domingo, 11 de outubro de 2015

LABIRINTOS DA FORMAÇÃO DE UM NOVO GOVERNO




(Antecipando algumas cenas de novos capítulos …)

Um domingo macambúzio e sonolento como este não dá para grandes exercícios de análise política. Mas dará pelo menos para clarificar pensamento e expectativas, procurando antecipar algumas cenas de próximos capítulos.

António Costa terá trocado as voltas a quem projetou nos resultados de 4 de outubro uma sua demissão de fim de noite, provocada pelo peso da derrota, não propriamente em termos de votos e deputados alcançados, mas sobretudo por ter ficado substancialmente abaixo da fasquia que justificou a sua ascensão à liderança do PS. Tendo em conta o teor dos últimos dias de campanha, muita gente projetou essa demissão a pensar que um PS mais cordeirinho iria emergir, na senda das aproximações e recuos de António José Seguro à maioria. Um acordo rápido de governo surgiria com os mercados encantados e lá se abriria um novo ciclo político.

Mas Costa é osso duro de roer, vê-se que gosta da adrenalina de ir à luta, e com esse propósito baralhou as expectativas dos que viam neste resultado a domesticação definitiva do PS. Esse cenário não está irreversivelmente afastado. Mas a abertura de conversações com os partidos à esquerda do PS e o facto de se ter compreendido que a maioria também estava a olhar para a formação do governo de forma pouco séria (Teresa de Sousa pergunta finamente por que razão Passos Coelhos ri daquela maneira e tem toda a razão para o fazer) lançou a confusão entre as hostes. Ei-los que saltam assustados com os cenários possíveis que não o da domesticação do PS. Todos muito patriotas. Todos enfim convencidos que a interpretação dos resultados de 4 de outubro parece mais complexa do que se antevia. E ainda com a incompetência das entidades que levam a receção dos votos da emigração para além do admissível e talvez mostrando bem em que estado estão as representações do Estado português no estrangeiro. Mas todos muito patriotas.

E com algum jornalismo económico a fazer de oráculo dos mercados e a anunciar o caos se o PS não aceitar de bom grado a sua domesticação, muito patriótica claro está. José Gomes Ferreira é bem o patriarca dessa antecipação de consequências. Estou convencido que o homem se projeta como o representante desses mercados. Todos se espantam com a passagem de Costa o derrotado a Costa o homem que tem nas mãos a chave da solução.

Mas o que penso de tudo isto? Continuo a achar coerentemente que Costa faz bem em dialogar à sua esquerda. Não necessariamente porque acredite ou defenda que seja possível no contexto atual de fragilidade da situação económica, bem mais frágil do que a gigantesca campanha de ocultação da maioria o fez crer. É simbólico que os despedimentos tenham aparecido um dia após as eleições e não por força dos resultados. É também simbólico que agora se pense que a AutoEuropa pode não ficar totalmente imune ao escândalo Voslkswagen. É também simbólico que as instituições internacionais permaneçam pelo menos agnósticas quanto ao futuro económico imediato do país. Nestas condições, a margem de manobra para uma governação totalmente à esquerda é muito reduzida. Mas Costa faz bem em dialogar. Por que razão? Porque pode junto dessas forças políticas e do seu eleitorado ser uma espécie de porta-voz indireto nas negociações com a maioria, vincando alguns aspetos que a maioria terá de aceitar se quiser governar pelo menos dois anos. Fazendo-o Costa mostra inclusivamente a Cavaco que é preciso considerar o peso de 20% de eleitorado que se identificou com as mensagens do PCP e do Bloco de Esquerda.

O caminho é crítico e não isento de riscos. Dois riscos sobrelevam entre os demais. Primeiro, Costa pode perder o pé internamente. Há muitos paninhos quentes no PS que trocariam algumas migalhas de acesso aos frutos marginais do poder pela coerência. É nestas ocasiões que se vê quem efetivamente são e o que representam as figuras e os figurões. Por exemplo, nunca olharei do mesmo modo as personalidades que vão refugiar-se no colinho de Belém. Segundo, a maioria pode habilmente governar de tal modo que se perfile numas próximas eleições a um ano ou dois como uma força bloqueada na sua autoridade pela esquerda parlamentar e com isso arrancar para uma maioria absoluta.

As cenas dos próximos capítulos dependerão sobretudo do caráter concreto do que estará em cima da mesa para negociar, da maioria para a negociação e do PS para esta última, respaldado ou não pelo diálogo à esquerda. Até lá, uma grande parte da comunicação social abater-se-á sobre António Costa pressionando-o até à medula e agitando todos os fantasmas do que os mercados poderão fazer para vergar a maioria de esquerda parlamentar. As baterias estão já preparadas para essa ofensiva. Os soldados de ocasião não faltarão. Tal ofensiva valerá muitas promoções. E até a UGT e o amigo de Ricardo Salgado estão incomodados com a viragem à esquerda do PS. Mas quanto mais pressionado mais no centro da solução, esse é que é o paradoxo da derrota eleitoral de António Costa.

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