sábado, 10 de outubro de 2015

O DISCURSO DE OSBORNE




(No meio desta confusão pós-eleitoral ninguém prestou a atenção devida ao discurso de Osborne na conferência dos Conservadores …)

Nos últimos tempos, a eleição de Corbyn como líder trabalhista, radicalizando o Labour, centrou as atenções mediáticas pelo que se vai passando no Reino Unido. A confusão pós-eleitoral em Portugal fez o resto. Foi assim que ninguém prestou a atenção devida ao discurso de George Osborne, chancellor do governo britânico e alma ideológica dos conservadores, a cuja conferência o discurso foi dirigido.

Ora, em meu entender, o discurso de Osborne é uma peça crucial para compreender talvez o projeto mais avançado da direita europeia. Constitui assim um documento incontornável para todo o projeto de governação alternativa que possa ser desenvolvido pelo centro-esquerda na Europa. Creio que o projeto político dos conservadores, apesar da sua posição em termos de União Europeia, tem exercido uma influência decisiva nos projetos da direita europeia, incluindo algum pensamento político que gira em torno da coligação PSD – CDS. Tem assim relevância analisá-lo criticamente, pois anuncia muito da transformação da direita europeia, largamente favorecida pelo pensamento dominante nos diretórios das instituições europeias.

O discurso de Osborne é uma peça bem ilustrativa da retórica política conservadora. Todo o discurso é construído em torno de uma simples frase, declinada e trabalhada até à exaustão: we are the builders! (somos o futuro). Os conservadores capturam a palavra mudança aos trabalhistas: pretensamente quem tem as ideias e o pensamento novo são eles, conservadores. Não é necessário um grande trabalho para compreender a extensão deste princípio inspirador sobretudo ao pensamento mais radical que suportou a maioria de governo em Portugal. E essa ideia de futuro é projetada para a classe trabalhadora inglesa, sobretudo para aquela não sindicalizada: “Sabem o que é que a nova liderança do Labour chama a todos que acreditam na defesa nacional, na economia de mercado e no país que vive dentro das suas possibilidades? Chamam-lhe conservadores. Bem cabe-nos dizer-lhes que estão absolutamente certos. Porque agora somos o partido do trabalho, o único partido do trabalho.” Não imaginariam por certo ouvir destas coisas. Mas a captura da mudança passa pela criação de um novo centro baseado na responsabilidade fiscal e menos estado de bem-estar, reforma dos serviços públicos e apoio ao investimento privado, por outras palavras, excedente orçamental, menos estado social, menos impostos e salários mais elevados e a implementação do National Living Wage.

Mas a aplicação do salário mínimo a nível nacional será apenas o culminar de um pacote mesclado de mudanças nos impostos, nos créditos fiscais e nos benefícios sociais destinados a operar o referido excedente orçamental, mudanças que reduzirão significativamente os rendimentos das famílias de mais baixos rendimentos. Só em termos de supressão de créditos fiscais, estima-se que essa redução importará em 8,4 mil milhões de libras, cerca de 750 libras por beneficiário o que dá alguma ideia do corte observado, embora acompanhado do salário mínimo (claro está para quem tem um emprego).

Os conservadores entricheiram-se definitivamente na consolidação das contas públicas a todo o preço e na redução da dívida e com essa aposta aproveitam para matar todas as veleidades de reposição do estado social britânico, embora fazendo acompanhar a aposta da promessa de não retirar fundos ao Sistema Nacional de Saúde e de disseminar as condições para a aquisição de habitação própria para todos. Cameron e Osborne prometem aos ingleses um excedente orçamental como salvaguarda de tempos difíceis mas escamoteiam os custos em termos de produto potencial e de agravamento das desigualdades com a sua sanha de redução dos impostos. E ainda acrescentam a isto o Northern Powerhouse um programa de investimento e devolução fiscal (transferência para os municípios de impostos sobre as empresas) para o Norte de Inglaterra em torno da revitalização e descentralização fiscal em cidades como Manchester, Liverpool, Leeds e Sheffield.

Claro que o discurso de Osborne é omisso quanto ao modelo produtivo que há- de suportar todo este processo, não se percebendo se a financialização da economia a partir de Londres continuará a ser o mais do mesmo que o modelo britânico nos tem servido. É também omisso quanto a medidas para fazer disparar o anémico crescimento da produtividade que continua a marcar a economia britânica apesar da sua recuperação.

Mas temos no discurso de Osborne uma boa prefiguração do que vai ser a nova direita a combater no próximo futuro. A reinvenção do centro-esquerda e da social-democracia europeia também passa por perceber os rumos da mudança assumidos pelo adversário.

Para memória futura.

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