Conheço o engenheiro José Manuel Fernandes (Frezite) há uns bons anos e tenho por ele consideração pessoal, grande admiração pela sua atividade e obra enquanto acionista e gestor de empresas e algum apreço pela generosidade com que há longo tempo se dedica ao associativismo empresarial. Pois, fazia eu zapping televisivo na última Segunda-Feira quando passei pela sua imagem no ecrã perorando num “Prós & Contras” a que não tenho por hábito assistir porque me irrita a vários pirosos títulos que agora não vêm ao caso; e lá fiquei a ouvi-lo até ao fim (aliás enlevante naquela espontânea e comovente tirada de saída em que esclarecia “que só me sinto bem quando o meu irmão também se sente bem”), entre atónito e incomodado, quase até preocupado.
Momento um, filosofando: “De facto, quer queiramos quer não, tudo está interligado. É uma lei universal da vida aquilo que filósofos geram em torno de objetivos políticos, que se materializam em políticas e políticas essas que se materializam, através da economia, em bem-estar para as sociedades. Tudo está interligado.”
Momento dois, concretizando: “Aquilo que estamos a viver não deixa de preocupar, de uma forma muito particular, o tecido empresarial. Porque temos estado a fazer um esforço titânico, os agentes económicos têm estado a corresponder àquilo da mobilização para irmos para o exterior o mais possível (...) A nossa visão é que, de facto, temos de ter aqui um clima de confiança. Não obstante haver aqui uma componente de apreço por inovação, de novas políticas, algo que vai surgir de novo, até que enfim que vamos ter... Tudo bem. Mas tem de estar conectado, interligado, princípio, meio e fim. Porque temos que diminuir o mais possível riscos. Neste momento, o País está a viver no fio da navalha em termos de posicionamento de equilíbrio das finanças públicas, em termos dos dados macroeconómicos, daquilo que temos estado a conquistar e que a Coligação tem de certa forma exibido, mostrado como galardão do seu trabalho – e é justo que o faça, simplesmente num contexto... e aqui a Oposição devia ter trabalhado nisso mostrando, vamos lá, os cenários mais reais e isso não foi muito trabalhado. De facto, o caso das exportações: as nossas exportações têm estado a crescer, temos que as fazer crescer até, em relação a uma componente do PIB, na ordem dos 65%, ainda estamos longe mas uma coisa é muito importante: é a discussão da sustentabilidade das nossas exportações, a sustentabilidade do nosso tecido económico, como é que nós vamos garantir fluxos financeiros para sustentar a nossa economia, o nosso País, os encargos que temos com o nosso modelo social e tudo aquilo que são reivindicações justas do nosso povo – utilizando uma expressão, portanto, transversal – e essas as preocupações que deviam ter sido trabalhadas mais pela Oposição.”
Momento três, politicando: “E aqui vou mostrar uma faceta que até agora não tem sido abordada, que é muito sensível entre nós os empresários. É que o programa que se desenvolveu no nosso País pela Coligação durante quatro anos, o programa extremamente duro, agressivo, fez sangue nas nossas populações mais carenciadas, fechou empresas que não estavam preparadas, não tiveram tempo de se readaptar, criou um fluxo de desemprego inicial sem esperanças para muitos – e como é que conseguem ganhar as eleições? É isto que se põe. Em relação ao Partido Socialista, é a vitória ou será uma derrota não ter ocupado o papel correto e ajustado a uma posição assertiva, objetiva e proativa em termos de ajuda em prol de um País, em prol de necessidades que nós precisávamos de vencer e de ter?”
