(O que vai
emergindo e consolidando-se pelo centro e leste da Europa não se recomenda)
A trágica crise dos refugiados, para além do horror
intrínseco das imagens perturbadoras que nos entram diariamente por casa
adentro, veio também dramaticamente mostrar quão precipitado e mal antecipado
foi o alargamento da União Europeia a 28 países. Bem sei que o objetivo era
corresponder o mais depressa possível à vontade expressa por um elevado número
de países de escapar à influência russa. A experiência de vida sob o jugo
soviético determinou nesses países, mais nuns do que noutros, esse desejo incontrolável
de serem acolhidos na casa europeia. Mas claro que quem domina a decisão nos
diretórios europeus não pensou como devia no processo de transição que essas
sociedades estavam a viver. Admitiu-se simplesmente que o simples invocar da
experiência de viver sob a dominação soviética seria suficiente para que a
adesão à democracia e ao mercado fosse uma opção natural de resposta
consequente aos desejos compreensíveis de liberdade. Nos meus anos de
universidade e contra a corrente do que se ia ensinando nas escolas de economia
antes da explosão de Abril de 1974, eu e um conjunto restrito de colegas,
alguns já desaparecidos como o saudoso Zé Nogueira, estudávamos as sociedades
de transição do ponto de vista de um marxismo mais heterodoxo do que o estudado
na nomenclatura. Graças a essa iniciação, intui rapidamente que a adesão num
ápice destas economias ao modelo das economias de mercado poderia correr mal e
gerar efeitos não esperados. Em junho de 2001, tive a primeira e única
experiência de trabalho num país de leste, inserido numa missão do Territorial Development Service da OCDE
à Hungria e aí percebi que os contornos da economia de mercado iriam ser
possivelmente tenebrosos. Uma mistura de traços da política social mais recuada
e ainda marcada pela experiência comunista com o mercado mais desregrado, em
que política pública era pejorativamente entendida como sinal de regresso aos
tempos do comunismo, anunciou-me o pior e marcou para sempre a minha perceção
sobre estas transições apressadas. O sucessivo agravamento dos indicadores de
desigualdade que fui registando nestes países à medida que a economia de
mercado se instalava foi confirmando os piores temores apesar do nível elevado
de qualificações destes países. Constatei ainda não existir muita investigação
sobre o modo como estes países resolveram o problema de identificação do
cadastro de propriedade para lançar as bases da economia de mercado. E esse é
um aspeto que me interessaria avaliar como foi resolvido.
Mas a economia de mercado lá foi fazendo o seu rumo.
Contava-me um amigo catalão, que liderava os serviços de planeamento
estratégico do município de Barcelona e que tinha uma grande experiência de
consultoria e cooperação internacional no leste e sobretudo na Rússia, que era
frequente nas suas missões em Moscovo ou São Petersburgo ser
abordado, sobretudo à noite, sobre negócios de venda informal de material de
guerra soviético. Há muitas formas e modelos de privatização e quem somos nós
para os compreender na sua total expressão.
Mas se o mercado lá se foi instalando, a combinação
democracia – mercado haveria de assumir transições bem mais complexas. O que
estamos a assistir em países como a Hungria e a Eslováquia anuncia o pior e a
crise dos refugiados mostrou como é frágil a existência do bloco dos 28.
Quando essas dúvidas e angústias chegam à Polónia, com
todo o seu peso e significado histórico, a situação muda naturalmente de
intensidade. Toda esta reflexão para anotar a chegada ao poder na Polónia do
partido Justiça e Liberdade (PiS), chefiado pelo ainda vivo irmão Kaczinski,
Jarolaw, protótipo do ultraconservadorismo nacionalista, populista e religioso
que não anuncia boa coisa, para lá da sua recusa frontal de receção de
refugiados. Em coerência com esta matriz, a primeiro-ministra que foi a votos e
que derrotou sem margem para dúvida o partido mais liberal de Donald Tusk que
abandonou o governo para ocupar a Presidência do Conselho Europeu chama-se
BEATA Szydlo. Já no tempo em que os irmãos Kaczinski ocupavam o poder se
percebeu de que opções se fazia a sua ascensão política. Então fortemente
enraizados na sociedade rural polaca, hoje o PiS tem uma clara inscrição urbana
e diz bem do que está em transição neste tipo de sociedades.
O puzzle europeu complica-se. Combinar beatice, nacionalismo,
populismo e ultraconservadorismo é obra. Mas que história da transição há de um
dia ser escrita!
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