quinta-feira, 29 de outubro de 2015

BEATOS E POPULISTAS




(O que vai emergindo e consolidando-se pelo centro e leste da Europa não se recomenda)

A trágica crise dos refugiados, para além do horror intrínseco das imagens perturbadoras que nos entram diariamente por casa adentro, veio também dramaticamente mostrar quão precipitado e mal antecipado foi o alargamento da União Europeia a 28 países. Bem sei que o objetivo era corresponder o mais depressa possível à vontade expressa por um elevado número de países de escapar à influência russa. A experiência de vida sob o jugo soviético determinou nesses países, mais nuns do que noutros, esse desejo incontrolável de serem acolhidos na casa europeia. Mas claro que quem domina a decisão nos diretórios europeus não pensou como devia no processo de transição que essas sociedades estavam a viver. Admitiu-se simplesmente que o simples invocar da experiência de viver sob a dominação soviética seria suficiente para que a adesão à democracia e ao mercado fosse uma opção natural de resposta consequente aos desejos compreensíveis de liberdade. Nos meus anos de universidade e contra a corrente do que se ia ensinando nas escolas de economia antes da explosão de Abril de 1974, eu e um conjunto restrito de colegas, alguns já desaparecidos como o saudoso Zé Nogueira, estudávamos as sociedades de transição do ponto de vista de um marxismo mais heterodoxo do que o estudado na nomenclatura. Graças a essa iniciação, intui rapidamente que a adesão num ápice destas economias ao modelo das economias de mercado poderia correr mal e gerar efeitos não esperados. Em junho de 2001, tive a primeira e única experiência de trabalho num país de leste, inserido numa missão do Territorial Development Service da OCDE à Hungria e aí percebi que os contornos da economia de mercado iriam ser possivelmente tenebrosos. Uma mistura de traços da política social mais recuada e ainda marcada pela experiência comunista com o mercado mais desregrado, em que política pública era pejorativamente entendida como sinal de regresso aos tempos do comunismo, anunciou-me o pior e marcou para sempre a minha perceção sobre estas transições apressadas. O sucessivo agravamento dos indicadores de desigualdade que fui registando nestes países à medida que a economia de mercado se instalava foi confirmando os piores temores apesar do nível elevado de qualificações destes países. Constatei ainda não existir muita investigação sobre o modo como estes países resolveram o problema de identificação do cadastro de propriedade para lançar as bases da economia de mercado. E esse é um aspeto que me interessaria avaliar como foi resolvido.

Mas a economia de mercado lá foi fazendo o seu rumo. Contava-me um amigo catalão, que liderava os serviços de planeamento estratégico do município de Barcelona e que tinha uma grande experiência de consultoria e cooperação internacional no leste e sobretudo na Rússia, que era frequente nas suas missões em Moscovo ou São Petersburgo ser abordado, sobretudo à noite, sobre negócios de venda informal de material de guerra soviético. Há muitas formas e modelos de privatização e quem somos nós para os compreender na sua total expressão.

Mas se o mercado lá se foi instalando, a combinação democracia – mercado haveria de assumir transições bem mais complexas. O que estamos a assistir em países como a Hungria e a Eslováquia anuncia o pior e a crise dos refugiados mostrou como é frágil a existência do bloco dos 28.

Quando essas dúvidas e angústias chegam à Polónia, com todo o seu peso e significado histórico, a situação muda naturalmente de intensidade. Toda esta reflexão para anotar a chegada ao poder na Polónia do partido Justiça e Liberdade (PiS), chefiado pelo ainda vivo irmão Kaczinski, Jarolaw, protótipo do ultraconservadorismo nacionalista, populista e religioso que não anuncia boa coisa, para lá da sua recusa frontal de receção de refugiados. Em coerência com esta matriz, a primeiro-ministra que foi a votos e que derrotou sem margem para dúvida o partido mais liberal de Donald Tusk que abandonou o governo para ocupar a Presidência do Conselho Europeu chama-se BEATA Szydlo. Já no tempo em que os irmãos Kaczinski ocupavam o poder se percebeu de que opções se fazia a sua ascensão política. Então fortemente enraizados na sociedade rural polaca, hoje o PiS tem uma clara inscrição urbana e diz bem do que está em transição neste tipo de sociedades.

O puzzle europeu complica-se. Combinar beatice, nacionalismo, populismo e ultraconservadorismo é obra. Mas que história da transição há de um dia ser escrita!

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