quarta-feira, 7 de outubro de 2015

O MACRO ERRO CONTINUA

(Produtividade total dos fatores, EUA e Zona Euro, 1995=100)



(As instituições europeias não dão mostras de querer salvar a face face ao macro erro em que têm estado obstinadamente enredadas)

Paul Krugman continua a ter razão quando vocifera com a incapacidade das instituições europeias aprenderem com as evidências do macro erro cometido na gestão macroeconómica, preferindo a vaguidade de uma ideia de estabilidade financeira ao reconhecimento das insuficiências de procura global que se vêm manifestando pelos principais pilares da economia mundial, incluindo os emergentes.

O economista chefe do Ministério das Finanças alemão, Ludger Schuknecht, a mando seguramente do seu amo e senhor Schäuble, veio no Financial Times de 5 de outubro, num op-ed destinado a mostrar que a Alemanha não dá tréguas, tentar demonstrar que continua a ser tempo de erradicar os estímulos à economia e tratar antes da dívida e da estabilidade financeira. A máxima parece ser agora a de que “resilience, not profligacy, is the foundation of confidence”, mais ou menos que “a resiliência, não as mãos largas, constitui a base da confiança”.

Os alemães parecem assim apostados em levar para o G20 o vírus do macro erro e convencerem os grandes senhores do mundo que enquanto todas as economias aí representadas, incluindo as emergentes, não reduzirem as suas dívidas e limparem as contas públicas, reduzindo os défices, a confiança não voltará.

O problema é que a situação económica mundial começa a evoluir exatamente no oposto da posição alemã, isto é, colocando em evidência que a sanha da confiança e da estabilidade financeira está a agravar a crise de procura global, pelo menos na Europa.

A perceção da evidência tem mais força quando ela é anunciada por gente do sistema e não necessariamente por furiosos dos estímulos à economia. Assim, temos relativamente fresquinhos dois documentos de porte diferente, mas ambos provenientes de instituições do sistema: uma conferência do economista-chefe do BCE e o World Economic Outlook do FMI de outubro de 2015, o primeiro publicado já sob a presença do novo economista-chefe Maurice Obstfeld.

O gráfico acima descreve o comportamento das estimativas de crescimento económico num horizonte de 5 anos ao longo de sucessivos anos na zona euro. O gráfico fala cristalinamente por si. A “confiança” que os alemães tanto reclamam surge bem representada mas pelo seu inverso. A perspetiva de futuro surge sucessivamente deteriorada, apesar das lições ao mundo dos alemães, dando de barato que já não estarão interessados em ensinar o mundo a gerir com fraude a indústria automóvel e que por agora só em matéria de estabilidade financeira se sentem apetrechados para tal. A persistência do gap de produto face ao produto potencial que deveria estar a acontecer se as taxas de crescimento de 2007 tivessem acontecido é demasiado penoso para ser observado (ver gráfico relacionado). E os empréstimos da banca ao setor privado, apesar dos malabarismos da política monetária não ortodoxa (quantitative easing), continuam mortiços. Comparando ainda os comportamentos da produtividade total dos fatores e da procura interna na zona euro e nos EUA, a imagem é confrangedora. Os alemães e as suas extensões comunitárias querem-nos levar à salvação pela destruição. Tal como Krugman o relembra, os alemães parecem esquecer a regra económica básica de que a despesa de alguém é o rendimento de outrem e que por isso a sua busca da salvação pela restrição orçamental tende a agravar uma crise de procura global que é determinada por fatores estruturais de grande influência.


Procura Interna, EUA e Zona Euro

Por sua vez, o World Economic Outlook de outubro de 2015 do FMI, agora sob a chefia de Maurice Obstfeld, lá apresenta uma situação económica global em que três fatores se destacam: a transição do modelo económico chinês, a queda acentuada dos preços das commodities e os receios de que uma normalização precoce da política monetária nos EUA coloquem os emergentes numa fase de extrema dificuldade de adaptação ao novo contexto, sobretudo pelos antecipáveis movimentos de capitais que uma eventual subida das taxas de juro americanas poderão provocar. Não sem surpresa todos estes fatores têm uma relação direta ou indireta com a crise de procura global.

Obstfeld e o FMI não são propriamente revolucionários no modo como projetam o que é recomendável fazer. Lá reclamam um crescimento robusto e sincronizado mas para isso seria necessário que a Europa cumprisse a sua função nesse esquema de sincronização. O que não parece óbvio. Chamam a atenção para a absoluta necessidade de incrementar o investimento, designadamente de infraestruturas, aproveitando as taxas de juro baixas e convidativas. As reformas estruturais aparecem como uma palavra a abater ao estímulo do investimento, agora sob a capa de criação de condições para sustentar e não promover (uma nuance curiosa).

Quer isto dizer que não são os desvairados dos estímulos fiscais a todo o preço que se pronunciam. É gente moderada que começa a perceber que a robustez e sincronização do crescimento exigirá mais tarde ou mais cedo que a estabilidade financeira a todo o preço começa a ter custos insuportáveis. Os fatores estruturais que subjazem a uma crise estrutural de procura estão lá para durar e não é por repetir incessantemente um macro erro que ele se transforma por magia em solução. Eleitoralmente a repetição incessante de uma mentira pode dar frutos. Tem dado. Mas quando os macro erros são mesmo macro e globais as leis da economia, por mais frouxas que elas sejam, acabam por se manifestar.

Lawrence Summers é cá dos meus: curto e grosso para colocar ministros alemães na defensiva - "Policy makers must abandon structural reform rhetoric and embrace fiscal stimulus" (os decisores de política económicas têm que se deixar da retórica das reformas estruturais e assumir os estímulos fiscais). E também não é um maluquinho dos estímulos. O economista-chefe do ministério das Finanças alemão parece ver maluquinhos dos estímulos por todo o lado. Não é seguramente uma demonstração cabal de sanidade. 


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