(Antecipam-se
tempos quentes e o Parlamento estará ao rubro)
No meu guia pessoal para
o amortecimento de perplexidades, tinha previsto que a personagem Cavaco iria
ter protagonismo. Sou dos que antecipei no tempo que Cavaco iria ter um penoso
fim de mandato e a minha única dúvida era se a penosidade iria também abater-se
sobre os portugueses. Há traços de personalidade e de caráter que voltam sempre
a manifestar-se, por mais ocultos ou atenuados que os seus portadores os
pretendam manter. É o caso de Aníbal Cavaco e Silva. O personagem bem pode
pretender passar uma imagem de que pensa em função de todos os portugueses, mas
aquela pose hirta e desajeitada a qualquer momento deixa antever o que lhe vai
na alma. Bem pode querer passar um estatuto de fazedor de consensos que nós
rapidamente intuímos de que consensos se trata.
Assim aconteceu ontem na
sua comunicação ao país. Cavaco podia se efetivamente o quisesse comunicar que
indigitaria Passos Coelho e a coligação para formar governo, fundamentando a
sua decisão com a prática constitucional portuguesa dos anos de democracia. E
podia simplesmente apelar aos deputados da nova Assembleia da República para
que ponderassem bem as decisões de aprovação ou rejeição do novo programa de
governo. Ponto.
Mas não foi assim.
Resolveu atiçar a esquerda, entrando por uma tortuosa investida sobre os
programas dos partidos em negociações e arvorando-se em intérprete supremo dos
mercados e dos interesses dos investidores internacionais, mais objetivamente
como agitador e instabilizador desses mesmos mercados. Ora, não são os
programas dos partidos que estão em causa, mas sim o programa de governo que
estarão a negociar e não interessa se é mínimo denominador comum daqueles
programas. O atiçador de Boliqueime regressou. Para Cavaco há partidos que
podem governar e outros que devem ser apenas folclore parlamentar. A sua
conceção de democracia para os mercados emergiu ontem cristalina como nunca. O
PS agradece, pois é com ameaças desta natureza que se reforça união. O PCP e o
Bloco de Esquerda (mas que bela entrevista a quente de Catarina Martins a
Judite de Sousa) encontraram a motivação certa para um maior pragmatismo. Até
aqui a única lógica de demarcação que saiu das eleições foi a favor e contra o
governo. Agora há uma mais, a favor ou contra o presidente. Cá para mim, se
fosse o Professor Marcelo começava a deixar algumas palavras a abater,
comunicando que faria de outra maneira. A passadeira vermelha parece estar um
pouco enrodilhada. Sampaio da Nóvoa tem aqui uma réstia de oportunidade e as
Presidenciais adquirem novos cambiantes.
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