segunda-feira, 5 de outubro de 2015

E AGORA?




(Reflexões sobre o que os resultados eleitorais nos trouxeram em termos dos princípios que inspiram este blogue e este vosso amigo …)

Bom o povo votou, mas uma cada vez mais preocupante abstenção continua a tolher a democracia em Portugal, pelo que ela significa de alheamento ou de desconfiança em relação ao destino coletivo. Nas condições atuais, o estudo da abstenção exige uma tese de doutoramento, pois teremos pelo menos três fatores entrelaçados: grande parte da população jovem que emigrou estará recenseada e não votou nos círculos da emigração; o envelhecimento galopante da população portuguesa retira pessoas da ida às mesas de voto; uma grande parte do eleitorado terá irreversivelmente rompido com a sua obrigação cívica e será dificilmente recuperável para o mesmo, pelo menos enquanto os principais partidos continuarem a assobiar para o lado.

Da longa maratona eleitoral, dois registos, um ilustrativo e outro deprimente. Ilustrativa foi a quase euforia de uma provável maioria absoluta que terá passado pelas mentes dos Marcos Antónios da coligação que se foi desvanecendo à medida que os resultados se iam sobrepondo às sondagens e que culminou no cautelosíssimo discurso de Passos Coelho. Deprimente, profundamente deprimente, foi a figura de um capitão de Abril, Sousa e Castro, velho e abatido, a esgrimir moinhos de vento com uma possível eleição de 2 deputados do partido de Marinho e Pinto, incluindo a sua em Lisboa.

Depois, num contexto em que as sondagens pré-eleitorais se revelaram claramente pertinentes, há que assinalar três factos mais imediatos e uma tendência estrutural que emerge, aliás esta última preliminarmente abordada por Pacheco Pereira na tardia edição do Quadratura do Círculo.

O primeiro facto mais imediato a assinalar é a resiliência da maioria governamental (mesmo perdendo um número substancial de votos e deputados) que importa estudar muito mais em profundidade. Podemos acenar com a mais despudorada manipulação de números e de situações e sobretudo com o aliviamento eleitoralista dos últimos meses, que se estendeu inclusivamente até aos últimos dias da campanha (veja-se o caso dos enfermeiros). É um facto mas ganhar uma eleição mesmo com maioria relativa depois das perversidades e maldades praticadas (só paradas pelo Tribunal Constitucional) por mais manipuladora que ela seja terá de ser suportada por algumas condições objetivas. Poderemos talvez falar de memória curta dos portugueses e da sua forte recetividade aos sinais de recuperação do consumo. Somos pequeninos e receosos e tendemos a sobrevalorizar os primeiros sinais de recuperação. Mas pode haver matérias mais profundas. As hoje indefiníveis classes médias poderão ter sido menos penalizadas do que pobres e ricos, estando aqueles já muito fora do espectro de voto e estes últimos condenados por questões de classe a aguentar e a continuar a votar no centro-direita. Não desdenharia esta interpretação sobretudo a partir dos resultados encontrados a propósito dos grupos intermédios de rendimento em Portugal, que são como se sabe uma variável muito imperfeita para identificação das classes médias, mas ainda assim a menos má.

Estou para ver como e em que momento a maioria vai estatelar-se ao comprido com esta incapacidade de governar com maioria absoluta e em que medida vai controlar os reflexos condicionados que afloraram no início da noite eleitoral.

O segundo facto imediato é a derrota estrondosa do PS e de António Costa e também minha derrota na medida em que estive entre os simpatizantes do PS que votaram a sua eleição interna. Compreendo do ponto de vista político a sua não demissão, sobretudo pela invocação da ausência de alternativas internas de homens de governo como Costa, mas afetivamente incomoda-me que uma derrota desta natureza não tenha consequências clarificadoras. A fragilidade futura de Costa é imensa. No plano interno, vai começar a ser fervido em lume brando pelas luminárias mais incompetentes e cinzentas no interior do aparelho socialista. Aquela sala do Altis tinha um peso etário aterrador. No plano exterior ao partido, Costa vai aguentar nos tempos futuros uma pressão de encruzilhada terrível entre defender o seu reduto com a negociação seletiva e pontual com a maioria ou dinamizar uma aproximação/convergência com as forças da esquerda mais radical. Anunciam-se tempos turbulentos para o interior do PS e na minha opinião o pior seria a instalação de uma paz podre. A opção ontem reclamada por Jorge Coelho do PS não apoiar na primeira volta nenhum candidato presidencial é em meu entender o prenúncio de um fim anunciado, ou seja, uma longa e penosa clarificação entre direita e esquerda no interior do partido.

