sexta-feira, 2 de outubro de 2015

FIM DOS PRELIMINARES ELEITORAIS




(Vou votar decidido mas algo dececionado …)

As últimas sondagens antes da decisão de todas as decisões de 4 de outubro são algo paradoxais: confirmam a supremacia da coligação de direita mas não afastam a possibilidade de uma reviravolta de última hora. Essa reviravolta pode ter duas versões: a coligação poder algo imprevistamente capitalizar as indefinições de governabilidade puxando-a para a maioria absoluta ou o PS recuperar a ponto de poder ser ainda a formação mais votada, o que lhe daria um outro respaldo democrático. Mas tenho de reconhecer que são duas possibilidades senão inverosímeis, pelo menos de muito reduzida probabilidade de ocorrência.

Dos resultados sugeridos pela cacofonia das sondagens resulta que uma relevante maioria de oposição às políticas dos últimos quatro anos, que pode rondar os 60% do eleitorado que se pronuncie, pode diluir-se rapidamente sem uma agenda de pontos comuns, por mais limitados que eles sejam, para gerar uma plataforma de entendimento. É verdade que o PS não conseguiu polarizar essa onda, mas por vezes resulta também que o Bloco de Esquerda e a CDU não elegeram como objetivo central o derrube da atual maioria. Estão mais interessados em alargar o seu eleitorado de protesto, sempre mais fácil de o conseguir permanecendo a direita no poder.

É uma música que estamos fartos de ouvir, embora o libreto possa ir mudando segundo as circunstâncias. E no contexto atual há razões para reconhecer a existência de pontos demasiado vincados para possibilitar a referida agenda de pontos comuns. Ao contrário do que António Lobo Xavier expressava ontem no Quadratura do Círculo não me parece que sejam o tratado orçamental, a questão da dívida e a União Europeia em geral a razão para a inexistência de uma agenda de pontos comuns por mais limitada que ela possa ser. A fratura crucial é o posicionamento em relação ao euro, porque PCP e Bloco alteraram substancialmente a sua posição nos últimos anos em relação a esta matéria. É um facto que, no debate com António Costa, Catarina Martins abriu uma possibilidade para algum entendimento. Mas pessoalmente duvido profundamente que seja possível manter o posicionamento face ao euro no quarto dos fundos para tentar um acordo na sala da frente.

Vou assim votar no PS mas algo dececionado. E a minha deceção não resulta necessariamente de ter esperado que António Costa conseguisse libertar-se significativamente do resultado do PS nas europeias e das sondagens de passagem que António José Seguro ia assegurando para o PS. A crise da social-democracia e do socialismo europeu é mais profunda do que podemos pensar e não há razões óbvias que expliquem que em Portugal possa ser diferente. A minha deceção resulta de matérias em que a prestação de Costa e do PS poderiam ser substancialmente melhores sem ignorar a crise mais profunda da social-democracia europeia, bem espelhada na imbecilidade de cobertura política ao tratado orçamental.

A minha deceção resulta de coisas muito concretas:

·        Numa campanha em que a identificação com os que foram penalizados desproporcionadamente pelas políticas de austeridade devia ser considerada um fator decisivo de polarização, trazer para os cartazes e para a campanha processos de casting com representações arregimentadas e não dar voz direta e vivida aos penalizados é um erro trágico e de trazer por casa, só possível pelas “pequeninas “ redes e interesses pessoais que circulam pela montagem de uma campanha;
·        Iniciar este processo sem uma avaliação rigorosa do que foi a governação Sócrates, com os seus aspetos positivos e outros profundamente negativos foi um risco elevado;
·        Elaborar um programa económico, com cenarização macroeconómica e estimação de custos e impactos de medidas tão pormenorizadas, fazer desse programa uma bandeira e não o discutir politicamente no contexto do cenário eleitoral e de adversários em que ele iria ser brandido como arma de credibilidade é demasiado ingénuo; e mostra bem que, como diz Robert Reich, a economia é demasiado importante (politicamente e não só) para ser deixada exclusivamente aos economistas;
·        Não ter em conta o alívio da dose de austeridade que a maioria começou a realizar a partir de fins de 2013 e os seus efeitos sobre o consumo e sobre a perceção que isso acarreta da situação global do país e ignorar a influência dessa ignorância para o contexto em que o programa Centeno iria ser observado é sobranceria, não encontro outra palavra;
·        Podemos discutir se o programa Centeno aposta ou não excessivamente na procura interna numa economia com as debilidades de mercado interno como a economia portuguesa; podemos também discutir se essa aposta não se justificava como choque de transição e como necessidade para repor os limiares mínimos de mercado interno que qualquer economia deve ter independentemente da sua dimensão; podemos discutir tudo isso, mas envolver nesse choque de consumo e procura um sistema sobre cuja sustentabilidade estavam todas as baterias de opinião apontadas, a segurança social, não lembraria ao diabo, sobretudo porque a fragilidade da maioria nessa matéria é confrangedora; recordo que foi por aqui que começou a grande ofensiva da maioria relativamente às indeterminações do programa do PS;
·        Disparar no coração da refrega que o PS não viabilizaria o orçamento da maioria ao mesmo tempo que se apregoa a capacidade do PS governar à Guterres, isto é, com acordos parlamentares à esquerda e à direita, é um tiro no pé monumental na pose de Estado e de governação que Costa tanto gosta de valorizar na sua experiência;
·        Admitir a fragilidade de tentar formar governo não sendo a formação política mais votada e sem ter alguma vez alinhado possíveis pontos comuns com a esquerda CDU e Bloco e pressupostamente sem disposição para negociar pontos de governação seletiva com a coligação de direita parece-me equivalente a ter perdido o pé e anunciar coisas não muito boas.

Vou assim votar PS como sempre, dececionado e antevendo que se o PS não for a formação política mais votada vai entrar num doloroso processo interno de clarificação de posições, do qual não consigo antever contornos finais. E sobretudo com o profundo receio de que o malfadado processo político português possa afastar da intervenção política uma personalidade como António Costa. Mas que eleições!

Sem comentários:

Enviar um comentário