Espero estar muito enganado, mas receio ter encontrado nas presenças e afirmações públicas esta semana vindas do lado do PCP o melhor indicador do que estará à nossa espera ao virar da esquina. Saliento, em especial, a entrevista de Jerónimo de Sousa (JS) a Ana Lourenço (AL) na SIC Notícias da qual retenho acima algumas expressões faciais reveladoras – de um JS desconfortado na pele que vestia, titubeante, quase acossado – e abaixo alguns excertos pouco menos do que cristalinos – de um velho PCP a tentar caber num novo quadro onde até poderá querer mas não parece ainda saber encaixar-se.
Eis os tais excertos, que se adicionam aos editoriais do “Avante” ou a títulos jornalísticos como os do “Jornal i” (JS: “As negociações com o PS têm sido inconclusivas”) ou do “Diário de Notícias” (António Filipe: “Governo de esquerda? Para já, chame-lhe um governo do PS”):
· AL: Está pronto o acordo com o Partido Socialista?
JS: Não é a fase em que nos encontramos.
· AL: O défice pode ter de ser revisto, é isso?
JS: Obviamente, é uma questão que está colocada. Eu não consegui que nenhum economista me explicasse porque é que tem que ser 3% e não 4%...
· AL: São 3% porque nos comprometemos a isso com o Tratado Orçamental...
· AL: São 3% porque nos comprometemos a isso com o Tratado Orçamental...
JS: Pois, mas esse é um problema de fundo.
· AL: Até que o Tratado Orçamental seja revogado, o Partido Comunista Português em apoio a um governo em funções aceitará respeitá-lo – pode pôr-se assim ou não?
JS: Obviamente que nós não fazemos isso.
· AL: O PCP ver-se-ia a votar a favor de uma lei que prolongasse estes cortes [os cortes salariais na Função Pública entre janeiro e a entrada em vigor do novo Orçamento]?
JS: Não, porque obviamente se isso acontecer não vem mal ao mundo, até porque o Tribunal Constitucional considerou que estes cortes deviam valer até ao final de 2015. Eu tenho dúvidas já, em termos de calendário, se é possível no dia 1 de janeiro ter um Orçamento de Estado aprovado por outro Governo. Em relação a essa lei especial, eu aqui precisava de um aconselhamento de algum constitucionalista... Tenho algumas dúvidas em relação a isso.
· JS: As reuniões são bilaterais. Enfim, temos reunido com o Partido Socialista, obviamente depois das eleições reunimos com o Bloco para analisar a situação política atual, enfim, no quadro normal de relacionamento que temos com o BE, mas não conheço nenhum dos conteúdos das negociações e dos desfechos das negociações entre o PS e o Bloco de Esquerda.
António Barreto, de regresso a alguma lucidez na sua coluna de hoje no DN, escreveu a propósito o que de essencial António Costa é também suposto não desconhecer: “O que realmente interessa ao PCP está cá dentro, é o ganho imediato, o certificado de bom comportamento e algumas conquistas... Vai fazer as exigências habituais: mais défice, mais endividamento, mais impostos, mais salário mínimo, mais vencimento para os funcionários... Mais empresas públicas, mais investimento público... E não vai causar, por enquanto, mais problemas. O PCP está pronto a pagar muito pela sua nova virgindade europeia e democrática. Vai dar os seus votos ao PS, durante uns meses, porque este lhe prestou o enorme serviço de o considerar democrático e europeu. Se não fosse agora, talvez nunca fosse.”
(António, http://expresso.sapo.pt)
Admitindo que assim seja, e eliminando hipóteses que por ora parecem abstrusas (diga-se de passagem que essas são às vezes as que acabam verificadas), as possibilidades que se nos apresentam observáveis no futuro próximo vão nos seguintes sentidos (em alternativas sequenciais e probabilísticas):
1. Momento 1:
a. o XX Governo, liderado por Passos, consegue milagrosamente escapar de uma ou várias moções de rejeição – muito improvável;
b. António Costa comunica aos portugueses que não logrou a criação das condições necessárias à constituição de um governo de esquerda suficientemente estável e coerente e que assim se absterá de rejeitar o XX Governo, comprometendo-se a manter sobre o mesmo um permanente e incansável escrutínio – improvável;
c. o XX Governo é derrotado por uma moção de rejeição integralmente votada à Esquerda – muito provável.
