domingo, 1 de novembro de 2015

COMÉRCIO INTERNACIONAL E CRESCIMENTO ECONÓMICO NO PÓS CRISE




(Alguma pesquisa solta para a preparação de um novo curso de 15 horas focado na globalização)

Estou em fase de preparação atempada, bem atempada diga-se, de um novo curso sobre globalização, 15 horas a lecionar num curso de pós graduação do Instituto Politécnico do Porto focado no tema das Oportunidades de Investimento a nível internacional.

Por isso, tenho os meus radares de pesquisa orientados para novas pontes de abordagem sobre esse processo multifacetado e que parece estar após a crise de 2007-2008 envolvido numa nova encruzilhada com algumas similaridades com o que se passou na Grande Depressão de 1929-1930, aliás matéria de uma das mais relevantes obras sobre a matéria e que faz parte regularmente das minhas bibliografias – The end of globalization de autoria de Harold James.

A pesquisa solta de hoje surge por via de um post de Paul Krugman, que regressa quase 20 anos depois a essa matéria e que nos transporta para um artigo de Katie Stratford no Bank Underground que não é mais do um blogue do Banco Central de Inglaterra, o que atesta bem da importância da blogosfera económica até em instituições normalmente consideradas recatadas e não pródigas em modernices.

O tema do post de Krugman e o artigo de Katie Stratford interessam-me de sobremaneira porque discutem um dos mistérios pelo qual a globalização está a passar no período imediatamente após a crise financeira de 2007-2008. A globalização económica é regra geral medida pelo ritmo do crescimento do comércio mundial e, mais rigorosamente, pelo comportamento ao longo do tempo do rácio “Comércio Mundial – PIB mundial”. Em torno deste rácio simples, é usual trabalhar sobre um indicador um pouco mais sofisticado que é o da elasticidade do comércio externo face ao crescimento económico, calculado para cada país. Essa elasticidade não é mais do que a razão “Crescimento do comércio mundial (taxa de crescimento das exportações e importações)/Crescimento económico (taxa de crescimento do PIB)”.

Desde o período em regra designado de “reglobalização” (as duas décadas de 80 e 90), o rácio “Comércio mundial /PIB” é claramente crescente. Isto significa que a chamada “reglobalização” é acompanhada de um crescimento do comércio mundial que supera o do PIB, quase o duplicando. Mas eis que após a crise de 2007-2008, o rácio “Comércio mundial /PIB” está francamente abaixo do seu trend como se pode constatar a partir do gráfico que abre este post. O comércio mundial deixou de crescer mais do que o PIB mundial e passa a crescer em linha com o PIB mundial. Mais rigorosamente, o PIB tem decrescido, que significa que o comércio tem decrescido praticamente à mesma taxa.

O artigo de Stratford mostra, através de técnicas de análise estatística que transcendem o alcance deste blogue, que uma parte da redução do comércio mundial se deve à queda do próprio PIB mundial induzida pelos efeitos da crise. Mas a redução observada no comércio mundial é mais elevada do que a que seria de esperar atendendo ao efeito de queda do PIB, o que aponta para outros fatores explicativos. Existe evidência de que a variância do comércio mundial é tradicionalmente superior à do PIB. Mas, mesmo entrando em linha de conta com essa maior variância, a queda do comércio mundial é superior á projetada com tais pressupostos.

Na investigação da equipa do Banco de Inglaterra, são afastadas duas hipóteses que poderiam explicar o comportamento anómalo do comércio mundial.

A primeira hipótese afastada respeita à possibilidade da organização logística do comércio mundial, baseada nas cadeias de valor globais e na relevância dos produtos intermédios e da decomposição geográfica dos processos produtivos, estar em enfraquecimento. Embora o comércio internacional de produtos intermédios tenha diminuído, isso é explicado pelos autores com base na natureza mais marcadamente cíclica destes produtos. Em sua opinião, não estaria em causa nenhuma mudança estrutural da organização logística do comércio mundial, que fizesse recuar a relevância das cadeias de valor globais, grandes responsáveis pela forte aceleração do comércio internacional antes da crise de 2007-2008.

A segunda hipótese afastada é a do efeito da composição da despesa em que o PIB se materializa. Assim, por exemplo, se a variável investimento, fortemente indutora de produtos intermédios, tivesse uma queda mais que proporcional à do PIB, isso poderia explicar a maior queda do comércio internacional. A hipótese é afastada porque o investimento acompanhou bastante de perto a queda do PIB.

Resta a hipótese do efeito composição dos países explicar a maior queda do comércio internacional. De facto, as economias emergentes como a China apresentam elasticidades de crescimento das importações face ao PIB inferiores às registadas pelas economias avançadas. Ou seja, um 1% de crescimento do PIB gera nessas economias uma menor percentagem de crescimento de importações do que nas economias avançadas. Ora como as economias emergentes estão a aumentar o seu peso no comércio internacional isso explicaria a maior queda do comércio internacional.

Krugman desconfia desta conclusão por entender, com razão, que as elasticidades de importação não são propriamente um fator estrutural. Por isso, em seu entender, teríamos de ir mais fundo nessa explicação. No meu próprio entendimento, haverá que ter em conta que as economias emergentes apresentam um comércio internacional mais regulado e administrado do que o observado em economias avançadas, com gestão mais liberal dessa matéria. E certamente haverá outras razões, de natureza mais estruturadas, associadas ao perfil de especialização dessas economias.

A análise de Krugman é engenhosa porque mostra que a elasticidade de crescimento das importações depende essencialmente da maior rapidez do crescimento económico. A argumentação é a seguinte: o crescimento do comércio mundial é igual ao crescimento do PIB mais um fator estrutural ∆ que explica que o crescimento do comércio mundial seja superior ao do PIB.

Ou seja:

Crescimento do Comércio mundial = Crescimento do PIB + ∆
Elasticidade = Crescimento do comércio mundial /crescimento do PIB = 1 + (∆/crescimento do PIB)

O que prova que os países com crescimento económico mais rápido terão elasticidades mais baixas, independentemente de fatores de natureza estrutural que são pressupostos como dados e iguais a ∆. Krugman parece não estar convencido com o afastamento da hipótese explicativa das cadeias de valor globais. E não deixa de ser cautelosa a sua posição, pois as cadeias de valor globais não constituem um processo de medida e registo fácil. Mais investigação será necessária para se compreender o puzzle não resolvido da queda mais que proporcional do comércio internacional face à destruição de PIB observada.

De qualquer modo, a dar como válidos os cálculos do Banco de Inglaterra, que aponta para menores elasticidade–rendimento das suas importações, isso significa que as economias emergentes não serão o El Dorado de exportações que algumas economias avançadas pensam ter encontrado.

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