quinta-feira, 22 de outubro de 2015

LABIRINTOS DA FORMAÇÃO DO NOVO GOVERNO (III)





(Guião pessoal para o amortecimento de perplexidades)

Se estivéssemos num centro de apostas diríamos que a probabilidade de um governo à esquerda, com pelo menos o apoio de uma maioria parlamentar de esquerda, é mais elevada do que a sobrevivência de um governo da maioria que o foi e que já não é apesar de ter sido a formação mais votada. Mas em termos da mais pura reflexão política gostaria de ser menos taxativo.

A informação que está disponível para um cidadão distanciado das lides partidárias como este vosso amigo é, mais do que escassa, fortemente truncada, o que é bem pior do que a míngua da mesma. O que existe são elementos dispersos do que se foi discutindo à direita e do que está a ser discutido à esquerda, tendo o PS por referencial central, o que em si não deixa de ser paradoxal. E não há a certeza de que o que vai sendo libertado não está a ser teleguiado por critérios de interpretação quem desconhecemos. Não faço a mínima ideia se nos contactos à esquerda existe algum referencial orçamental, nem que seja o que foi indiretamente construído em torno do documento que quantificava o impacto orçamental das medidas do programa económico do PS. Aparentemente, a negociação tem sido mais fluida com o Bloco de Esquerda do que com o PCP e não é por acaso que existe menos informação, mesmo truncada, em relação a estas últimas negociações. Por sua vez, nos contactos à direita, tenho a intuição de que não havia uma vontade séria de negociar de ambas as partes. Por outro lado, o facto da coligação ter avançado para eleições sem nenhum quadro macroeconómico de referência acabou por determinar que as suas putativas cedências ao programa do PS não tivessem nenhum quadro de suporte para avaliar a sua exequibilidade,

Um bom indicador de toda esta nebulosa dinâmica é a significativa mudança tendencial que se vai observando nos escritos dos suportes de pensamento da coligação de direita, designadamente no vespeiro do Observador. Desde o clamar por eleições no mais curto espaço de tempo possível, como o faz Rui Ramos deixando cair toda a missa da estabilidade, até às invetivas de caráter sobre António Costa dando por certo a sua abertura ao acordo à esquerda como por exemplo José Manuel Fernandes e Maria João Avillez, esse pensamento parece dar já por adquirido que a coligação não governará. Assistiremos, por isso, nos próximos dias a uma multiplicidade inaudita de pressões ameaçadoras sobre o horizonte que nos aguarda na visão catastrofista da direita que estaria mais sossegada com a captura do PS ao centro. As pressões virão de fora para dentro porque apaniguados não faltam (como o presidente do PPE que sibilinamente acenou com a transição de Portugal para um modelo grego) e de dentro, designadamente do interior do próprio PS, que se desdobrarão na interpretação da identidade histórica do PS e no acenar do esboroamento do PS com a sua viragem à esquerda.

Lembremos singelamente que os defensores da austeridade desproporcionada e executada com um ambiente externo totalmente antagónico às condições desejáveis para o fazer ignoraram olimpicamente a radicalização dos contextos sociais provocada por tais medidas e as suas consequências políticas. Essa radicalização tem gerado nacionalismos, populismos de esquerda do tipo PODEMOS, populismos mais antissistema como em Itália ou em então o crescimento de partidos de extrema-esquerda como o SYRIZA. A radicalização das condições sociais não parece ter provocado nada disso em Portugal e ao que tudo indica gerou um acordo político inesperado à esquerda. É de qualquer modo uma solução mais institucional e estruturada do que aqueles devaneios em outras paragens da Europa. Claro que me podem dizer que se prepara mais um sacrifício aos deuses como aquele a que o SYRIZA foi submetido na negociação do terceiro resgate. Não necessariamente.

Neste guia pessoal para o amortecimento dos meus espantos e perplexidades, há três variáveis que devo monitorizar no próximo tempo curto.

Primeiro, a natureza, conteúdo e consistência do acordo ou acordos à esquerda. A minha grande dúvida como já aqui referi consiste em saber se as negociações foram conduzidas com a preocupação da determinação de impactos orçamentais. Não é indiferente, antes crucial. Ou dito de outro modo que escolhas públicas atravessaram o acordo ou acordos?

Segundo, embora não morra de amores pelo personagem, Cavaco ainda tem uma palavra a dizer mesmo que encostado a um fim muito próximo de mandato. E já não falo na possibilidade de indigitar Passos Coelho para a formação de governo e assim obrigar a esquerda a assumir uma moção de rejeição do programa de governo. Cavaco pode ainda jogar, embora com o risco elevado de provocar eleições a breve trecho, em exigir concretizações e especificações de acordo à esquerda para ajuizar da sua estabilidade no tempo. Já acho que será muito pouco provável a estratégia de fazer reportar para a aprovação do orçamento (com a sua rejeição) a queda de um governo provisório de Passos Coelho e com isso colocar a batata quente nas mãos do próximo presidente da República.

Terceiro, a direita do PS não pode ser menosprezada com Assis à cabeça e o grupo segurista que tem andado muito calado. A Comissão Política de hoje dará o mote e não duvido que algumas das personalidades irão quebrar pactos de silêncio e desvendar dimensões do acordo em formação. Evoluções catastróficas de rotura atravessando o novo grupo parlamentar poderiam ser antecipadas mas acho-as pouco credíveis.

Três notas finais:


  • Primeiro, e ao contrário do que me transmitia o meu amigo Mário Rui Martins (Conselho da Europa) a minha lancinante interrogação sobre quem é o ministro das Finanças do PS não perdeu atualidade; talvez esteja menos nebulosa (Mário Centeno?), mas mantém inesperadamente atualidade;

  • Segundo, os governos conservadores identificados com a ideia de que a estabilidade financeira deve sobrepor-se ao combate à estagnação das economias tiveram no Canadá uma derrota significativa com a chegada do liberal Trudeau filho ao poder; em Espanha, o PP está em maus lençóis mas quem diria por força do poder mais conciliador que o partido de independentes de direita liberal catalã Ciudadanos está a assumir no contexto político espanhol;

  • Terceiro, até o Economist considera que o “fiscal charter” do conservador Osborne não faz qualquer sentido económico; e isto é importante porque os conservadores britânicos são o coração da ideia de excedente orçamental a todo o preço, mesmo que a recuperação macroeconómica não esteja robusta e sustentada.


A perplexidade ainda existe mas pelo menos está mais racionalizada. De mal o menos.

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