quinta-feira, 8 de outubro de 2015

GALOPINS, TRAMPOLINEIROS E ESPÉCIMES DO GÉNERO



Já que estou com a mão na massa (salvo seja!) do PS-Porto, aproveito para uma recomendação relacionada. Embora de bem mais largo espectro. Trata-se do livro recentemente publicado pelo jornalista Vítor Matos sobre os meandros da conquista do poder no interior dos grandes partidos portugueses. E o autor não é meigo quando escreve: “Ponto assente é que nenhum político chega virgem ao poder, porque algo teve de hipotecar pelo caminho: se não fez batota e vigarices para ascender, teve de pactuar com elas, tolerá-las ou fechar os olhos. Quem não tiver estômago para entrar neste jogo tem bom remédio: fica fora do poder.”

São umas centenas de páginas que se leem de um fôlego e ajudam a que melhor se compreenda a sujidade concreta da política concreta. Assim avisando antecipadamente os eternamente ingénuos. Não vou, por isso, muito longe nesta curta incursão sobre a dita obra, em cuja introdução logo se elabora em torno de “galopins” (assim se designavam os angariadores de votos ao tempo da Monarquia constitucional) e dos “caciques” que lhes sucederam na partidocracia vigente.

Dividido em três partes – “os de baixo”, “os do meio” e “os de cima” –, o livro tem histórias deliciosas de assustadoras (passe a contradição). Como aquele capítulo sobre o PS no Porto, onde se refere que “ao longo de 25 anos ninguém ganhou uma eleição interna contra Orlando Gaspar” e que “valia quase tudo: do mero charme e simpatia à compra de uns dentes novos para a namorada de um galopim de bairro, que mudou o sentido do voto das dezenas de eleitores que controlava” – daí o sugestivo título “o meu apoio por uma dentadura”!

A pré-publicação da revista “Sábado” resumiu assim, sem grandes detalhes, o episódio: “Orlando Gaspar, velha raposa do PS/Porto, observou a rapariga num evento do partido. Era namorada de um cacique de bairro que ia empenhar todo o seu sindicato de votos no apoio a um rival. Ficou admirado com o que viu, mas o seu instinto disse-lhe que era uma oportunidade. A rapariga estava desdentada. "Que é isso?", perguntou. Ela respondeu que não tinha dinheiro para arranjar os dentes. Estávamos em 2003. Orlando Gaspar liderara a concelhia dos socialistas portuenses durante 15 anos e comandava agora a campanha de Nuno Cardoso – ex-presidente da Câmara – para lhe suceder, contra o ex-vereador José Luís Catarino. Nunca tinha perdido uma eleição interna. Não era agora que ia ser derrotado. Fez os seus contactos. E a amante do dirigente recebeu uma dentadura nova. Os votos mudaram de sentido. Nuno Cardoso ganhou a José Luís Catarino naquela secção. E conquistou a concelhia socialista do Porto.”

E são entrevistas do autor a alguns dos protagonistas que confirmam os factos. Como aquele deputado de muitas legislaturas e que agora espera que caiam três camaradas para voltar a Lisboa: “Se alguém precisava, ele dava dinheiro para consultas, pagava as quotas dos mais necessitados, ajudava as pessoas”. Ou até o próprio Gaspar ao reconhecer que “quem pagou foi a candidatura” e ao explicitar o seu desprezo pelas pessoas que instrumentalizava para se reproduzir naquele pequeno espaço de poder (“a populaça gostava daquela carinha de anjinho”, reportando-se esta a Nuno Cardoso).

Nem tudo o que consta daquelas páginas será rigoroso ou mesmo justo para alguns não pecadores. Mas capítulos como “as votações albanesas do PS em Lisboa”, “juventudes partidárias: as academias do crime político”, “o que eles fazem para ser deputados”, “Marco António Costa: a carreira do cacique perfeito”, “Menezes vs Mendes: cacicagem científica contra golpes de secretaria” ou “Pedro Passos Coelho: a construção de um novo personagem”, entre outros, merecem o benefício de uma validação na generalidade. E a denúncia vai tão longe quanto ao ponto de designar por “embuste” as primárias entre Costa e Seguro no PS.

A moral da história é no essencial, e como sublinhou o autor em entrevista, que “a moeda de troca é o Estado”. Necessariamente. Abaixo, um exemplo paradigmático do modelo replicado em quase todas as outras áreas da governação: os boys dos Centros Distritais da Segurança Social. E só se está a observar o que está mais à vista...

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