sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A DESAFINAÇÃO SCHÄUBLIANA

(Rainer Ehrt, http://www.toonpool.com)



Como refere o António Figueiredo (AF) no seu último post, o artigo do “Wall Street Journal” menciona efetivamente uma peregrinação de Wolfgang Schäuble a Bruxelas no início da semana. Mas também é certo que o título do mesmo aponta para uma whirlwind Brussels visit por parte do ministro das Finanças alemão. Whirlwind que, de acordo com as minhas fontes tradutivas, significa redemoinho, turbilhão ou tornado – o que talvez esteja mais conforme com a realidade, a crer no relato feito pelo “El País” da reunião havida em Bruxelas com os representantes do Parlamento Europeu (ver acima).

Mas a minha motivação não é propriamente semântica ou linguística mas a de repor melhor a questão en su sitio. Porque, diferentemente do que alguns poderão ligeiramente inferir do texto de AF, o que está em causa não parece ter tão diretamente a ver com a “posição alemã de rejeição de mecanismos de mutualização, neste caso, bancária” mas sim com o conteúdo da união bancária europeia (UB) dita em construção e nesse quadro, indiretamente portanto, com um conflito institucional (“a incomodidade criada com a divergência de opinião entre o Conselho Europeu (em que a influência alemã é mais marcante) e o Parlamento Europeu em que ela se dilui algo mais”) e algumas agravantes para lá dele.

Vejamos: enquanto uma peça essencial da UB parece adquirida e tudo indica que começará brevemente a funcionar – a supervisão do sistema bancário pelo BCE –, outra é a que está em preparação e corresponde ao conflito acima mencionado – a resolução de bancos, i.e., como lidar com um banco considerado inviável pelo supervisor. Eis os factos, em grande generalidade: (i) a Comissão Europeia elaborou, como lhe compete, uma proposta inicial e o Parlamento Europeu (que nesta matéria tem poderes de codecisão com o Conselho Europeu) renegociou-a e aprovou na respetiva Comissão Económica e Monetária por 80% dos votantes o resultante relatório respetivo (apelidado de Ferreira Report, por ter sido Elisa a principal relatora do mesmo); (ii) em ambos os casos é previsto um mecanismo de resolução único (SRM) e a constituição de um fundo único, financiado pelos bancos de acordo com o respetivo perfil de risco, para eventual utilização no processo de resolução; (iii) o Conselho Europeu de dezembro passado, sob forte influência (para dizer o mínimo) dos alemães, aprovou que decisões fundamentais do processo de resolução lhe ficassem reservadas e que uma parte substancial do complexo esquema de financiamento/mutualização do fundo – que defendem dever funcionar durante dez anos em sistema de compartimentos estanques em cada país – fosse politicamente controlado através da negociação de um tratado intergovernamental e com total exclusão de qualquer poder legal do Parlamento. Ou seja: vá lá saber-se porquê, mas Schäuble não aceita quebrar o contágio – que esta crise já demonstrou ser fatal – entre a falência de um banco e as responsabilidades atribuíveis ao país de onde ele é proveniente, recorrendo para tal à despudorada subversão dos próprios mecanismos comunitários, arriscando com indiferença a oposição de quase todo o PPE (até agora, pelo menos, os alemães têm ficado isolados) e ameaçando até com uma força que neste caso não possuirá.

Mas o AF tem razão quando afirma o mais importante: “o que me interessa registar para memória futura é mais uma evidência do caráter atribulado da construção da complexa arquitetura europeia e da sua dependência atual e futura não da coerência de posições, valores ou soluções racionais e democraticamente validadas pelos países intervenientes mas de circunstâncias, táticas e conjunturas políticas”. Natürlich, digo eu que hoje não estou para intrigas…

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