(Notas
sobre uma crónica de Ferreira Fernandes no DN, num registo cada vez mais
necessário para vencer a nossa modorra)
A crónica de Ferreira Fernandes chama-se “O nicho de Jerónimo e o resto do país” e inscreve-se numa necessidade óbvia que é a de analisar
mais profundamente o que se passa à esquerda do PS. Ao contrário do que muito
boa gente pensa, o que se passa à esquerda do PS é para seguir com atenção. Por
duas razões. Primeiro, porque essa dinâmica vai interagir com a dinâmica de
clarificação interna do PS. Segundo, porque a instabilidade estrutural indutora
de radicalismo que se vive na Europa vai impactar seriamente a esquerda da
esquerda que tem experiência de governação.
A CDU, mais propriamente o PCP, tiveram no ato eleitoral de 4 de outubro
segundo a sua própria leitura uma vitória, alicerçada naquele princípio de
crescer um bocadinho para permanecer na mesma. E temos de convir que a
resiliência do PCP é notável, sobretudo no plano comparativo europeu de forças
similares hoje devotadas a situações minoritárias. A figura de Jerónimo de
Sousa ajusta-se como uma luva ao imobilismo aparentemente progressivo. A sua
bonomia, a sua simpatia natural, as suas raízes operárias e de povo que lhe
garantem uma presença de naturalidade espontânea, a sua perspicácia política
contribuíram para reduzir senão mesmo erradicar a imagem de agressividade
instalada na sociedade portuguesa na sequência dos acontecimentos do PREC.
Aliás, é espantoso como essa imagem rapidamente muda quando o palco é proporcionado
a alguns intelectuais orgânicos do partido ou à linha dura mantida regra geral
por detrás das cortinas. Cheguei a admitir que o rejuvenescimento operado nos
últimos anos, com a chegada à exposição mediática de alguns jovens quadros do
PCP, iria produzir alguns efeitos, mas a perceção que emerge é que 15 ou 20
assentos parlamentares seria indiferente. O objetivo é simplesmente permanecer.
Sobretudo agora que tendo assumido uma posição mais declaradamente anti- Euro,
sem contudo investir no aprofundamento da gestão das consequências da saída do
euro, o PCP se coloca numa posição de protesto imobilista.
As possibilidades do PCP jogar o jogo da governação são remotas, muito
remotas. Talvez só numa situação de catástrofe nacional, em que fosse
necessário um efetivo governo de salvação nacional, ou seja uma solução
patriótica de último recurso, poderia seduzir o PCP a uma exposição
governativa.
O curioso desta questão é que o caso do Bloco de Esquerda não pode ser
analisado segundo o mesmo modelo. O efeito crescimento do Bloco não é neutro,
sobretudo pelas implicações que tem no PS. Vale a pena seguir com atenção a sua
futura ação parlamentar. Ela pode oscilar entre duas situações possíveis: a
situação de para … lamentar e a de contributo para alguma produção legislativa,
por mais pontual que seja, que dê corpo a alguma regulação de esquerda, como
por exemplo no plano da accountability
do setor bancário e financeiro.
Poderá discutir-se se o crescimento do Bloco (não muito significativo face
ao seu melhor resultado no passado) poderá prefigurar a emergência de um SYRIZA
português. Tudo dependerá da evolução da situação interna do PS. Só a “Paokização”
do PS a prazo poderia precipitar um crescimento do Bloco para modelos de
governação mais à esquerda. E isso não está na margem de manobra do Bloco, mas
antes na lucidez interna do PS.
A seguir com atenção.
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