(Não deixa
de ser insólito e significativo que a Dinamarca apareça na antecâmara da
campanha eleitoral americana, neste caso dos democratas, mas…)
Paul Krugman, na sua crónica de opinião no New York Times, saúda com regozijo o facto do debate eleitoral
democrata entre Bernie Sanders e Hillary Clinton, mais propriamente o primeiro,
ter invocado o modelo da Dinamarca como um exemplo a seguir ou pelo menos justificando
o estudo das causas do seu êxito. Tem de facto algum significado registar que o
América-centrismo também tem as suas brechas e que um pequeno país como a
Dinamarca pode atrair o interesse de candidatos à presidência.
Tenho a minha própria interpretação do modelo dinamarquês e não podemos
ignorar que ele está ameaçado pela emergência de uma direita intolerante que
não estará disposta a aprofundar a tolerância da sociedade dinamarquesa como
exemplo de convivialidade de mundos diversos. O que me atrai no modelo
dinamarquês é a sua capacidade de combinar flexibilidade do mercado de trabalho
com níveis de segurança social elevados no desemprego e sobretudo o avanço das
suas políticas ativas de emprego. Também me seduz o facto de ter conseguido
construir um sistema de inovação potente em torno de especializações produtivas
que muitos depreciativamente designam de tradicionais, como o são os clusters
do mobiliário e do agro-alimentar com o porco e os laticínios a comandar.
Estamos aparentemente perante um Estado Social ágil e flexível, não
comprometendo a proteção social.
Mas Krugman analisa o comportamento da economia dinamarquesa após a crise
financeira de 2007-2008 em confronto com a da Suécia, utilizando para isso um
indicador rudimentar como o do rendimento per
capita. E num dos seus gráficos falantes, reproduzido acima, é bastante
notório o comportamento divergente das duas economias escandinavas. Ambas as
economias tiveram os seus devaneios austeritários, pelo que é difícil atribuir
à política fiscal as razões essenciais da divergência. Por isso, Krugman
adianta como possível explicação o facto das duas economias estarem em regimes
monetários diferentes. A Suécia tem moeda própria que não é gerida a par do
Euro. Pelo contrário, a Dinamarca assumiu uma política monetária em que a sua
moeda aparece em regime de “peg”
(alinhada) com o Euro.
A confirmação desta tese exigiria estudo e modelização mais aprofundados.
Mas, a verificar-se, estaríamos perante uma definição mais abrangente do
chamado síndroma do Euro. O mesmo atingiria não apenas os países que abdicaram
de ter moeda própria e aderiram à União Monetária, mas também os que se
mantivessem na sua relação de proximidade em termos de política monetária. O
que constituiria um indicador bem explícito da maleita. Ou seja, é maleita que
se propaga por contágio de proximidade.
Hoje, são cada vez mais evidentes as fragilidades de uma construção que
ficou a meio e, pior do que isso, sem alicerces sólidos que permitam aguentar
os atrasos da construção. Wolfgang Münchau na sua crónica do último domingo no Finantial Times
afirma preto no branco que será melhor não haver união fiscal do que preservar
uma união fiscal distorcida e sem fundamentos.
A posição alemã de bloquear os avanços da União Bancária depara-se hoje com
algumas dificuldades internas que podem ameaçar o seu poder direcional na União
Europeia. Daniel Gros no Project Syndicate
avança com algumas dessas dificuldades, entre as quais se contam o fraco
crescimento da produtividade e o forte impacto que a aterragem das economias
emergentes irá provocar na indústria de bens de equipamento alemã. Mas ontem
não queria acreditar quando ouvi Ângela Merkel a admitir como contrapartida possível
a adesão da Turquia à União Europeia se esta assumisse definitivamente o
estatuto de tampão do afluxo de refugiados à Europa. Considerei
corajosa e única entre os europeus a posição de Merkel em puxar o Conselho
Europeu para uma mais decidida abordagem à crise dos refugiados. Mas quando se
entra nesta gestão de contrapartidas à revelia das próprias instituições
europeias isso é sinal claro de crescentes dificuldades internas.
O projeto europeu está hoje transformado nesta gigantesca contradição. Por
um lado, para consertar as suas derivas não democráticas seria necessário dar
alguns passos atrás, construir de novo com um maior pronunciamento dos
parlamentos e populações nacionais. Por outro lado, para reparar as
fragilidades do edifício do euro seria necessário aprofundar as instituições
europeias naturalmente à custa dos poderes nacionais e ultrapassar a
resistência alemã a modelos possíveis da mutualização da dívida. Sem recuar,
nem avançar, o projeto europeu está naquela conhecida posição incómoda de estar
num court de ténis – no meio desse court sujeito a
apanhar bem no lombo com todos os smashes
possíveis e de vários ângulos. Isto não vai acabar bem pois os lombos que serão
massacrados não são igualmente nutridos e resistentes ao impacto das mortíferas
bolas.
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