(Kak, http://www.lopinion.fr)
Não têm faltado neste espaço reflexões, quer do António Figueiredo quer minhas, sobre os impasses que atravessam a social-democracia nestes tempos de globalização. Incluindo as origens fundadoras da questão, os taticismos políticos que a alimentaram em erráticas navegações à vista e a identificação das principais dimensões que fazem a substância da mesma e respetivas dificuldades. E também, por outro lado, evidenciando quanto o problema tem especial acuidade nesta Europa à deriva em que muitos partidos associados ao PSE têm sido agentes ativos de um improcedente compromisso/subjugação em relação à direita dos interesses, com reflexos cada vez mais visíveis em termos de larga perda de autonomia própria e de paralelos avanços de organizações extremistas e/ou populistas.
A França de Hollande é um dos casos mais paradigmáticos, quer pelas suas caraterísticas sociológico-políticas e pela ameaça séria que a Frente Nacional de Marine Le Pen parece representar, quer pela enorme deceção do exercício presidencial do atual presidente (aliás tanto maior quanto mais promessas, ilusões e esperanças ele tinha anunciado ao defrontar e vencer Sarkozy). Ora, estando previstas eleições regionais para dezembro e sendo desde já antecipada com bastante grau de certeza uma derrota pesada para o PS nas mesmas, crescem os rumores no sentido de que o primeiro secretário do partido (Jean-Christophe Cambadélis) estará a preparar criteriosamente os termos de uma nova aliança suscetível de impulsionar uma refundação do PS e uma mobilização da esquerda (“ultrapassagem”) em moldes cujos contornos ainda são largamente desconhecidos (fala-se de um apelo a lançar por 100 personalidades no início de 2016 como a primeira etapa do processo).
Um processo que justifica especial atenção aqui para os nossos lados, onde um PS cada vez mais alegadamente pragmático e cada vez mais dividido tem permanecido significativamente incapaz de catalisar os fatores necessários à mudança estrutural da economia e sociedade portuguesas e onde uma sucessão de acontecimentos recentes mostra quanto tendem a tornar-se incontornáveis a clarificação e a reforma do sistema partidário. O que fazem Luís Amado, Francisco Assis ou Vera Jardim num partido socialista que admita/privilegie alianças governativas à sua esquerda? Como podem os herdeiros de Mário Soares e Jorge Sampaio em ascensão, a par de históricos como Ferro e Cravinho, compadecer-se com cedências importantes a uma direita dogmática e inflexível, ademais numa conjuntura socialmente tão dramática quanto a que o País atravessa nestes anos troikistas? A escolha estratégica entre as candidaturas presidenciais de Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa pode seriamente limitar-se a uma liberdade de opção por parte de cada militante? Como reagir ao fortalecimento eleitoral das forças políticas mais radicais à esquerda, através de um conservador business as usual que viabilize Passos e Portas e simultaneamente alimente as condições objetivas de uma “pasokização” ou arriscando alguma inovação no diálogo interpartidário que permita amarrar aquelas forças e retomar iniciativa mesmo que não sem favorecer as condições objetivas de uma potencial “syrização” e/ou de uma perpetuação da direita no poder? Estas e outras interrogações de teor mais ou menos equivalente vão dominando a nossa ordem do dia e, no que me toca, já dificilmente acredito no seu esclarecimento cabal sem recomposições drásticas e corajosas num espetro partidário que já não corresponde à realidade nem responde ao essencial...
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