(Algumas
notas em torno de um artigo do economista Óscar Afonso no Público de hoje)
O professor da Faculdade de Economia do Porto
Óscar Afonso é um economista que tenho em muito boa conta. Hoje a presidir ao
Observatório de Economia e Gestão de Fraude que o Carlos Pimenta dinamizou com êxito
naquela Faculdade, o Óscar Afonso tem um curriculum invejável em termos de
publicação em revistas da especialidade, muito centrado nas questões do crescimento
económico, da tecnologia e do comércio externo. Pode considerar-se um
economista de mainstream, com uma grande
capacidade de modelização e daí provavelmente a sua enorme capacidade de publicação.
Não é por isso um economista qualquer, daí que fosse com alguma expectativa que
parti para a leitura do seu artigo de hoje no Público focado na “Evolução recente da economia do meu país”.
Tenho de confessar que tenho uma grande alergia ao discurso do “meu país”, mas
passando por cima desse pormenor esperaria mais. Rapidamente cheguei à conclusão
que se trata de mais uma evidência de que esta nova geração de economistas da
FEP arrisca pouco, do tipo digo algumas coisas que podem ser consideradas interessantes
mas não me comprometa que estou ainda na evolução de uma carreira.
O artigo divide-se em duas grandes partes: uma parte dedicada à explicação
do que é que precipitou Portugal no pedido de ajustamento externo e uma outra mais
focada nos efeitos do programa de ajustamento.
Sobre a primeira parte, Afonso alinha com aqueles que consideram que o
descalabro conducente ao pedido de assistência externa foi essencialmente o
resultado de um processo de alocação de recursos erradamente orientado para os
não transacionáveis, na sua interpretação confundidos com a exiguidade do mercado
interno. Afonso passa ao de leve pelos constrangimentos ou causas externas,
subvalorizando claramente os efeitos de uma mal calculada integração na zona
euro. Não é sobre esta parte do argumento que se levantam as minhas dúvidas
essenciais. Também sou dos que defendo que o padrão de investimento público
teve um comportamento errado e viciador do modelo de crescimento. Poderia dizer
que há alguma falta de rigor na alocação de responsabilidades exclusivas ao
padrão de investimento público e de gestão das contas públicas, sem atender ao
papel do sistema financeiro e dos movimentos internacionais de capitais na reprodução
desse modelo. Não há também uma palavra sobre o comportamento do investimento
privado. Mas não é na interpretação do que nos conduziu ao pedido de ajuda externa
que me quero concentrar.
Onde me parece que Óscar Afonso que opta pelo não me comprometas é na análise
dos efeitos do programa de ajustamento. A sua utilização do conceito de
reformas estruturais sem o criticar é para lamentar. Embora reconhecendo os
custos em matéria de depressão da procura interna, da quebra do PIB oficial e
do investimento e uma expressão por si só significativa em matéria de coesão
social – “a coesão social evidenciou sinais de deterioração”, Afonso despacha os
efeitos com “Portugal acabou por ter ‘uma saída limpa’ do processo e a hipótese
de uma espiral recessiva parece afastada”. A ligeireza do discurso é
confrangedora e um jornalista qualquer da banalização económica não faria
melhor. Nenhuma palavra para o contexto internacional em que os países do
ajustamento foram obrigados a concretizá-lo, circunstância que bastaria para acautelar
melhor os seus efeitos recessivos, já não falando no mea culpa dos multiplicadores assumido pelo FMI (Blanchard e os
seus economistas). Nenhuma palavra também para a concretização das tais
reformas estruturais, que não se entende bem quais foram. Nenhuma palavra para
o tipo de resultados em matéria de transformação produtiva que o programa de
ajustamento terá determinado. Nenhuma palavra para o facto curioso de ser o consumo
privado que sustenta essencialmente a recuperação do crescimento económico. Nenhuma
palavra para o comportamento da dívida. Nenhuma palavra finalmente sobre o que
a austeridade desproporcionada terá provocado duradouramente no produto potencial
da economia. São muitas palavras a menos.
Afonso tudo aposta na saúde financeira do Estado e na iniciativa privada
voltada para o mercado externo e a sua expressão posterior é emblemática: “na
expectativa de que desse modo haja uma transformação da estrutura produtiva e crescimento
económico sustentado”. Como? Por magia do simples encolhimento do Estado e extroversão
das empresas?
A comparação é significativa: no passado mais afirmativo e contundente; no
presente, falinhas mansas e paninhos quentes. Em sua opinião, algumas coisas são
necessárias (qualificação de recursos humanos, empreendedorismo, qualidade das
instituições sobretudo na justiça e combate à economia paralela) e o desemprego
ainda não se recomenda e as desigualdades são gritantes (enfim uma palavra com
alguma coragem). Mas em seu entender face à dimensão dos desequilíbrios as coisas
poderiam ter sido bem piores. Como o Óscar Afonso bem sabe a questão não é essa. A questão
relevante é saber se para recuperar o acesso aos mercados os custos suportados são
razoáveis. E assim até os economistas com capacidade para ser mais incisivos e
profundos participam alegremente no branqueamento do TINA.
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