quinta-feira, 22 de outubro de 2015

POR QUE RAZÃO (ÕES) O NORTE E O CENTRO NÃO CONVERGEM? Take 3




(Reflexões de suporte a uma apresentação junto da missão em Portugal da Direção-Geral da Política Regional e Urbana da Comissão Europeia designada de “Processo de Convergência/divergência das regiões portuguesas: o caso das regiões Norte e Centro, ADC Lisboa, 26 de outubro de 2015)

O take 3 trata dos sistemas regionais de inovação em formação no Norte e no Centro como uma das poucas, senão única, esperanças para inverter o rumo da divergência em que estas regiões estão mergulhadas. Discute-se também a sua operacionalização em termos de modelo de governança.

Tema 3 – Como dar existência institucional e de governança aos sistemas de inovação em formação dos territórios densos e clusterizados do Norte e do Centro?

Os territórios mais densos, urbano-industriais com forte imbricação com territórios rurais de proximidade, do litoral das regiões NUTS II Norte e Centro, acolhem sistemas produtivos de PME e forte tradição de entrepreneurship, com acentuada vocação exportadora. São territórios com uma forte clusterização de atividades industriais centradas no upgrading dos setores que protagonizaram a história da industrialização em Portugal. Estes territórios constituem também os territórios de entorno natural das universidades do Minho, do Porto, de Aveiro e de Coimbra, sobretudo das suas componentes de investigação e formação superior ligadas às engenharias, à biologia e biotecnologia, aos sistemas de informação e às ciências da vida, combinando por isso domínios com predomínio de conhecimento analítico e sintético.

Nos tempos mais recentes, em torno destas universidades e do seu potencial de investigação, nacional e internacionalmente reconhecido, emergiram ecossistemas de instituições de transferência de conhecimento e de tecnologia, de matriz essencialmente universitária, mas também de instituições e infraestruturas de base tecnológica, de orientação setorial ou mais focada em tecnologias horizontais, com forte proximidade às empresas e canalizando para os centros de investigação a sinalização de necessidades de inovação empresarial. Em trabalhos anteriores, chamei a devida atenção para a transição efetiva que estava a verificar-se nestes territórios para a formação do que na literatura da economia da tecnologia se chamam sistemas regionais de inovação (SIR). Não vou entrar na discussão se devemos tratar esses ecossistemas de inovação como um único sistema regional de inovação Norte-Centro ou se, pelo contrário, poderemos trabalhar pelo menos numa primeira fase como se de sistemas regionais de inovação individualizados se tratasse. O trabalho de cooperação entre a equipa do ICS liderada por João Ferrão e a Fundação Calouste Gulobenkian designado de NOROESTE GLOBAL orienta-se para aquela primeira hipótese. Para os efeitos desta exposição é uma questão secundária, pelo menos enquanto não discutirmos o seu modelo de governação. O que interessa destacar são algumas ideias centrais com influência na resposta à questão de saber por que razão estas regiões não têm convergido:

  • Trata-se de sistemas em que começa a ser visível o foco de organização em torno da empresa como entidade organizacional cujos desafios de inovação se jogam no seu interior e na sua envolvente de proximidade;

  • Estamos perante sistemas de PME em que a inovação pode ser promovida em contexto de presença no mercado mundial e onde vender ou procurar oportunidades no mercado internacional não é nenhum bicho-de-sete cabeças;

  • Trata-se de um sistema institucional em que começa a registar-se uma especialização das infraestruturas de investigação e de desenvolvimento tecnológico em função do seu grau de proximidade às empresas: entidades mais próximas das necessidades e da cultura das empresas estão em parceria com entidades mais próximas da investigação e da produção de conhecimento;

  • Existem condições de produção de recursos humanos avançados assinaláveis, sobretudo se existir capacidade de fixação face às ameaças da atração por centros internacionais;

  • Os FEIE têm realizado um esforço considerável de concentração de apoios nestas dinâmicas, visando sobretudo consolidar massas críticas, com particular destaque para o apoio a formas efetivas de interação entre a investigação científica e a transferência de conhecimento para as empresas;

  • O contributo destes sistemas de inovação é ambivalente: tanto podem oferecer um contributo valioso à modernização e qualificação dos setores de especialização histórica (como acontece, por exemplo, no calçado e nos têxteis técnicos), como abrir caminho à diversificação para novas áreas de especialização, como os sistemas de informação, as ciências da vida e a automação e a própria exploração das oportunidades na economia do mar;

  • Estes sistemas são e estão no coração das Estratégias Regionais de Especialização Inteligente (EREI) das duas Regiões para o período de programação 2014-2020;

  • Não dispõem de modelos ou de modelo de governação consequente e operacional;

  • Trata-se de sistemas ainda carenciados de “tecnologias sociais” (regras e culturas de inovação, de mérito, de risco, de aproximação e de abertura às empresas) cuja coevolução é fundamental para o êxito dos sistemas de inovação.


