terça-feira, 13 de outubro de 2015

ESTE PS TEM POUCO PARA DAR AO PAÍS




(Reflexões mordazes em torno da apresentação da candidatura de Maria de Belém)

Este PS? Mas qual PS? Refiro-me naturalmente ao PS que estará esta tarde a abrilhantar a apresentação da candidatura de Maria de Belém, talvez nas primeiras filas, ou mais escondidos, não necessariamente envergonhados, nas filas de trás. E não tenho receio de associar a esta crónica alguns dos nomes que se vão anunciando ou que já saíram do armário, como Jorge Coelho, Vera Jardim, Manuel Alegre, Brilhante Dias, Álvaro Beleza e outros. Ou ainda a mais subtil referência de que pode aparecer, não seguramente, de Marçal Grilo.

Tenho de facto para mim que, nas condições atuais de encruzilhada que se colocam à sociedade portuguesa, o peso da história da revolução portuguesa como o de Manuel Alegre ou Vera Jardim, a força da natureza de Jorge Coelho e a emergência de Brilhante Dias ou de Álvaro Beleza não trazem nada de crucial e relevante aos problemas que é necessário resolver. Talvez o único pensamento entre todos os que se anunciam “comungados” com a personalidade de Belém (a senhora vai puxar até à exaustão pela sua auréola cristã) com alguma coisa para dizer sobre um debate alargado sobre o futuro da social-democracia neste contexto de problemas seja Francisco Assis. Mais o Francisco Assis de algumas crónicas, do que propriamente do Francisco Assis de trabalho concreto como, por exemplo, no Parlamento Europeu, do qual continuo a não ter qualquer eco relevante. Posso não ficar entusiasmado com as posições públicas de Francisco Assis, mas admito perfeitamente que o seu contributo para um debate alargado do rumo para a irrelevância em que a social-democracia europeia está mergulhada e que pode rapidamente atingir o PS poderá ser enriquecedor.

O último livro de Robert Reich chama-se curiosamente “Saving Capitalism. For the Many. Nor for the Few” (Salvar o Capitalismo. Para a maioria. Não para a Minoria). Chamo-o aqui à colação porque me parece que o tema da desigualdade nas economias de mercado ou, se preferirem, nas inúmeras variedades do capitalismo, deve ser o foco em torno do qual a reinvenção do socialismo democrático deve ser trabalhada. Haverá por certo, em função de cada país e sociedade, aspetos complementares. Mas o foco é a desigualdade. O problema gerado resultou do facto do centro-esquerda ser cúmplice do facto da desigualdade se ter tornado algo de inevitável na defesa das virtualidades da economia de mercado, algo do tipo “É a vida”, acompanhado de um impotente encolher de ombros. Ou seja, o centro-esquerda internalizou a perigosa ideia de que a desigualdade se combate apenas com políticas de correção social à posteriori, de minimização de danos. Não compreendeu que, sem ter de abandonar as políticas sociais corretivas, tinha de repensar o próprio modelo económico e de desenvolvimento, não perdendo o foco na empresa, mas combatendo na formação dos salários e do rendimento o gérmen das desigualdades. Muitos não o fizeram por motivos deliberados. Porque essencialmente se transformaram em beneficiários diretos dessa desigualdade, olhando para a base e meio da distribuição do rendimento com condescendência e mesmo alguma compaixão, mas incapazes de ir até à raiz do problema. Foram protagonistas também da captura do Estado pelos interesses privados, constituindo nessa matéria um “bloco central” de interesses. É esta incapacidade que tem aberto uma passadeira vermelha à esquerda mais radical. Mas o que aproveitam essa passadeira são também os que sentem uma dificuldade congénita em compreender a empresa como o foco de toda a vida económica e social. O que complica a sua passagem ao estádio da governação.

Destes senadores que acompanharão Belém ao altar pouco espero e nada de substancialmente relevante para um rejuvenescimento do pensamento socialista e social-democrata. Com António José Seguro aparentemente ausente (ou talvez não!), intuo que a candidatura de Belém servirá objetivamente para aglutinar o PS que desdenha do simples diálogo à esquerda, para não falar no sacrilégio de um governo apoiado pela esquerda. Ou muito me engano ou a candidatura de Belém vai funcionar como o instrumento do cisma do PS. Tal como o cartoon do post do meu colega sobre o PS francês acenava com graça, talvez fosse prudente perguntar se haverá alguma doação de órgãos, ou seja, neste caso de memória e pensamento político.

Que as eleições são sempre clarificadoras, já o sabia e sempre o defendi. Que o fossem à esquerda, incluindo nisso o PS, nunca o imaginaria.

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