2. Momento 2, na sequência de 1.c. e de sucessivos factos em torno do tipo e do conteúdo do(s) acordo(s) estabelecido(s) entre PS, PCP e BE:
a. o derrotado XX Governo fica em gestão por decisão de Cavaco – improvável;
b. Cavaco chama Costa a formar novo governo – provável.
3. Momento 3, na sequência de 2.b.:
a. Costa comunica aos portugueses que não logrou a criação das condições necessárias à constituição de um governo de esquerda suficientemente estável e coerente – muito improvável;
b. Costa apresenta um governo PS com apoios parlamentares separadamente assinados com o PCP e o BE, mas suficientemente harmonizados no conteúdo e nas garantias de durabilidade – improvável;
c. Costa apresenta um governo tripartido assente em acordos separados com o PCP e o BE, acordos esses aparentando mínimos de harmonização – provável;
d. Costa apresenta um governo PS com apoios parlamentares separadamente assinados com o PCP e o BE, significativamente diferenciados no conteúdo e nas garantias de durabilidade – muito provável.
(Cristiano
Salgado, http://expresso.sapo.pt)
Procuro colocar-me na perspetiva dos chamados “superiores interesses nacionais”, embora interpretando-os através de um caldo necessariamente muito pessoalizado pelas minhas próprias opções cidadãs. Num mundo ideal, a minha preferência iria sequencialmente para as alíneas 1.c., 2.b. e 3.b. (ou, em algo pior, 3.a.). Dado que o mundo está longe de ser perfeito, e que os protagonistas são homens concretos e as suas próprias circunstâncias, menos mau poderia ser que nos ficássemos por 1.b (o que deixaria uma bomba ao retardador a Marcelo). Dado que Cavaco é doentio na forma como se encara a si próprio e ao seu papel, não é de excluir de todo o péssimo que seria para o País a ocorrência de 1.c. seguida de 2.a. Mas aquilo que me indicam os astros e as cartas, mais alguns videntes e bruxas que avulsamente consultei, aponta para a realização efetiva de uma sequência do tipo 1.c., 2.b. e 3.d., sequência esta que redundará inevitavelmente em barafunda, eleições antecipadas e uma confortável maioria absoluta da Direita em Portugal – num quadro assim, o PS dificilmente não tenderá a despedaçar-se, o PCP ir-se-á lentamente corroendo à medida da velocidade de desaparecimento dos seus fósseis mais combativos e irredutíveis e a esquerda radical que ficar ganhará uma expressão suscetível de incomodar pontualmente mas sem que tenha grande capacidade para imprimir uma consequência sólida à sua ação.
(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)
Concluo: Costa tem em suas mãos uma decisão de altíssimo risco para si, para o País e para a Esquerda que tão inteligentemente tem querido federar (ao invés do que a imagem acima pretende sugerir); uma decisão que, para ser devidamente tomada, poderá exigir faseamentos que evitem precipitações, ajudando a tornar claro aos portugueses o legado da direita que tão desgraçadamente os governou estes quatro anos e que tão desgraçadamente comanda a Europa em que estamos; uma decisão faseada que não permita igualmente quaisquer veleidades sobre as futuras culpas de novos desaires ou de repetidas tragédias; uma decisão faseada que dê tempo de assimilação e maturação às importantes aproximações já observadas entre as forças políticas de Esquerda, dando aso a que elas se preparem adequada e conjuntamente para que embates que não tardarão possam desenrolar-se em moldes que lhes sejam bem mais favoráveis. Mas os sinais dominantes fazem-me temer que assim não vá acontecer, assim produzindo por linhas tortas o tal resultado descarrilado que a imagem sugere...
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