(No meio
desta confusão pós-eleitoral ninguém prestou a atenção devida ao discurso de
Osborne na conferência dos Conservadores …)
Nos últimos tempos, a eleição de Corbyn como líder trabalhista, radicalizando
o Labour, centrou as atenções mediáticas pelo que se vai passando no Reino
Unido. A confusão pós-eleitoral em Portugal fez o resto. Foi assim que ninguém
prestou a atenção devida ao discurso de George Osborne, chancellor do governo britânico e alma ideológica dos conservadores,
a cuja conferência o discurso foi dirigido.
Ora, em meu entender, o discurso de Osborne é uma peça crucial para
compreender talvez o projeto mais avançado da direita europeia. Constitui assim
um documento incontornável para todo o projeto de governação alternativa que
possa ser desenvolvido pelo centro-esquerda na Europa. Creio que o projeto político
dos conservadores, apesar da sua posição em termos de União Europeia, tem exercido
uma influência decisiva nos projetos da direita europeia, incluindo algum
pensamento político que gira em torno da coligação PSD – CDS. Tem assim relevância
analisá-lo criticamente, pois anuncia muito da transformação da direita
europeia, largamente favorecida pelo pensamento dominante nos diretórios das
instituições europeias.
O discurso de Osborne é uma peça bem ilustrativa da retórica política conservadora.
Todo o discurso é construído em torno de uma simples frase, declinada e
trabalhada até à exaustão: we are the
builders! (somos o futuro). Os conservadores capturam a palavra
mudança aos trabalhistas: pretensamente quem tem as ideias e o pensamento novo
são eles, conservadores. Não é necessário um grande trabalho para compreender a
extensão deste princípio inspirador sobretudo ao pensamento mais radical que
suportou a maioria de governo em Portugal. E essa ideia de futuro é projetada
para a classe trabalhadora inglesa, sobretudo para aquela não sindicalizada: “Sabem o que é que a nova liderança do Labour chama a todos
que acreditam na defesa nacional, na economia de mercado e no país que vive
dentro das suas possibilidades? Chamam-lhe conservadores. Bem cabe-nos dizer-lhes
que estão absolutamente certos. Porque agora somos o partido do trabalho, o único
partido do trabalho.” Não imaginariam por certo ouvir destas
coisas. Mas a captura da mudança passa pela criação de um novo centro baseado
na responsabilidade fiscal e menos estado de bem-estar, reforma dos serviços públicos
e apoio ao investimento privado, por outras palavras, excedente orçamental, menos
estado social, menos impostos e salários mais elevados e a implementação do National Living Wage.
Mas a aplicação do salário mínimo a nível nacional será apenas o culminar
de um pacote mesclado de mudanças nos impostos, nos créditos fiscais e nos benefícios sociais destinados a operar o referido excedente orçamental, mudanças que
reduzirão significativamente os rendimentos das famílias de mais baixos
rendimentos. Só em termos de supressão de créditos fiscais, estima-se que essa
redução importará em 8,4 mil milhões de libras, cerca de 750 libras por
beneficiário o que dá alguma ideia do corte observado, embora acompanhado do salário
mínimo (claro está para quem tem um emprego).
Os conservadores entricheiram-se definitivamente na consolidação das contas
públicas a todo o preço e na redução da dívida e com essa aposta aproveitam
para matar todas as veleidades de reposição do estado social britânico, embora
fazendo acompanhar a aposta da promessa de não retirar fundos ao Sistema Nacional
de Saúde e de disseminar as condições para a aquisição de habitação própria
para todos. Cameron e Osborne prometem aos ingleses um excedente orçamental
como salvaguarda de tempos difíceis mas escamoteiam os custos em termos de produto
potencial e de agravamento das desigualdades com a sua sanha de redução dos
impostos. E ainda acrescentam a isto o Northern
Powerhouse um programa de investimento e devolução fiscal (transferência
para os municípios de impostos sobre as empresas) para o Norte de Inglaterra em
torno da revitalização e descentralização fiscal em cidades como Manchester,
Liverpool, Leeds e Sheffield.
Claro que o discurso de Osborne é omisso quanto ao modelo produtivo que há-
de suportar todo este processo, não se percebendo se a financialização da
economia a partir de Londres continuará a ser o mais do mesmo que o modelo britânico
nos tem servido. É também omisso quanto a medidas para fazer disparar o anémico
crescimento da produtividade que continua a marcar a economia britânica apesar
da sua recuperação.
Mas temos no discurso de Osborne uma boa prefiguração do que vai ser a nova
direita a combater no próximo futuro. A reinvenção do centro-esquerda e da
social-democracia europeia também passa por perceber os rumos da mudança assumidos
pelo adversário.
Para memória futura.
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