Aprende-se sempre muito com quem muito sabe. Aconteceu-me ontem à noite ao ouvir um interessante debate constitucional em “O Direito e o Avesso” da RTP3 e nele a cristalina eloquência e o profundo conhecimento de causa do Professor Jorge Reis Novais (JRN).
Logo a abrir, o distinto professor universitário puxou de um seu livro escrito em 2009 e publicado em 2010 (capa acima) e dele leu o seguinte trecho: “Por exemplo, entre nós não será improvável que o Presidente da República se decida por nomear um governo PSD/CDS numa situação em que o PS seja o partido mais votado. Se o PS não dispuser de maioria absoluta e PSD e CDS sejam em conjunto maioritários e se disponham, primeiro a inviabilizar um governo PS e segundo a formar um governo de coligação maioritária, ainda que a coligação não tivesse sido previamente anunciada como tal ao eleitorado, a nomeação direta de um governo PSD/CDS pouparia o país a procedimentos inúteis e lentos de nomeação e formação de um governo PS que se sabia não ter condições de nomeação parlamentar.”
Mas JRN também quis deixar as coisas muito claras quanto às derivas desviantemente interpretativas que, tão imaginativamente mas sem fundamento, têm vindo a ser proclamadas à direita nestes últimos dias. Explicou porque “o argumento da tradição não pode funcionar”, enfatizou a diferença que faz a presente ausência de poder presidencial de dissolução (“o Presidente da República nesta altura não pode impor nada a ninguém, porque é um Presidente enfraquecido quando não tem o poder de dissolução”) e desmascarou as vestes conservadoras de alguns socialistas envergonhados (“eu acho muito estranho que haja membros do Partido Socialista que gostassem de estar sequestrados, de estar capturados; parece aquele síndrome de Estocolmo de a pessoa que está raptada e se apaixona pelo raptor; isto é, a direita tinha o sistema capturado e pelos vistos há pessoas dentro do Partido Socialista que gostavam disso e gostam disso”).
Mas JRN fez ainda mais ao explicitar um eventual “absurdo” que muitos têm invocado como a solução de recurso para Cavaco. A saber: “um governo ser demitido na Assembleia e depois o Presidente, em vez de fazer o que lhe compete que é nomear então um novo governo, manter o governo demitido em funções por sete meses”. Uma situação “absolutamente inconstitucional”, como também foi obrigado a reconhecer um desconfortado Paulo Mota Pinto que bem ia tentando colocar habilidosamente algumas vírgulas restritivas no discurso do seu opositor de debate.
Um inesperado e aparentemente ficcionado momento televisivo, que a recém-pronunciada declaração de António Costa à saída da sua audiência presidencial acaba de tornar premonitório e pleno de atualidade!
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