(Antecipando
algumas cenas de novos capítulos …)
Um domingo macambúzio e sonolento como este não dá para grandes exercícios
de análise política. Mas dará pelo menos para clarificar pensamento e
expectativas, procurando antecipar algumas cenas de próximos capítulos.
António Costa terá trocado as voltas a quem projetou nos resultados de 4 de
outubro uma sua demissão de fim de noite, provocada pelo peso da derrota, não
propriamente em termos de votos e deputados alcançados, mas sobretudo por ter
ficado substancialmente abaixo da fasquia que justificou a sua ascensão à
liderança do PS. Tendo em conta o teor dos últimos dias de campanha, muita
gente projetou essa demissão a pensar que um PS mais cordeirinho iria emergir, na
senda das aproximações e recuos de António José Seguro à maioria. Um acordo rápido
de governo surgiria com os mercados encantados e lá se abriria um novo ciclo
político.
Mas Costa é osso duro de roer, vê-se que gosta da adrenalina de ir à luta, e
com esse propósito baralhou as expectativas dos que viam neste resultado a
domesticação definitiva do PS. Esse cenário não está irreversivelmente afastado.
Mas a abertura de conversações com os partidos à esquerda do PS e o facto de se
ter compreendido que a maioria também estava a olhar para a formação do governo
de forma pouco séria (Teresa de Sousa pergunta finamente por que razão Passos
Coelhos ri daquela maneira e tem toda a razão para o fazer) lançou a confusão
entre as hostes. Ei-los que saltam assustados com os cenários possíveis que não
o da domesticação do PS. Todos muito patriotas. Todos enfim convencidos que a
interpretação dos resultados de 4 de outubro parece mais complexa do que se
antevia. E ainda com a incompetência das entidades que levam a receção dos
votos da emigração para além do admissível e talvez mostrando bem em que estado
estão as representações do Estado português no estrangeiro. Mas todos muito
patriotas.
E com algum jornalismo económico a fazer de oráculo dos mercados e a
anunciar o caos se o PS não aceitar de bom grado a sua domesticação, muito patriótica
claro está. José Gomes Ferreira é bem o patriarca dessa antecipação de consequências.
Estou convencido que o homem se projeta como o representante desses mercados. Todos
se espantam com a passagem de Costa o derrotado a Costa o homem que tem nas mãos
a chave da solução.
Mas o que penso de tudo isto? Continuo a achar coerentemente que Costa faz
bem em dialogar à sua esquerda. Não necessariamente porque acredite ou defenda que
seja possível no contexto atual de fragilidade da situação económica, bem mais
frágil do que a gigantesca campanha de ocultação da maioria o fez crer. É simbólico
que os despedimentos tenham aparecido um dia após as eleições e não por força
dos resultados. É também simbólico que agora se pense que a AutoEuropa pode não
ficar totalmente imune ao escândalo Voslkswagen. É também simbólico que as instituições
internacionais permaneçam pelo menos agnósticas quanto ao futuro económico
imediato do país. Nestas condições, a margem de manobra para uma governação totalmente
à esquerda é muito reduzida. Mas Costa faz bem em dialogar. Por que razão? Porque
pode junto dessas forças políticas e do seu eleitorado ser uma espécie de
porta-voz indireto nas negociações com a maioria, vincando alguns aspetos que a
maioria terá de aceitar se quiser governar pelo menos dois anos. Fazendo-o
Costa mostra inclusivamente a Cavaco que é preciso considerar o peso de 20% de
eleitorado que se identificou com as mensagens do PCP e do Bloco de Esquerda.
O caminho é crítico e não isento de riscos. Dois riscos sobrelevam entre os
demais. Primeiro, Costa pode perder o pé internamente. Há muitos paninhos
quentes no PS que trocariam algumas migalhas de acesso aos frutos marginais do
poder pela coerência. É nestas ocasiões que se vê quem efetivamente são e o que
representam as figuras e os figurões. Por exemplo, nunca olharei do mesmo modo
as personalidades que vão refugiar-se no colinho de Belém. Segundo, a maioria
pode habilmente governar de tal modo que se perfile numas próximas eleições a
um ano ou dois como uma força bloqueada na sua autoridade pela esquerda
parlamentar e com isso arrancar para uma maioria absoluta.
As cenas dos próximos capítulos dependerão sobretudo do caráter concreto do
que estará em cima da mesa para negociar, da maioria para a negociação e do PS
para esta última, respaldado ou não pelo diálogo à esquerda. Até lá, uma grande
parte da comunicação social abater-se-á sobre António Costa pressionando-o até à
medula e agitando todos os fantasmas do que os mercados poderão fazer para
vergar a maioria de esquerda parlamentar. As baterias estão já preparadas para
essa ofensiva. Os soldados de ocasião não faltarão. Tal ofensiva valerá muitas
promoções. E até a UGT e o amigo de Ricardo Salgado estão incomodados com a viragem
à esquerda do PS. Mas quanto mais pressionado mais no centro da solução, esse é
que é o paradoxo da derrota eleitoral de António Costa.
Sem comentários:
Enviar um comentário