrepreneur schumpeteriano
individual mais criativo e rebelde, com dois produtos de excelência, o vinho do
Porto e o Douro DOC, mas um território cuja performance global de
desenvolvimento é notoriamente insuficiente.
Em meu entender, as CIM
ou parcerias entre CIM poderiam ser o embrião de uma ocupação deste vazio
institucional, funcionando como parcerias para a territorialização de políticas
públicas em diálogo e cooperação institucional com a região de planeamento.
Aliás, até poderemos conceber processos a três dimensões: central, regional e
sub-regional. Parece ser este, por exemplo, o caso do Centro de Excelência da
Vinha e do Vinho anunciado para o Régia Douro Park destinado a promover uma
maior intensidade e excelência de investigação científica e de I&D para a
economia do vinho e do Douro em particular.
Resumindo, o quadro
institucional de suporte à territorialização do investimento público para a
competitividade está esgotado, está neste momento em tensão e não são visíveis
neste momento forças de mobilização imediata para esvaziar essa tensão. Trata-se de um fator de governança que
penaliza a eficácia das políticas territoriais de competitividade.
O tema 3 desta exposição
procura ilustrar uma via possível para consertar esse quadro institucional e
aliviar as tensões atrás referidas representadas por investimento e políticas
públicas em busca de um território pertinente e de centros territoriais de
racionalidade para uma eficaz territorialização dos apoios.
Sem comentários:
Enviar um comentário