Momento quatro, descoligando: “Da nossa parte, a reflexão é que temos reservas que acha sucesso nessa coligação [de esquerda]. E por duas questões muito simples: primeiro, num passado já distante, em 2011, estes dois partidos que estão em posição de se coligarem com o PS assumiram uma posição absolutamente de derrube radical em relação ao PS; agora mais recente, fazem uma campanha eleitoral em prol de uma estratégia contra o PS; neste momento, perante nós empresários e perante a economia real do País, não têm uma posição bem definida, não fizeram o caminho da economia de mercado nem da iniciativa privada; temos dificuldade de os compreender, eles deviam ter feito esse caminho provavelmente, não basta só dizer que estão ao lado das PME’s. Portanto, é isto tudo que nos leva a ter algum temor que as coisas possam não resultar. E nós não podemos correr riscos, neste momento. As coisas são delicadas, está-se a fazer um bom trabalho e só há um desafio à nossa frente: é, a partir daquilo que se fez, fazer melhor e ir em frente. E é esta a responsabilidade que cabe aos políticos.”
Momento cinco, prospetivando: “As avaliações de agências internacionais de rating não avançam a dar-nos apoio, portanto a dar um posicionamento melhor. Os mercados financeiros vão provavelmente penalizar-nos porque há aqui uma matriz de risco que não está a ser bem feita e bem calculada. Além de que daqui também desafio os partidos a montarem uma matriz de risco, como nós, engenheiros, o fazemos em relação ao nosso dia-a-dia e os economistas também a sabem fazer. Mas os partidos devem de a fazer e não partirem tanto de um voluntarismo, de ideais políticos sem calcularem exatamente os riscos que estamos todos a trilhar e a que estamos sujeitos. De forma que as repercussões poderão ser dentro desse âmbito, temos que nos defender melhor em relação a uma outra variável que pode acontecer, que é o âmbito de um afrouxamento da economia internacional e mundial. (...) Portanto, se entrar aqui uma crise sistémica, não temos políticas que nos valham. Nós temos de estar muito ajustados e muito unidos e não nos podemos dispersar em relação aos desafios que temos pela frente.”
Momento seis, aconselhando: “Eu não tenho dúvida que emerge, em ambiente empresarial e associativo e estamos aí bastante unidos em relação a esse tipo de princípios e de ideias: o Presidente da República deve convidar quem ganhou as eleições, deve ir em frente. E, entretanto, o próprio Partido Socialista, no contexto daquilo que está a fazer – e está a tentar encontrar uma solução, portanto uma coligação à esquerda em alternativa –, há uma coisa que o Partido Socialista se esqueceu: é que tem efetivamente possibilidades de construir um ou dois corredores, sobrepostos em matérias que pode perfeitamente acordar com a atual Coligação ‘Portugal à Frente’ e, ao mesmo tempo, ter politicamente um corpo independente do seu programa pelo qual pode desenvolver oposição. E com um trabalho construtivo, bem feito, um programa bem delineado, vai ganhar eleitorado e consegue ir em frente e conseguir atingir objetivos que neste momento não está a pensar neles.”
Confusos? E se vos disser que a última vez que tinha ouvido o engenheiro Fernandes fora já há uns anos na qualidade de convidado de uma Convenção Nacional do PS em que participou a explicar “porque apoio o engenheiro José Sócratas [ficou para a pequena história a completa incapacidade do nosso engenheiro para atinar com o nome do primeiro-ministro que então lançava a sua recandidatura] e o seu programa de governo”, a sublinhar aquela inspirada expressão de “Sócras” que confessava tanto o ter marcado (“o futuro é a marca deste programa”) e a louvar a dita figura com frases como “um homem de visão e um verdadeiro líder” e “dinamizador da grande empresa que é Portugal”? Eu até já tinha este assunto arquivado num baú quase inacessível, estando em suma convencido de que as ocorrências desse dia e os múltiplos acontecimentos públicos entretanto verificados tinham posto um termo às veleidades e incursões diretas do engenheiro Fernandes na esfera política (o que seguramente decorreria ou de uma manifestação própria de bom senso ou de um bom leque de amigos que assim lho teriam recomendado) - percebi, com grande pena, que não era assim.
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