domingo, 18 de outubro de 2015

VOLTANDO UM POUCO ATRÁS



É realmente de uma grande sabedoria prática a mensagem contida naquela velha máxima de que não há uma segunda oportunidade para causar uma boa primeira impressão. E nestas últimas eleições legislativas que por cá se realizaram, gerando a bagunça a que se vai assistindo, foi o “marqueteiro” brasileiro contratado pela coligação de direita quem no-lo veio recordar ao fazer aplicar com mestria uma versão algo distorcida da mesma pelos representantes do PSD e do CDS que às 20 horas do dia 4 se vieram plantar à frente dos microfones a clamar repetida e sorridentemente “vitória, vitória, Portugal, Portugal”. Podendo não parecer, esse momento marcou em definitivo tudo o que se seguiu, com a enorme ajuda de quase toda a comunicação social (dividida entre a facilidade da preguiça e a obrigatoriedade de agradar ao patronato) e a agravante do amadorismo de um PS cujos responsáveis/militantes/simpatizantes invariavelmente começavam as suas declarações ou entrevistas com a irritante frase “a coligação venceu e o PS perdeu” – mas porquê persistir neste modelo de espera pelo apuramento de resultados assente num happening convocado para o Altis que se constitui num autêntico desfile de alguns jeitosos e muitos vaidosos sempre prontos a abrir a cloaca antes de qualquer certeza/assimilação do ocorrido e de a direção política dizer o que se lhe apraz?


O único facto verdadeiro em todo este simplório rescaldo eleitoral acabou por ser o de que a coligação teve 6% mais votos do que o PS. Ganhou? Sim, ganhou porque teve mais votos, mas um processo eleitoral é algo mais complexo do que um jogo de futebol, fazendo com que as vitórias em última instância acabem por depender da relação de forças parlamentar que sai das urnas. Ora, a direita não apenas perdeu votos e mandatos para todos os outros partidos como sobretudo não alcançou uma maioria absoluta capaz de lhe garantir um governo com apoio parlamentar.

Mas, a dar-se sentido à tese que aqui procuro sustentar, o problema é que o mal estava feito e, não contentes com isso, muitos dignitários socialistas continuariam nos dias seguintes a repetir que o seu partido perdeu ou até que foi o maior derrotado destas eleições em que ganhou 12 mandatos face a 2011. Ou seja, e é este o ponto a que quero chegar: foi, a meu ver, uma componente da estratégia da direita aquele seu prematuro grito de vitória que nela fixou para sempre (eis a tal primeira impressão, não necessariamente boa no caso) a perceção de uma boa parte daquela maioria de cidadãos anónimos que esperavam as 20 horas tão vagamente desinteressados quanto só queriam saber quem tinha ganho para logo mudarem de canal à procura de outros motivos de interesse. Tornaram-se assim dados adquiridos quer a vitória de uma coligação que, vista a coisa de outras perspetivas, até foi fortemente penalizada quer a derrota (grande derrota ou a maior das derrotas, acrescentaram alguns) de um PS que, tendo ficado aquém dos seus objetivos, acabaria transformado em charneira de todo o quadro político pós-eleitoral – absolutamente inusitado!

Mas pior. Dado que aquela maioria de cidadãos anónimos desconhece e não pretende conhecer os ditames da lei constitucional, facilmente se passou à segunda fase do discurso espertalhaço da direita (novamente coadjuvado pela imensa quantidade de analistas e comentadores, alguns verdadeiramente impensáveis, que quiseram vir por a nu a sua vergonhosa parcialidade): acusar de todas as maneiras Costa de pretender o poder a todo o custo ao alegadamente transformar uma enorme derrota numa vitória através de uma aliança com os leprosos partidos à sua esquerda. Acontece que, por razões que só iremos compreender em toda a sua extensão no decurso de próximos capítulos, esses partidos de esquerda mexeram pela primeira vez na história democrática portuguesa e assim não só passaram a certidão de óbito ao abstruso conceito de “arco da governação” como também permitiram que se passasse a vislumbrar uma outra (e aliás única) alternativa parlamentar de governo.

Aqui chegado, não posso deixar de sublinhar quanto desprezo me merecem também os muitos socialistas dos interesses (incluindo os de real expressão, os de fação e os do favorzinho) e/ou do entertainment que, mesmo desconhecendo os moldes e os trâmites das negociações em curso sobre a eventualidade de um governo do seu partido com apoio parlamentar à sua esquerda, não têm parado de se pronunciar em contrário relativamente à matéria. Interrogo-me sobre o que farão estes senhores num partido político. Sim porque, em boa verdade, não deveria bastar que eles encham a boca de louvores à dita organização pelo facto de lhes admitir sem qualquer sanção as suas pequeninas manifestações de recreação/afirmação pessoal – aderir a um partido deveria corresponder a querer ser responsavelmente parte de um coletivo que, reunido pela força de grandes valores comuns, define democraticamente uma estratégia e uma tática a implementar tendo por implícita a aceitação de uma significativa diluição das posições individuais (sob pena de prejuízo sério, como agora vamos observando no caso do PS, dos objetivos coletivos). Mas estes a que me refiro falam, falam, falam sem parar – uns (como Vera Jardim, João Proença ou Carlos Silva) por interposta conta e ordem, outros (como Álvaro Beleza, Carlos Zorrinho ou Brilhante Dias) em saudosa memória de alguém e outros ainda (como Sérgio Sousa Pinto, José Luís Carneiro ou Francisco Assis) por diferenciadas razões umbilicais, entre um diletantismo inconsequente, um pedantismo saloio ou uma filosofia barata e baseada em que tanto se há de palrar que lá se há de chegar...

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