(Vou votar
decidido mas algo dececionado …)
As últimas sondagens antes da decisão de todas as decisões de 4 de outubro
são algo paradoxais: confirmam a supremacia da coligação de direita mas não
afastam a possibilidade de uma reviravolta de última hora. Essa reviravolta
pode ter duas versões: a coligação poder algo imprevistamente capitalizar as
indefinições de governabilidade puxando-a para a maioria absoluta ou o PS
recuperar a ponto de poder ser ainda a formação mais votada, o que lhe daria um
outro respaldo democrático. Mas tenho de reconhecer que são duas possibilidades
senão inverosímeis, pelo menos de muito reduzida probabilidade de ocorrência.
Dos resultados sugeridos pela cacofonia das sondagens resulta que uma
relevante maioria de oposição às políticas dos últimos quatro anos, que pode
rondar os 60% do eleitorado que se pronuncie, pode diluir-se rapidamente sem
uma agenda de pontos comuns, por mais limitados que eles sejam, para gerar uma
plataforma de entendimento. É verdade que o PS não conseguiu polarizar essa
onda, mas por vezes resulta também que o Bloco de Esquerda e a CDU não elegeram
como objetivo central o derrube da atual maioria. Estão mais interessados em
alargar o seu eleitorado de protesto, sempre mais fácil de o conseguir
permanecendo a direita no poder.
É uma música que estamos fartos de ouvir, embora o libreto possa ir mudando
segundo as circunstâncias. E no contexto atual há razões para reconhecer a
existência de pontos demasiado vincados para possibilitar a referida agenda de
pontos comuns. Ao contrário do que António Lobo Xavier expressava ontem no
Quadratura do Círculo não me parece que sejam o tratado orçamental, a questão
da dívida e a União Europeia em geral a razão para a inexistência de uma agenda
de pontos comuns por mais limitada que ela possa ser. A fratura crucial é o
posicionamento em relação ao euro, porque PCP e Bloco alteraram
substancialmente a sua posição nos últimos anos em relação a esta matéria. É um
facto que, no debate com António Costa, Catarina Martins abriu uma
possibilidade para algum entendimento. Mas pessoalmente duvido profundamente
que seja possível manter o posicionamento face ao euro no quarto dos fundos
para tentar um acordo na sala da frente.
Vou assim votar no PS mas algo dececionado. E a minha deceção não resulta
necessariamente de ter esperado que António Costa conseguisse libertar-se
significativamente do resultado do PS nas europeias e das sondagens de passagem
que António José Seguro ia assegurando para o PS. A crise da social-democracia
e do socialismo europeu é mais profunda do que podemos pensar e não há razões
óbvias que expliquem que em Portugal possa ser diferente. A minha deceção
resulta de matérias em que a prestação de Costa e do PS poderiam ser
substancialmente melhores sem ignorar a crise mais profunda da
social-democracia europeia, bem espelhada na imbecilidade de cobertura política
ao tratado orçamental.
A minha deceção resulta de coisas muito concretas:
·
Numa campanha em que a identificação com os
que foram penalizados desproporcionadamente pelas políticas de austeridade
devia ser considerada um fator decisivo de polarização, trazer para os cartazes
e para a campanha processos de casting com representações arregimentadas e não dar
voz direta e vivida aos penalizados é um erro trágico e de trazer por casa, só
possível pelas “pequeninas “ redes e interesses pessoais que circulam pela
montagem de uma campanha;
·
Iniciar este processo sem uma avaliação
rigorosa do que foi a governação Sócrates, com os seus aspetos positivos e
outros profundamente negativos foi um risco elevado;
·
Elaborar um programa económico, com
cenarização macroeconómica e estimação de custos e impactos de medidas tão
pormenorizadas, fazer desse programa uma bandeira e não o discutir
politicamente no contexto do cenário eleitoral e de adversários em que ele iria
ser brandido como arma de credibilidade é demasiado ingénuo; e mostra bem que,
como diz Robert Reich, a economia é demasiado importante (politicamente e não
só) para ser deixada exclusivamente aos economistas;
·
Não ter em conta o alívio da dose de
austeridade que a maioria começou a realizar a partir de fins de 2013 e os seus
efeitos sobre o consumo e sobre a perceção que isso acarreta da situação global
do país e ignorar a influência dessa ignorância para o contexto em que o
programa Centeno iria ser observado é sobranceria, não encontro outra palavra;
·
Podemos discutir se o programa Centeno aposta
ou não excessivamente na procura interna numa economia com as debilidades de
mercado interno como a economia portuguesa; podemos também discutir se essa
aposta não se justificava como choque de transição e como necessidade para
repor os limiares mínimos de mercado interno que qualquer economia deve ter
independentemente da sua dimensão; podemos discutir tudo isso, mas envolver
nesse choque de consumo e procura um sistema sobre cuja sustentabilidade
estavam todas as baterias de opinião apontadas, a segurança social, não
lembraria ao diabo, sobretudo porque a fragilidade da maioria nessa matéria é
confrangedora; recordo que foi por aqui que começou a grande ofensiva da
maioria relativamente às indeterminações do programa do PS;
·
Disparar no coração da refrega que o PS não
viabilizaria o orçamento da maioria ao mesmo tempo que se apregoa a capacidade
do PS governar à Guterres, isto é, com acordos parlamentares à esquerda e à
direita, é um tiro no pé monumental na pose de Estado e de governação que Costa
tanto gosta de valorizar na sua experiência;
·
Admitir a fragilidade de tentar formar
governo não sendo a formação política mais votada e sem ter alguma vez alinhado
possíveis pontos comuns com a esquerda CDU e Bloco e pressupostamente sem
disposição para negociar pontos de governação seletiva com a coligação de
direita parece-me equivalente a ter perdido o pé e anunciar coisas não muito
boas.
Vou assim votar PS como sempre, dececionado e antevendo que se o PS não for
a formação política mais votada vai entrar num doloroso processo interno de
clarificação de posições, do qual não consigo antever contornos finais. E
sobretudo com o profundo receio de que o malfadado processo
político português possa afastar da intervenção política uma personalidade como
António Costa. Mas que eleições!
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