quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O ADEUS DE ASSUNÇÃO


(António Jorge Gonçalves, Toon, http://inimigo.publico.pt)

Aconteceu ontem a despedida de Assunção Esteves na Assembleia da República. Tão gongórica quanto forçosamente tinha de ser pela própria natureza do seu ser, a ex-presidente citou um poema de amor de Borges (“De que me vale a vaga erudição quando é tão difícil exprimir aquilo que se sente”) e recordou “uma metáfora de Cervantes no D. Quixote tentando mostrar que o lugar não era o ponto de chegada mas o ponto de partida, que o lugar se constrói todos os dias”, para explicitar que “como o bom senso de Sancho mostrou a D. Quixote, eu tentei carregar comigo uma mistura dos dois, o pragmatismo do Sancho e o idealismo do Quixote – e devo dizer que não me dei mal com isso”.

Mas, também muito à sua maneira, disse ainda: “Eu queria dizer-vos que não deixarei nunca de ser política e de estar na política. A política é o amor ao mundo e eu sinto um imenso amor pelo mundo. Sinto um imenso amor pelo Parlamento. Sinto um imenso amor pela democracia. Sinto que é a política o lugar onde clamorosamente jogamos a nossa existência. Se nós alienamos, alienámo-nos. Se libertamos, libertámo-nos. E é por isso que eu nunca deixarei a política. Porque ela é o caminho que nos dá sentido. Entre o Parlamento e o bairro é aí que nós encontramos a capacidade de ser, a capacidade de fazer, o modo de estar.”

Terá talvez exagerado na confissão de sentir a “alma preenchida", de estar a viver “um estado de alma que me dá uma ideia de, para chegar a este dia, ter valido a pena ter nascido”. Dizer o quê? Que Assunção é isto, tão boa pessoa no seu fundo indisfarçavelmente transmontano quanto desequilibradamente autocentrada e emocionalmente excessiva? Ou que nem sempre soube dourar a pílula do seu serviçal amor ao PSD? Ou, mais essencialmente, que não deixou de representar uma aragem feminina num parlamento ainda demasiado cheio de fatos cinzentos e que, no cômputo geral das contas, até terá acabado por não deslustrar?

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