sexta-feira, 9 de outubro de 2015

ALGO MUDOU … MESMO QUE NÃO SE CONCRETIZE




(Ou como é possível na agitação política dos tempos que correm encontrar sinais de que as eleições clarificam sempre…)

Estou entre os que consideram que a consulta democrática é sempre clarificadora, por mais embustes e manipulações que precedam a sua realização. Por isso, ainda um pouco atordoado pela sequência infernal de acontecimentos e pela cacofonia estridente que nos rodeia, dou comigo a pensar que nada será diferente a partir do momento em que a consulta popular, embora dando a vitória à coligação, mostrou também aos diretórios do PS, do PCP e do Bloco de Esquerda que não queriam que a coligação governasse, pelo menos do mesmo modo como o fez nos últimos 4 anos. E uma convergência muito particular de registos aconteceu: por um lado, António Costa embora com os seus objetivos derrotados nas urnas e por isso fragilizado sobretudo para dentro do seu próprio partido mostrou à evidência que é atualmente a única personagem política da esquerda que pode aspirar a agitar as hostes dessa mesma esquerda, levando-a a discutir aspetos concretos de governação; por outro lado, PCP e Bloco de Esquerda parece que finalmente compreenderam que o seu eleitorado de protesto aspira a algo mais e que ele não aceitará que a inércia determine que o posicionamento político dessas forças conduza a que a maioria governe outra vez e do mesmo modo.

Isto não significa obviamente que esteja a apostar na elevada probabilidade de formação de um governo de esquerda com maioria parlamentar. O que estou a dizer é que nada será igual nesta matéria. O paradoxo da situação é que, perdendo nas urnas, António Costa terá conseguido levar à prática a sua ideia repetidamente reiterada no Quadratura do Círculo de que era necessário retirar o PCP e o Bloco de Esquerda, alargando o espectro de governações. É que neste caso o voto de protesto não foi apenas de protesto. Foi mais do que isso. Foi a revelação de uma vontade de que a maioria não poderia continuar a governar. E as direções políticas do PCP e do Bloco compreenderam essa situação. Aliás, tive o cuidado de assinalar o tom paradoxalmente circunspecto com que Mariana Mortágua e Marisa Matias (Bloco) comentaram na noite eleitoral o êxito da sua força política ao mesmo tempo que confirmavam a permanência da direita no topo das preferências eleitorais dos portugueses. Nesse momento, aquelas duas promessas da política portuguesa compreenderam que nada seria igual a partir daquela noite.
A construção de uma alternativa relativamente estável em torno de uma maioria de esquerda, incluindo a esquerda mais radical, é coisa que levará tempo e não se concretizará provavelmente num período mesmo que alargado para a constituição de um governo. Mas o importante foi tornar público que isso não era uma impossibilidade e vem ao encontro do que sempre pensei: essa alternativa a ser construída não resultaria nunca de uma nova força política (que me desculpem Rui Tavares e o Jorge Bateira). O processo teria sempre de acontecer na sequência de um contexto político mutável e das suas consequências sobre as forças políticas que podem protagonizar essa convergência.

Bastou a confirmação de que essa aproximação não era impossível para que os demónios da direita se incendiassem e o reacionarismo mais primário viesse ao de cima, com relevo para a verdadeira dimensão do CDS que tem a sua costela democrática colada com cuspe. Em muita daquela gente, democracia equivale a pose que não resiste à mínima pressão. Até António Lobo Xavier ontem no Quadratura do Círculo, rendido aos seus interesses de classe, precisou de invocar a idade para se demarcar de Jorge Coelho. Dizia ele que compreendia que para a geração de Jorge Coelho o reconhecimento ao PCP pelo contributo para o derrube do fascismo salazarista era lógico e historicamente justificável. Mas que para a geração dele a luta tinha sido outra, a da luta contra o risco de aplicação em Portugal de uma democracia popular construída em torno da hegemonia do PCP e que por isso não podia colocar no mesmo prato da balança “a maioria + PS” e “PS + Esquerda radical”. Este argumento de ALX é um argumento de derrota anunciada. Quando ele coloca a questão no plano etário, também poderia dizer-lhe que para as gerações mais novas do que ele essas diatribes do PCP e da extrema-esquerda em Portugal ou pertencem simplesmente à história ou ninguém delas se recorda.

E também após o ato eleitoral em Portugal é hoje percetível que a democracia está condicionada pelo afunilamento do projeto europeu e sobretudo pela indecente adesão da social-democracia europeia, tão bem representada no franjinhas do Eurogrupo, ao TINA. Uma das condições inquestionáveis para que um simples simpatizante do PS como eu continue a depositar esperanças numa força política que, estou certo, irá atravessar nos próximos tempos uma profunda convulsão política, é o seu compromisso para que na medida das suas possibilidades (condicionadas pela dimensão do país) não entregue os pontos na frente europeia. É preciso continuar a desmontar o aperto democrático a que a União Europeia nos está a conduzir e olhar as eleições europeias com mais seriedade e poder de combate. E não são forças políticas apenas que podem ajudar a ir montando essa desconstrução. Há muito pensamento independente por esse mundo fora e sobretudo do lado de lá do Atlântico que pode ser um auxiliar precioso dessa batalha. É por isso que acaba por ser falsa e enganosa a ideia de que existe um limite inultrapassável entre o PS de um lado e o PCP e o Bloco do outro em matéria europeia. O PS não tem de renunciar aos compromissos europeus para poder ser crítico da construção europeia atual. Pode por exemplo renunciar de vez ao modelo de decisões europeias sem respaldo e consulta democrática dos parlamentos e populações. Pode também continuar a combater a política macroeconómica europeia de sentido único, profundamente criticada a nível internacional, construída em torno das posições alemãs que não são as mais apropriadas para enfrentar o contexto de estagnação estrutural em que as economias de mercado estão mergulhadas. Estas questões interessam às três forças políticas e não implicam que o PS se confunda com a ideia de anti-europeísmo.

O que parece evidente é que a maioria e os seus apaniguados usam hoje a questão europeia como um instrumento de condicionamento poderoso. O seu europeísmo é cínico e meramente instrumental. Por mais emergente e sólida que seja a ideia do muro europeu mais isso interessa à maioria. Ora como a história nos ensinou não há muros que resistam à força da história.

Tudo isto é pertinente ainda que o escreva antes de conhecer os resultados do encontro entre a maioria e Costa e ainda também antes do encontro de segunda-feira entre Costa e o Bloco.

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