Os comentários ao “regresso de Sócrates”
foram um bom retrato do País: cada um a procurar encontrar, mais ou menos atabalhoadamente,
a sua linha muito própria de marcar a diferença e afirmar a originalidade. Um tão
pequeno país e tantos génios nele!
Muita coisa lida e avaliada, arrisco
distinguir três grandes tipologias de conteúdo: os pseudoobjetivos (“o que ele
disse e o que é real”, “factos e números são verdadeiros ou falsos?” ou
“desmontámos a narrativa de Sócrates na RTP”), os condicionados (“não esqueceu
nada, não aprendeu nada” ou “o inocente e os culpados” ou “sozinho no passado”,
para só citar alguns de muitos) e os honestos (“animal à solta”, “alguém para
odiar” ou “Sócrates volta ao Truman Show”, citando os poucos possíveis). Mas
ninguém foi mais claro do que Soares, que começou por ser contra mas acabou a
reconhecer que o “regresso de Sócrates foi brilhante”!
Juízos de intenção à parte, a entrevista
constituiu um irrepreensível exercício de estratégia, competência e eficácia
política. Na defesa de um direito individual, no afastamento de
intencionalidades irrelevantes, na eleição do inimigo principal, no tratamento
dos inimigos secundários, na desconsideração dos agentes irrelevantes, na
escolha cirúrgica dos argumentos, na recusa de fait-divers, na inconfundível e contrastante motivação liderante…
E, por muita graça que possamos achar ao
“Bartoon” de hoje (acima reproduzido, com a devida vénia a Luis Afonso e ao
“Público”), o certo é que Sócrates deixou claro ao cidadão comum – e foram mais
de 1,6 milhões a ouvi-lo… – que não há uma mas duas “narrativas”. Daí que a
questão que fica a valer a pena discutir verdadeiramente seja a que o artigo de
Daniel Deusdado no JN enuncia, após o sublinhado de que “no momento mais quente
da entrevista soubemos entretanto os escaldantes detalhes dos bastidores da
novela: Sócrates, traído por Cavaco, que abre em 2011 o caminho ao fraquíssimo
Passos e ao seu círculo próximo, que nos conduzem entretanto para um festival
de irresponsabilidade circense e onde, na prática, descobrimos, quem manda é um
homem pequenino e que fala devagarinho – Gaspar” e a consequente relacionação do
atual “desespero dos cidadãos” com “uma verdade sua, tática, sem um rumo
grande, de longo prazo, verdadeiro, apoiado em pessoas sólidas” por parte de
cada um daqueles nossos infelizes atores políticos.
Ou seja, o que importará discutir desenvolve-se
em torno do seguinte: “O Portugal em que milhões de portugueses vivem não se
pode confundir com a novela do Sócrates Truman Show onde tudo é possível -
basta querer. Portugal tem poucas empresas internacionais, pouco crédito, baixa
poupança, uma grande dívida do Estado, um défice que só pode diminuir gerando
desemprego de funcionários públicos, famílias e empresas endividadas porque
todo o circuito financeiro mundial assenta em crédito (fácil). Que importa se o
território é sistematicamente devastado por alguns projetos, sempre
essencialíssimos para criar emprego e salvar esta geração, mas destruindo os recursos
para décadas ou séculos? O desemprego é consequência de um processo histórico
de desinvestimento nas empresas e canalização do capital para rentabilidades
financeiras que, como se viu, eram irreais, ou para o imobiliário
especulativo.”
Sendo que Deusdado ainda acrescenta, a
concluir: “As últimas viagens que pude fazer pela Ásia e América fazem-me ter a
certeza de uma coisa: o Mundo continua a mover-se a grande velocidade, a
crescer. Ninguém quer saber de Portugal. Por isso temos de mudar este Governo
pedindo a Passos que saia pelo seu pé, e deixar Sócrates, e o seu canto de
sereia, a falar sozinho. O Truman Show é um filme viciante mas está a
desfocar-nos do tempo para salvarmos a nossa vida e o país.” Mas não será, pergunto
eu, que o problema principal de Sócrates é sobretudo de entourage e más companhias?