O terceiro facto imediato é a subida vertiginosa do Bloco de Esquerda que é fruto de dois elementos essenciais: a forma como a prestação fresca e arejada de Catarina Martins foi percecionada e vendida pela comunicação social e a capitalização de uma tendência radical no eleitorado que se prende com a tendência estrutural que gostaria de analisar separadamente. A forma como Catarina Martins emergiu numa empastelada liderança do Bloco constitui em si um facto político relevante, sobretudo do ponto de vista da capacidade revelada para capitalizar a radicalização. Foi muito curioso ver o modo como o Bloco recebeu os resultados em simultâneo com o reconhecimento da vitória eleitoral da maioria. No subconsciente das personalidades que apareceram, Marisa Matias e Mariana Mortágua, estava implícita a ideia de que talvez tivessem batido de mais no PS. Pois, mas alguém não compreendeu esse risco. O Bloco emerge com clareza como uma espécie de SYRIZA português e novas encruzilhadas de crescimento vão colocar-se à força política agora com 19 deputados.

A tendência estrutural aflorada por Pacheco Pereira, ontem quando a noite já ia longa, é a de que uma instabilidade estrutural está a nascer na sociedade portuguesa, em parte gerada pelo There is No Alternative que a degradação do escrutínio democrático nas instâncias europeias está a provocar. Essa instabilidade traduz-se no crescimento de um radicalismo à esquerda, em parte induzido por um PS que tarda a definir-se em função dos combates que está disposto a travar no plano europeu, em parte também provocado pela ideia de muro que a degradação democrática nas instâncias europeias tem vindo a determinar. Não bastarão paninhos quentes para ultrapassar a situação criada. O radicalismo estrutural tenderá a inviabilizar qualquer possibilidade concreta de proporcionar uma alternativa de governação respaldada pela maioria aritmética de esquerda que está criada no parlamento. Do ponto de vista do potencial de federação de interesses a que o PS pode aspirar, os resultados de ontem colocam o PS numa posição difícil que nunca enfrentou até agora. A dimensão dos grupos parlamentares à sua esquerda já não pode ser olhada com indiferença ou comiseração.

E chega de racionalizar resultados. É tempo de uma reação afetiva.

O mapa eleitoral que abre este post causa-me muita incomodidade. É demasiado laranja para meu gosto. Mas ajuda-me a racionalizar algo que já vinha se formando no meu espírito. De regionalização já dei para esse peditório. Lutemos simplesmente pela descentralização.  Globalmente, respira-se melhor mais para sul. No plano das minhas deambulações familiares pelo território, a minha impressão é mitigada. Alguma alegria em Caminha e Seixas, onde paro cada vez menos mas é retribuidor que aqueles minhotos transfronteiriços tenham resistido. No Porto e em Gaia, para esquecer. Numa Lisboa que o PS não conseguiu ganhar globalmente, Alcântara resistiu, de mal o menos pois as minhas deambulações familiares também passam por aí.

Mas, globalmente, lá em casa, a única que ficou contente com os resultados foi a MIMI, a simpática gata vadia que por lá passa bastante tempo em busca de guarida e alimentação e que hoje de manhã parecia não compreender que só tivesse no prato alguns grãos de ração seca quando o PAN obteve um lugar de deputado. Talvez esperasse o pedaço suplementar de fiambre que hoje não apareceu.

E daqui também um abraço de felicitações ao PS algarvio com o qual me tenho cruzado nos últimos tempos. Se em todo o país tivesse sido assim, outro galo cantaria.

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