quinta-feira, 1 de outubro de 2015

PERPLEXOS OU ACABRUNHADOS?

(Indicador de severidade da austeridade construído em torno do défice estrutural) in "Um Guia para os perplexos", Pedro Magalhães, Margem de Erro



(Ainda em tempo de preliminares eleitorais …)

Ao longo de toda a cacofonia em que a campanha eleitoral se transformou, em que o ruído das “tracking polls” se substituiu a qualquer reflexão séria de quem estivesse interessado em comparar alternativas, o Margem de Erro do Pedro Magalhães foi um contributo sereno para compreendermos o significado e, simultaneamente, as fragilidades da sucessão diária de sondagens. Pode gostar-se ou não do que o pensamento de Pedro Magalhães vai permitindo sistematizar como conclusões. Mas o Margem de Erro prestou inequivocamente um serviço de sensatez a todo este novo enquadramento do desenrolar da campanha eleitoral no terreno.

O seu último texto “Um guia para os perplexos” reúne um conjunto de reflexões de grande utilidade não propriamente para antecipar com mais rigor os resultados do próximo domingo, mas seguramente para melhor compreender o que resulta ser a grande conclusão de todo este exercício de realização de sondagens de teor muito desigual que se multiplicaram nestas duas últimas semanas. E essa conclusão, que não equivale necessariamente no meu pensamento a um vaticínio sobre o que a noite de 4 de outubro nos trará, é a da revelação da incapacidade, revelada nos números, do PS desenvolver uma dinâmica de superioridade nas referidas sondagens.

O que é particularmente estimulante no exercício de ciência política levado a cabo por Pedro Magalhães é ele relacionar permanentemente resultados de consulta de opinião a potenciais eleitores (não apenas sondagens) com indicadores de natureza macroeconómica passíveis de ser compreendidos pelo eleitor médio como fatores de influência do seu voto. Claro está que para o eleitor concreto contará mais não propriamente o indicador macroeconómico, qualquer que o seja, mas sobretudo a influência específica que a situação macroeconómica exerceu nas suas condições de vida, de bem-estar material e imaterial e nas suas aspirações (perceção de futuro). Mas para compreender o  racional coletivo que estará subjacente à realidade (eventualmente pseudo-realidade) que está a desenvolver-se diante dos nossos olhos a abordagem de PM é a única possível.

Destaco do texto de PM três ideias cruciais.

A primeira é a demonstração a partir dos dados das sondagens que não é rigorosa a ideia de que a maioria no governo não estará a ser penalizada pelo eleitorado. PM estima que, mesmo no melhor cenário eleitoral decorrente da informação acumulada das sondagens, a percentagem de 41%, a maioria teria perdido cerca de 550.000 votos. Num cenário de sondagens com 38% para a maioria, a penalização seria de 700.000 votos. Ora, esta avaliação é crucial para compreendermos a dificuldade do PS capitalizar. Para que isso acontecesse no plano das sondagens, seria necessário uma penalização de mais largo porte. Num cenário de castigo mais severo para a coligação, o PS poderia capitalizar mais ainda que tendo de partilhar benefícios com a CDU e o Bloco de Esquerda.

A segunda reflexão prende-se com a própria dimensão da austeridade, outro elemento fundamental para se compreender alguma da perplexidade com que a maioria tem ocultado a sua culpa no cartório. Com base no comportamento do défice estrutural como medida mais rigorosa da austeridade (já aqui abundantemente discutida neste blogue), é possível intuir que essa dimensão começou a ter incidência já a partir de 2009, coisa que o PS nunca conseguiu gerir, tendo de facto sido fortemente agravada de 2011 para 2012 e, também como já aqui alertámos, começado a desacelerar de 2013 para 2014. Ou seja, a maioria jogou habilmente com o alívio parcial da austeridade no período de antecâmara das eleições. Tal como repetidas vezes aqui o assinalei, em contexto de forte austeridade, qualquer alívio da mesma repercute-se obviamente no consumo privado. E o comportamento mais recente do consumo privado assim o mostra, sem que o PS tenha identificado o antídoto para contrariar a sua influência na perceção do eleitorado.

(Pedro Magalhães)

A terceira reflexão prende-se com o indicador “Confiança do consumidor” a que talvez o PS devesse ter dedicado mais atenção. Apesar dessa confiança ainda se manter em terreno negativo, a partir de fevereiro de 2013 o indicador tem uma evolução ascendente muito clara. Em termos de senso comum, esta situação corresponde ao “melhorou pouco, sim, mas melhorou” e a maioria tem explorado exaustivamente essa tábua de salvação. PM fala dos atrasos no tempo com que a perceção da competência económica dos partidos é vivida pelo eleitor potencial, o que terá jogado em desfavor do challenger (PS).

São reflexões importantes sobretudo para que por via analítica possa compensar-se o azedume e acabrunhamento que tudo isto está a provocar nos que não estão a rever-se em mais um período de resiliência face às perversidades desta maioria. O hemisfério analítico do cérebro movimenta-se para conter a revolta interior do hemisfério sintético e das emoções.

E a última grande sondagem antes das eleições está prestes a ser publicada …

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