(Guião
pessoal para o amortecimento de perplexidades)
Se estivéssemos num
centro de apostas diríamos que a probabilidade de um governo à esquerda, com
pelo menos o apoio de uma maioria parlamentar de esquerda, é mais elevada do
que a sobrevivência de um governo da maioria que o foi e que já não é apesar de
ter sido a formação mais votada. Mas em termos da mais pura reflexão política
gostaria de ser menos taxativo.
A informação que está
disponível para um cidadão distanciado das lides partidárias como este vosso
amigo é, mais do que escassa, fortemente truncada, o que é bem pior do que a
míngua da mesma. O que existe são elementos dispersos do que se foi discutindo
à direita e do que está a ser discutido à esquerda, tendo o PS por referencial
central, o que em si não deixa de ser paradoxal. E não há a certeza de que o
que vai sendo libertado não está a ser teleguiado por critérios de
interpretação quem desconhecemos. Não faço a mínima ideia se nos contactos à
esquerda existe algum referencial orçamental, nem que seja o que foi
indiretamente construído em torno do documento que quantificava o impacto
orçamental das medidas do programa económico do PS. Aparentemente, a negociação
tem sido mais fluida com o Bloco de Esquerda do que com o PCP e não é por acaso
que existe menos informação, mesmo truncada, em relação a estas últimas
negociações. Por sua vez, nos contactos à direita, tenho a intuição de que não
havia uma vontade séria de negociar de ambas as partes. Por outro lado, o facto
da coligação ter avançado para eleições sem nenhum quadro macroeconómico de
referência acabou por determinar que as suas putativas cedências ao programa do
PS não tivessem nenhum quadro de suporte para avaliar a sua exequibilidade,
Um bom indicador de toda
esta nebulosa dinâmica é a significativa mudança tendencial que se vai
observando nos escritos dos suportes de pensamento da coligação de direita,
designadamente no vespeiro do Observador. Desde o clamar por eleições no mais
curto espaço de tempo possível, como o faz Rui Ramos deixando cair toda a missa
da estabilidade, até às invetivas de caráter sobre António Costa dando por
certo a sua abertura ao acordo à esquerda como por exemplo José Manuel
Fernandes e Maria João Avillez, esse pensamento parece dar já por adquirido que
a coligação não governará. Assistiremos, por isso, nos próximos dias a uma
multiplicidade inaudita de pressões ameaçadoras sobre o horizonte que nos
aguarda na visão catastrofista da direita que estaria mais sossegada com a
captura do PS ao centro. As pressões virão de fora para dentro porque
apaniguados não faltam (como o presidente do PPE que sibilinamente acenou com a
transição de Portugal para um modelo grego) e de dentro, designadamente do
interior do próprio PS, que se desdobrarão na interpretação da identidade
histórica do PS e no acenar do esboroamento do PS com a sua viragem à esquerda.
Lembremos singelamente
que os defensores da austeridade desproporcionada e executada com um ambiente
externo totalmente antagónico às condições desejáveis para o fazer ignoraram
olimpicamente a radicalização dos contextos sociais provocada por tais medidas
e as suas consequências políticas. Essa radicalização tem gerado nacionalismos,
populismos de esquerda do tipo PODEMOS, populismos mais antissistema como em
Itália ou em então o crescimento de partidos de extrema-esquerda como o SYRIZA.
A radicalização das condições sociais não parece ter provocado nada disso em
Portugal e ao que tudo indica gerou um acordo político inesperado à esquerda. É
de qualquer modo uma solução mais institucional e estruturada do que aqueles
devaneios em outras paragens da Europa. Claro que me podem dizer que se prepara
mais um sacrifício aos deuses como aquele a que o SYRIZA foi submetido na
negociação do terceiro resgate. Não necessariamente.
Neste guia pessoal para
o amortecimento dos meus espantos e perplexidades, há três variáveis que devo
monitorizar no próximo tempo curto.
Primeiro, a natureza,
conteúdo e consistência do acordo ou acordos à esquerda. A minha grande dúvida
como já aqui referi consiste em saber se as negociações foram conduzidas com a
preocupação da determinação de impactos orçamentais. Não é indiferente, antes
crucial. Ou dito de outro modo que escolhas públicas atravessaram o acordo ou
acordos?
Segundo, embora não
morra de amores pelo personagem, Cavaco ainda tem uma palavra a dizer mesmo que
encostado a um fim muito próximo de mandato. E já não falo na possibilidade de
indigitar Passos Coelho para a formação de governo e assim obrigar a esquerda a
assumir uma moção de rejeição do programa de governo. Cavaco pode ainda jogar,
embora com o risco elevado de provocar eleições a breve trecho, em exigir
concretizações e especificações de acordo à esquerda para ajuizar da sua
estabilidade no tempo. Já acho que será muito pouco provável a estratégia de
fazer reportar para a aprovação do orçamento (com a sua rejeição) a queda de um
governo provisório de Passos Coelho e com isso colocar a batata quente nas mãos
do próximo presidente da República.
Terceiro, a direita do
PS não pode ser menosprezada com Assis à cabeça e o grupo segurista que tem
andado muito calado. A Comissão Política de hoje dará o mote e não duvido que
algumas das personalidades irão quebrar pactos de silêncio e desvendar
dimensões do acordo em formação. Evoluções catastróficas de rotura atravessando
o novo grupo parlamentar poderiam ser antecipadas mas acho-as pouco credíveis.
Três notas finais:
- Primeiro, e ao contrário do que me transmitia o meu amigo Mário Rui Martins (Conselho da Europa) a minha lancinante interrogação sobre quem é o ministro das Finanças do PS não perdeu atualidade; talvez esteja menos nebulosa (Mário Centeno?), mas mantém inesperadamente atualidade;
- Segundo, os governos conservadores identificados com a ideia de que a estabilidade financeira deve sobrepor-se ao combate à estagnação das economias tiveram no Canadá uma derrota significativa com a chegada do liberal Trudeau filho ao poder; em Espanha, o PP está em maus lençóis mas quem diria por força do poder mais conciliador que o partido de independentes de direita liberal catalã Ciudadanos está a assumir no contexto político espanhol;
- Terceiro, até o Economist considera que o “fiscal charter” do conservador Osborne não faz qualquer sentido económico; e isto é importante porque os conservadores britânicos são o coração da ideia de excedente orçamental a todo o preço, mesmo que a recuperação macroeconómica não esteja robusta e sustentada.
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