domingo, 26 de janeiro de 2014

SABEMOS MENOS DO QUE PENSAM …



A frase não é minha, pertence ao economista do desenvolvimento Kaushik Basu e é citado por Dani Rodrik em artigo que esse sim é objeto central deste post.
Já aqui referi diversas vezes que Dani Rodrik é um economista da minha estimação e não apenas porque assumiu a “cátedra” Albert O. Hirschman na Escola de Ciências Socias do Institute for Advanced Study de Princeton, New Jersey. Duas obras de Rodrik ocupavam uma forte centralidade nos meus cursos de Globalização e Desenvolvimento Económico nos bons tempos (mas que saudade) em que lecionava na FEP-UP: The Globalization Paradox (2011) (obra precedida por imensos artigos já disponíveis antes de 2009) e One Economics, Many Recipes (2007).
Rodrik é dos que questiona permanentemente a profissão e a disciplina e eu gosto dessa capacidade de conviver com a dúvida e a interrogação. E, além disso, situa-se entre os economistas que pensam que ignorar as complicações do mundo real para fantasiar no mundo protegido dos modelos equivaleria a que todos os físicos ignorassem que no mundo existe uma coisa como a gravidade. A situação que o mundo atravessa precisa dos economistas que modestamente encaram as imperfeições da realidade e seguramente não dos que as ignoram ou, pior ainda, tentam adaptar essa realidade às suas convicções.
O artigo publicado pelo IAS de Princeton parte curiosamente de algo que intrigou todo o mundo que foi a atribuição do Nobel de Economia deste ano a três economistas, em que dois deles mantêm uma divergência insanável entre si (Fama versus Shiller) e são acompanhados por um outro (Lars Peter Hansen) que trabalha em testes estatísticos capazes de revelar se os mercados funcionam ou não em termos de racionalidade (tema que opõe os outros dois). O Nobel deste ano ilustra bem a precariedade da ciência económica (questão que só um grupo de economistas aceita como fator de modéstia obrigatória), questão que leva por exemplo alguns físicos de renome a gozar e bem com as limitações da “ciência” económica. Vejam, por exemplo, a incontornável lição de Richard Feynman sobre a pseudociência, na qual ele situa as ciências sociais.
Pois Rodrik interroga-se e com razão sobre o deserto que tem avançado na investigação económica sobre algo que o simples bom senso aconselharia a que fosse um vetor central da evolução da disciplina. De facto, não há investigação séria sobre a comparação da multiplicidade de modelos construídos em economia do ponto de vista da sua capacidade concreta de ser aplicável ao tal mundo real, cheio de imperfeições e problemas. E, de facto, sendo os modelos meros instrumentos para pensar a realidade complexa, a sua avaliação comparativa em cada contexto de aplicação deveria merecer outra atenção às condições mais pertinentes para realizar com rigor essa comparação.
Com este comportamento dominante, a profissão e a disciplina criam a sua própria vulnerabilidade. Rodrik disserta no artigo sobre o apresamento de que foi vítima a dupla de economistas Carmen Reinhart e Ken Rogoff sobre o tão discutido (e aqui também) erro de Excel e o também profusamente discutido pretenso limiar do peso da dívida pública no PIB a partir do qual tal peso seria penalizador para o crescimento económico. A não contextualização de resultados terá determinado a talvez injusta invocação pelas teses da austeridade dos trabalhos de Reinhart e Rogoff como argumento racionalizador da penosidade necessária para ultrapassar o problema. Tal invocação acabou por apagar o alcance da obra dos dois economistas, que consistem sobretudo em analisar as regularidades do pós-crises financeiras (the aftermath of financial crisis) e não propriamente em racionalizar a austeridade. Aliás isso explica o embaraço provocado pela entrevista de Rogoff ao Expresso de já há alguns meses quando o economista americano afirmou que via com muita dificuldade a ultrapassagem da crise das dívidas soberanas sem uma qualquer forma de redução da dívida.
A síntese de Rodrik deve acompanhar-nos em todos os desenvolvimentos contemporâneos: a economia é simultaneamente ciência e ofício (artesanato, experimentação, capacitação, aprendizagem). Mas é também e hoje cada vez mais venda de banha da cobra, sobretudo por aqueles que rejeitam o ofício e se colam excessivamente a uma ideia de ciência descontextualizada, pretensamente válida e aplicação em todos os contextos e circunstâncias.
Daí o pensamento sábio de Basu de que os economistas sabem menos do que os não economistas pensam que eles sabem. Gente perigosa, sobretudo quando se elevam a arautos racionalizadores de qualquer poder.

Sem comentários:

Enviar um comentário