A relação entre estes sistemas regionais de inovação e o investimento empresarial capaz de inverter o ciclo de divergência em que as regiões Norte e Centro estão neste momento mergulhados está no centro da mudança estrutural da economia portuguesa. As indústrias high-tech e a concentração de serviços intensivos em conhecimento que a região de Lisboa pode promover e acolher não bastam por si só para tornar essa mudança irreversível. Mas mudança estrutural significa maturação, tempo relativamente longo, sobretudo devido às necessidades de coevolução das tecnologias físicas e das “tecnologias sociais”, estas últimas com forte repercussão na organização empresarial. Esse tempo de maturação está seguramente para além da duração de um período de programação, não esquecendo que o período de crescimento anémico da década de 2000 não deixou de ser um período de alguma mudança estrutural. O que parece fundamental nesta matéria, dada a relevância crucial dos FEIE na política pública de inovação, é assegurar continuidade de efeitos entre os períodos 2007-2013 e 2014-2020, consolidando os esforços do primeiro e abrindo caminho à efetiva concretização das prioridades das EREI no segundo.

Na minha interpretação, é deste movimento e do grau de maturação destas dinâmicas que poderá resultar a inversão das condições de divergência. Quanto mais sólida for a acima referida relação entre estes sistemas regionais de inovação e o investimento empresarial mais intenso será o seu contributo para essa inversão de tendência e para a redução do gap de produtividade. Só com esse contributo as duas regiões poderão absorver a melhoria de qualificação de recursos humanos que está em curso do ponto de vista da oferta de qualificações ao mercado e às empresas. Só com esse contributo será possível evitar a trágica perda de investimento em capital humano acumulado pelo país nos tempos mais recentes, o qual poderá esvair-se na diáspora qualificada sem perspetivas relevantes de retorno.

Uma pergunta chave a fazer deve entretanto ser colocada sem rodeios: para que este contributo se confirme será suficiente o upgrading (em termos de inovação, internacionalização e incorporação de conhecimento) do sistema de PME existente reforçado com o empreendedorismo de base tecnológica que tem florescido nos últimos tempos?

Ainda na minha interpretação, o contributo destes SIR em formação seria tremendamente ampliado acaso as duas regiões venham a acolher investimento direto estrangeiro (IDE) considerado estruturante, que demande estes territórios em busca da combinação conhecimento-recursos humanos qualificados com salários atrativos no plano comparativo europeu. A atração desse IDE por via do esforço de investimento numa instituição de investigação científica de grande porte e ambição como foi a aposta nacional e ibérica de localização em Braga do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologias tudo indica não estar a dar os frutos desejados. A massa crítica necessária de investigadores à ambição da notoriedade internacional está ainda muito aquém do inicialmente projetado. Mas a principal limitação parece estar no reduzido envolvimento com as empresas e nos reduzidos contactos com instituições tecnológicas de intermediação com essas mesmas empresas. Também não dou por adquirido que a estratégia nacional de atração de IDE e a instituição que a promove esteja consciente deste potencial.

Em resumo, os SIR em formação no litoral Norte e Centro ou, se preferirem, o SIR em estruturação no Noroeste Global projeta dinâmicas com um elevado potencial de contributo para a inversão do estatuto de “lagging regions”. Disso não tenho dúvidas e existe investigação e material de avaliação que credívelmente o suporta. Que os resultados da maturação dessas dinâmicas possam projetar-se mais rapidamente e em escala suscetível de alteração efetiva das performances médias destas regiões no plano da competitividade já tenho mais dúvidas. Primeiro, porque o tempo dessa maturação pode ser mais lento do que o desejado, sobretudo porque a coevolução das tecnologias sociais atrás referidas pode encontrar resistências. Segundo, porque os atrás mencionados problemas de governança podem comprometer os resultados dos esforços das políticas públicas e dos FEEI.

As margens de manobra são, assim, bastante estreitas. Por isso a questão do modelo de governança desta realidade em maturação nas duas regiões é tão decisiva, vindo aliás ao encontro do tema desta iniciativa. No tempo disponível, gostaria sobretudo de desenvolver duas reflexões em torno deste problema.

A primeira reflexão tem que ver com a necessidade de compreensão e mapeamento rigorosos do sistema para o qual se busca um modelo de governação. E aqui o que me parece crucial destacar é o foco ou o lugar central do sistema de PME. Face a esse foco, parece-me fundamental compreender que as instituições existentes mantêm a esse coração organizacional da empresa distâncias diversificadas. Por isso, o seu lugar no sistema de interações do SIR deve refletir essa diferente proximidade. Para que não haja destruição de recursos, os apoios públicos e dos FEIE não podem torpedear esta condição necessária, ou seja, apoios diferenciados para instituições com funções diferenciadas no SIR.

A segunda reflexão orienta-se para a discussão de que realidade institucional partir para conceber um modelo de governança para toda esta dinâmica promissora em maturação. A experiência portuguesa nestas matérias pauta-se geralmente pelo risco da institucionalização de uma dada dinâmica poder significar rigidificação e morte prematura da mesma. Mas parece poder concluir-se que a conceção de um modelo flexível e operacional deveria partir do ambiente criado em torno das EREI, com acolhimento na orgânica de extensão das CCDR. E é neste campo que tem interesse em regressar ao tema de dois SIR Norte e Centro ou de um único SIR para algo de semelhante ao Noroeste Global da proposta do ICS-Fundação Calouste Gulbenkian. Não será seguramente pelas figuras dos grupos de trabalho. Tenho também dúvidas de que tenha de ter o epicentro organizacional nas Universidades. Pela simples razão de que é nas Universidades que estão algumas das resistências a uma mais rápida coevolução das “tecnologias sociais” de suporte. Mas isso é matéria para mais largos tempos de reflexão e trabalho.

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