(Alguma
pesquisa solta para a preparação de um novo curso de 15 horas focado na globalização)
Estou em fase de preparação atempada, bem atempada diga-se,
de um novo curso sobre globalização, 15 horas a lecionar num curso de pós
graduação do Instituto Politécnico do Porto focado no tema das Oportunidades de
Investimento a nível internacional.
Por isso, tenho os meus radares de pesquisa orientados para
novas pontes de abordagem sobre esse processo multifacetado e que parece estar após
a crise de 2007-2008 envolvido numa nova encruzilhada com algumas similaridades
com o que se passou na Grande Depressão de 1929-1930, aliás matéria de uma das
mais relevantes obras sobre a matéria e que faz parte regularmente das minhas
bibliografias – The end of globalization de autoria de Harold James.
A pesquisa solta de hoje surge por via de um post de Paul Krugman, que regressa quase 20 anos depois a essa matéria e que nos transporta
para um artigo de Katie Stratford no Bank Underground
que não é mais do um blogue do Banco Central de Inglaterra, o que atesta bem da
importância da blogosfera económica até em instituições normalmente consideradas
recatadas e não pródigas em modernices.
O tema do post de Krugman e o artigo de Katie Stratford
interessam-me de sobremaneira porque discutem um dos mistérios pelo qual a
globalização está a passar no período imediatamente após a crise financeira de
2007-2008. A globalização económica é regra geral medida pelo ritmo do
crescimento do comércio mundial e, mais rigorosamente, pelo comportamento ao
longo do tempo do rácio “Comércio Mundial – PIB mundial”. Em torno deste rácio
simples, é usual trabalhar sobre um indicador um pouco mais sofisticado que é o
da elasticidade do comércio externo face ao crescimento económico, calculado
para cada país. Essa elasticidade não é mais do que a razão “Crescimento do comércio
mundial (taxa de crescimento das exportações e importações)/Crescimento económico
(taxa de crescimento do PIB)”.
Desde o período em regra designado de “reglobalização”
(as duas décadas de 80 e 90), o rácio “Comércio mundial /PIB” é claramente
crescente. Isto significa que a chamada “reglobalização” é acompanhada de um crescimento
do comércio mundial que supera o do PIB, quase o duplicando. Mas eis que após a
crise de 2007-2008, o rácio “Comércio mundial /PIB” está francamente abaixo do
seu trend como se pode constatar a partir
do gráfico que abre este post. O comércio mundial deixou de crescer mais do que
o PIB mundial e passa a crescer em linha com o PIB mundial. Mais rigorosamente,
o PIB tem decrescido, que significa que o comércio tem decrescido praticamente à
mesma taxa.
O artigo de Stratford mostra, através de técnicas de análise
estatística que transcendem o alcance deste blogue, que uma parte da redução do
comércio mundial se deve à queda do próprio PIB mundial induzida pelos efeitos
da crise. Mas a redução observada no comércio mundial é mais elevada do que a que
seria de esperar atendendo ao efeito de queda do PIB, o que aponta para outros
fatores explicativos. Existe evidência de que a variância do comércio mundial é
tradicionalmente superior à do PIB. Mas, mesmo entrando em linha de conta com
essa maior variância, a queda do comércio mundial é superior á projetada com
tais pressupostos.
Na investigação da equipa do Banco de Inglaterra, são
afastadas duas hipóteses que poderiam explicar o comportamento anómalo do comércio
mundial.
A primeira hipótese afastada respeita à possibilidade da
organização logística do comércio mundial, baseada nas cadeias de valor globais
e na relevância dos produtos intermédios e da decomposição geográfica dos
processos produtivos, estar em enfraquecimento. Embora o comércio internacional
de produtos intermédios tenha diminuído, isso é explicado pelos autores com
base na natureza mais marcadamente cíclica destes produtos. Em sua opinião, não
estaria em causa nenhuma mudança estrutural da organização logística do comércio
mundial, que fizesse recuar a relevância das cadeias de valor globais, grandes
responsáveis pela forte aceleração do comércio internacional antes da crise de
2007-2008.
A segunda hipótese afastada é a do efeito da composição
da despesa em que o PIB se materializa. Assim, por exemplo, se a variável
investimento, fortemente indutora de produtos intermédios, tivesse uma queda
mais que proporcional à do PIB, isso poderia explicar a maior queda do comércio
internacional. A hipótese é afastada porque o investimento acompanhou bastante
de perto a queda do PIB.
Resta a hipótese do efeito composição dos países explicar
a maior queda do comércio internacional. De facto, as economias emergentes como
a China apresentam elasticidades de crescimento das importações face ao PIB
inferiores às registadas pelas economias avançadas. Ou seja, um 1% de crescimento
do PIB gera nessas economias uma menor percentagem de crescimento de importações
do que nas economias avançadas. Ora como as economias emergentes estão a
aumentar o seu peso no comércio internacional isso explicaria a maior queda do
comércio internacional.
Krugman desconfia desta conclusão por entender, com razão,
que as elasticidades de importação não são propriamente um fator estrutural. Por
isso, em seu entender, teríamos de ir mais fundo nessa explicação. No meu próprio
entendimento, haverá que ter em conta que as economias emergentes apresentam um
comércio internacional mais regulado e administrado do que o observado em
economias avançadas, com gestão mais liberal dessa matéria. E certamente haverá
outras razões, de natureza mais estruturadas, associadas ao perfil de
especialização dessas economias.
A análise de Krugman é engenhosa porque mostra que a elasticidade
de crescimento das importações depende essencialmente da maior rapidez do crescimento
económico. A argumentação é a seguinte: o crescimento do comércio mundial é
igual ao crescimento do PIB mais um fator estrutural ∆ que explica que o crescimento
do comércio mundial seja superior ao do PIB.
Ou seja:
Crescimento do Comércio mundial = Crescimento do PIB + ∆
Elasticidade = Crescimento do comércio mundial /crescimento
do PIB = 1 + (∆/crescimento do PIB)
O que prova que os países com crescimento económico mais
rápido terão elasticidades mais baixas, independentemente de fatores de natureza
estrutural que são pressupostos como dados e iguais a ∆. Krugman parece não
estar convencido com o afastamento da hipótese explicativa das cadeias de valor
globais. E não deixa de ser cautelosa a sua posição, pois as cadeias de valor
globais não constituem um processo de medida e registo fácil. Mais investigação
será necessária para se compreender o puzzle não resolvido da queda mais que proporcional
do comércio internacional face à destruição de PIB observada.
De qualquer modo, a dar como válidos os cálculos do Banco
de Inglaterra, que aponta para menores elasticidade–rendimento das suas
importações, isso significa que as economias emergentes não serão o El Dorado
de exportações que algumas economias avançadas pensam ter encontrado.
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