(André Carrilho, http://www.dn.pt)
Dias de reflexão são para levar a sério. Sobretudo quando não se tem muito para refletir sobre a matéria dita de reflexão nacional. Por aqui, sugeri bom cinema, mas também houve râguebi do melhor (África do Sul-Escócia e um espetacular, e eliminatório para os anfitriões, Inglaterra-Austrália), não faltaram leituras (de recuperações de atrasados na área económica ou de lazer puro e duro, como a finalização do segundo de quatro volumes do belíssimo romance de Elena Ferrante sobre os múltiplos e contraditórios meandros da amizade, “A Amiga Genial”, que a minha amiga Maria José tão certeiramente me recomendou) e ainda sobrou uma horita para esticar as pernas gozando o sol que amanhã já não andará por aí.
De manhã, lendo os jornais, tinha reparado numa entrevista do Nuno Ribeiro da Silva (NRS) ao “Jornal i” e dera comigo a refletir em torno de muitas destas ziguezagueantes figuras – e NRS é apenas um exemplo e um pretexto – que me foram contemporâneas e também conterrâneas. De facto, e embora quase sempre de longe, fui acompanhando NRS desde que assumi um estatuto profissional, na universidade, nas empresas, na política; sei que militou e tomou posições de extrema-esquerda, que foi bengala de um professor francês chamado Henri Baguenier que nos anos 70/80 pontuou no ISEG e na consultoria nas áreas da Energia e Ambiente, que foi secretário de Estado no cavaquismo e que então se quis afirmar por desobediência a Mira Amaral, que foi efemeramente deputado, que passou pela gestão pública e depois pela privada (com destaque para a Somague e para a recente presidência da Endesa) e que civicamente terminou recolhido nos imponentes braços do chamado “Compromisso Portugal”; mas ainda me recordo também daquele NRS que, a dado momento de todo este percurso, se veio mostrar apoiante convicto de uma candidatura do despesista PS (ao tempo de Pina Moura) numa eleição legislativa.
Obviamente que NRS não é diferente de tantos e tantos outros. No plano pessoal, o que mais lamento é que nesses tenha de incluir muitos dos meus amigos e colegas mais próximos nos verdes e generosos anos dos inícios de carreira – boas pessoas, muito boas pessoas mesmo, algumas delas pelo menos. Envelhecer também é isto: a desilusão de ver alguns, sobretudo os que alguma vez contaram alguma coisa, a abandalharem-se despudoradamente, tentando-se pelo discurso fácil, pelo penacho fútil, pelo primado do graveto e pela vã glória de um poder e reconhecimento sociais pouco menos do que repugnantes. Uma certa esquerda de outrora invocaria uma explicação assente na “condição de classe” de uma irrecuperável intelectualidade pequeno-burguesa, outros sofisticá-la-iam penetrando em múltiplas gavetas psicológicas e sociológicas devidamente ajustáveis (origens suburbanas, desejos recalcados de ascensão, frustrações variadas e por aí adiante), outros ainda arrumariam redutoramente a questão através daquela resposta universal que aponta o dedo acusador aos malefícios da natureza humana. Em todo o caso, e por muito complexa que cada questão individual possa realmente ser, não deixará de ter a sua dose de cabimento que se sublinhe a presença de uma razoável componente de oportunismo e sem-vergonhice nestes pobres diabos persuadidos de terem vencido na vida – que a terra lhes seja leve!
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